Imagem primitiva da Senhora da Oliveira |
15 de Agosto de 1751
A procissão de Nossa Senhora da Oliveira, que há alguns anos não se fazia,
na forma da resolução da mesa de 28-VII da sua real irmandade e devida a alguns
devotos, realizou-se este ano da forma seguinte: Um carro representando a Arca
de Noé, com as figuras correspondentes; outro carro representando o sacrifício
que fez Noé depois do dilúvio; outro carro representando a batalha de Ourique,
em que havia 2 coros, um de cristãos e outro de mouros; e outro carro
representando a história do rei Wamba, acompanhado de várias folias, bailes e
contradanças; irmandades e confrarias, e as comunidades religiosas; um passo de
20 figuras, bem vestidas e ornadas de preciosos diamantes; o Cabido com a
imagem de Nossa Senhora da Oliveira em rico andor todo de prata lavrada, e
vestida com o manto riquíssimo que lhe havia oferecido El-rei D. João V; o
Senado, etc. Houve bailes e festas que duraram até 22 deste mês, entrando no
número das festas três corridas de touros, cavalhadas, danças e galhofas.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III,
p. 149)
O dia da padroeira de Guimarães, Santa Maria da Oliveira, é
assinalado a 15 de Agosto, cujo principal acto é uma procissão solene que,
desde tempos que se perderam na memória, saía da Igreja da Colegiada, com a
imagem em prata da Senhora da Oliveira levada em charola (andor) pelos padres da
curaria, obrigação contraída por contrato com a Confraria de Nossa Senhora da
Oliveira assinado em 1585 (a Confraria fora constituída em 1583). A senhora ia
enfeitada com a sua meada (um conjunto de
numerosos e compridos cordões de ouro, muito delgados, reunidos em forma de
meada, de um trabalho delicadíssimo, segundo a descrição do Padre António Ferreira
Caldas), que a tradição diz ter sido oferecida por D. João I, sendo feita com o primeiro ouro que recebemos da Índia (note-se
que João I morreu em 1433 e que Vasco da Gama só chegou à Índia em 1498). Além
da meada, a Senhora da Oliveira
levava, na sua procissão, um bordão de prata.
A partir de 1600, a Câmara passa a incorporar-se na
procissão que no dia fazia a sua
confraria, para ornato da mesma, não querendo em tempo algum usar de posse ou
direito algum nela, nem prejudicar o que na mesma pudesse ter o Cabido e seu
prelado.
Além de acompanhar a procissão, a Câmara também contribuía para a sua realização, pagando a dança mourisca, os charameleiros (tocadores de charamela, instrumento de sopro antigo) e aos que transportavam
as bandeiras dos ofícios, além de providenciar a construção de um palanque coberto
com panos de seda na Praça da Oliveira, para assistir às comédias da parte
profana da festividade, e outro no Toural, para as touradas (o Cabido erguia
dois outros palanques, junto à igreja da Oliveira).
Nem sempre a
procissão da Senhora de Agosto saiu às ruas de Guimarães com a grandeza e a
solenidade que a tradição impunha. Anos houve em que, pura e simplesmente, não
saiu.
Em 1751, a procissão
da padroeira já não se fazia há alguns anos.
A mesa da Real Irmandade de Nossa Senhora da Oliveira decidiu, no final
de Julho desse ano, que a festa se fizesse com
toda a pompa e solenidade possível na forma do compromisso para que
ressuscitasse a devoção da mesma Senhora, de cuja falta se ressentiam as gentes
de Guimarães, assim como os peregrinos que a ela concorriam de partes distantes. Ficou então decidido que se faria um baile sacro de música e outros mais
inferiores para a procissão, e o mais que se costuma.
Assim foi, de acordo com uma descrição que João Lopes de Faria transcreveu
de um recorte de jornal que encontrou no espólio do Abade de Tagilde:
Um carro
representando a arca de Noé, com todas as figuras correspondentes; outro, representando
o sacrifício que fez Noé depois do dilúvio; outro representando a batalha de
Ourique, em que havia dois coros, um de cristãos e outro de mouros; ainda outro
carro, representando a história do rei Vamba, acompanhado de várias folias,
bailes e contradanças; seguiam-se as confrarias
e comunidades religiosas; imediatamente ia um passo de vinte figuras,
magnificamente vestidas, e ornadas, de preciosos diamantes; seguia-se o Cabido
com a imagem de Nossa Senhora da Oliveira em um rico andor todo de prata
lavrada, e vestida com um manto riquíssimo, que lhe havia oferecido D. João V.
Houve bailes e
festas que duraram até 22 do mesmo mês, entrando no número das festas três corridas de
touros, cavalhadas, danças e galhofas.
Dois anos depois, a
Irmandade decidiu que no dia 15 de Agosto desse ano se fizesse uma
procissão de passo com um baile sacro, bom, e outro menor, e duas óperas boas,
as quais se ajustassem, e com o baile tudo perfeito. Começou por se programar, em
Maio, as óperas Encantos de Medeia e
Alecrim Mangerona e um baile de Dario e Daniel. Em Julho, mudaram-se os
planos: não se fariam as duas óperas previstas, decidindo-se fazer, em substituição,
dois dias de touros da Chamusca, com
capinhas. Para isso, seriam mandados vir oito toiros da Chamusca. Ainda aquele
mês não era terminado, novas alterrções ao programa. Não era possível fazer os
bailes previstos, pelo que a Mesa decidiu que se fizessem três comédias castelhanas. Chamado o respectivo autor à sua
presença, a Câmara acertou as três comédias,
os Encantos de Medeia, Palmaril de Oliva, e outra de capa e espada, em que se
faça eleição.
No ano seguinte, a Irmandade decidiu mandar fazer o baile de el-rei D. Afonso
Henriques quando a Senhora nele fez o milagre, e o de Daniel no lago, de acordo com argumentos já
escritos, que seriam entregues a quem fosse encarregado de os montar. Logo se
apresentaram perante a mesa o Padre Jerónimo José de Almeida e António Dias, ambos desta vila, para tomarem os bailes.
A mulher oferta foi apresentada pelo segundo, sendo-lhe adjudicada a tarefa. Depois
da festa, a Mesa, visto o asseio, perfeição e despesas que fez nos bailes, a Mesa decidiu dar mais cinco
moedas, do que as que estavam contratadas, ao ensaiador António Dias.
Em 1758, o mesmo António Dias seria encarregado de preparar duas óperas e um baile da Pitonisa para a festa da padroeira. Os membros da
Irmandade assentaram que para maior
veneração de Nossa Senhora da Oliveira e sua festividade, houvesse neste ano
tríduo (prolongamento da celebração por três dias), o que aconteceu pela
primeira vez.
Pelos anos adiante, com intermitências, as celebrações da
Senhora de Agosto continuarão a ser um conjunto de actos festivos onde as
fronteiras entre o sagrado e o profano são muito ténues. A par da grande
solenidade dos actos religiosos que tinham lugar na igreja, as manifestações de
rua eram genuinamente festivas, onde a fé andava de braço dado com a comédia e
o burlesco.
Falta dizer que a festa era, no essencial, custeada com as
esmolas do rei e da sua família. Quanto a generosidade régia esmoreceu, passando
os custos a ser assumidos exclusivamente pelo cofre da Irmandade, a festa da
padroeira foi deixando perdendo o brilho de outros tempos.
Também acha a
mesma Irmandade muito prejudicada no demasiado gasto das festas
da Senhora, que tudo é feito à custa do seu capital quando só se devia fazer
à custa das esmolas da Mesa, e da que Sua Majestade costumava dar, e que há
mais de 35 anos não paga, e sendo estes gastos contra o que se tem determinado
nos termos atrasados, por essa razão também seria bom fazer-se algum termo, para
que ao menos daqui por diante se evite por algum modo a maior parte de
semelhante despesa.
E assim a celebração do 15
de Agosto passou a limitar-se ao culto na igreja e à procissão, despindo-se do
seu lado mais festivo e popular.
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