Terá
tido origem numa praga que atacou os campos. Não se sabe ao certo
quando começou a realizar-se, mas é certo que já vem de antes de
meados do século XVII. É a a célebre ronda ou clamor que,
geralmente no domingo seguinte a 13 de Junho, faz o povo descer a
montanha, levando a imagem da Senhora da Lapinha até junto da sua
irmã, a Senhora da Oliveira. Na memória que escreveu em 1758, o
abade de Calvos fala, naturalmente, desta impressionante manifestação de
religiosidade popular:
Há nesta freguesia a ermida de Nossa Senhora da Lapinha, sita no monte da Lapinha, a qual consta de uma nave somente e tem três altares. O maior é de Nossa Senhora da Lapinha, o da parte da Epístola de Santo António, o da parte do Evangelho de Nosso Senhor na Cruz. Está fora do lugar no monte. Esta pertence a esta igreja e nela se acha instituída uma populosa irmandade das Almas, que consta de dezasseis freguesias, e são as que veneram a dita capela de tudo o necessário. E, em todos os domingos e dias Santos do ano, vai lá gente de romagem e também muitos clamores, a que chamam votos. Mas os dias em que vai mais concurso de gente são em dia de Santo António, dia em que levam a mesma Senhora de procissão a Nossa Senhora da Oliveira, à vila de Guimarães, distância de uma légua, dia da Ascensão de Nosso Senhor, dia de Janeiro, a primeira oitava do Espírito Santo, dia do Corpo de Deus e dia de Reis.
Nos seus apontamentos, Martins
Sarmento descreveu o local onde a imagem da Senhora da Lapinha terá
sido encontrada:
A
Lapinha fica já numa vertente sobre Calvos (S. Lourenço, a cuja
freguesia pertence) e nada ali houve. A capela tem simplesmente de
curioso o ter incluído no ângulo do nordeste o penedo onde se diz
que a Senhora apareceu. Assim, a parte traseira dá isto:
Do
lado do nascente:
Um
homem que ali apareceu quase providencialmente, disse-me que a
Senhora aparecera debaixo da Lapa; que a Lapa seria no ângulo da
capela, mas sem cavidade alguma, e que a Santa estava ao lado dela
num oratório.
Aqui fica a Memória paroquial de S. Lourenço de Calvos em 1758. À Lapinha voltaremos a seguir, pela mão do Abade de Tagilde.
Calvos
Por
comissão do Muito Reverendo Senhor Doutor Francisco Fernandes
Coelho, Digníssimo Provisor deste Arcebispado de Braga Primaz etc.,
eu Miguel Soares da Costa, vigário desta paroquial igreja de São
Lourenço de Calvos, do termo da vila de Guimarães, do dito
Arcebispado, dou conta do que se me ordena nos interrogatórios
inclusos.
Primeiramente,
chama-se a esta província a Província de Entre-Douro-e-Minho e
nesta se acha situada esta ribeira de Vizela, a qual há-de ter uma
légua de comprido e meia de largo. E esta é do termo e comarca de
Guimarães, e dela é senhor donatário, até ao presente, el-rei
Nosso Senhor.
E nesta,
no princípio da dita ribeira, se acha esta freguesia de São
Lourenço de Calvos, a qual consta de sessenta e três vizinhos que
todos estes constam de cento e oitenta e cinco pessoas. E esta se
acha situada ao pé de um monte e não se descobre dela mais do que
algumas igrejas vizinhas, como também algumas casas. E esta se acha
situada no meio da freguesia e é do termo de Guimarães e dela dista
uma légua.
E tem o
lugar de Cima do Eiris, que tem três vizinhos, e tem o lugar da Ufe,
que consta de oito vizinhos, e tem o lugar das Lapas, que consta de
dois vizinhos, e tem o lugar dos Moinhos, que consta de três
vizinhos, e tem o lugar de Temonde e Outeiro, que consta de dois
vizinhos, e tem o lugar da Pia, que contém três vizinhos, e tem o
lugar de Balteiro e Casa Nova, que consta de dois vizinhos, e tem o
lugar da Devesa, que consta de um vizinho, e tem o lugar da Cancela,
que consta de quatro vizinhos, e tem o lugar de Sizalde, que consta
de um vizinho, e tem o lugar do Pinheiro e Tomada, que consta de
quatro vizinhos, e tem o lugar da Venda da Serra, que consta de nove
vizinhos, e tem o lugar da Bouça, que consta de quatro vizinhos, e
tem o lugar de Matos, que consta de sete vizinhos, e tem o lugar de
Agra Fonte, que consta somente de um, e tem o lugar do Assento, que
consta de dois vizinhos.
O orago
desta freguesia é São Lourenço de Calvos. E consta a igreja
somente de uma nave, feita ao antigo e já muito velha e arruinada,
por os moradores serem poucos e muito pobres. E consta de quatro
altares, o maior de São Lourenço orago, o da parte da Epístola, do
Mártir São Sebastião, o da parte do Evangelho, de Nossa Senhora. O
das Almas se acha metido no costão da parede, da parte do Evangelho.
E nesta igreja se acha instituída a confraria de Nossa Senhora do
Rosário, no mesmo altar da Senhora.
O pároco
desta igreja é vigário ad
nutum
e é apresentação das religiosas de São Francisco de Nossa Senhora
dos Remédios e Piedade, da cidade de Braga. Os dízimos são para as
religiosas e andam arrendados em cento e vinte e cinco mil réis.
Para o pároco é tão somente o pé de altar, que renderá, para
ele, quarenta mil réis.
Não há
conventos de religiosas, nem de religiosos, nem hospital, nem casa de
misericórdia, nem também beneficiados.
Há nesta
freguesia a ermida de Nossa Senhora da Lapinha, sita no monte da
Lapinha, a qual consta de uma nave somente e tem três altares. O
maior é de Nossa Senhora da Lapinha, o da parte da Epístola de
Santo António, o da parte do Evangelho de Nosso Senhor na Cruz. Está
fora do lugar no monte. Esta pertence a esta igreja e nela se acha
instituída uma populosa irmandade das Almas, que consta de dezasseis
freguesias, e são as que veneram a dita capela de tudo o necessário.
E, em todos os domingos e dias Santos do ano, vai lá gente de
romagem e também muitos clamores, a que chamam votos. Mas os dias em
que vai mais concurso de gente são em dia de Santo António, dia em
que levam a mesma Senhora de procissão a Nossa Senhora da Oliveira,
à vila de Guimarães, distância de uma légua, dia da Ascensão de
Nosso Senhor, dia de Janeiro, a primeira oitava do Espírito Santo,
dia do Corpo de Deus e dia de Reis.
Os frutos
da terra são milhão, centeio, trigo, milho branco, painço e feijão
e vinho verde, azeite e castanhas e landres e fruta de toda a
espécie. A maior abundância é de milhão e vinho.
Tem esta
terra juiz ordinário e câmara, que é de Guimarães, por ser do
termo e a ela está sujeita.
Não há
notícia que daqui florescesse pessoa alguma insigne em letras ou
armas.
Há neste
termo, na vila de Guimarães, todos os sábados do ano, feira, e dura
só o dia. Esta é franca, para os do termo, e, para os de fora,
cativa. Há correio, o qual vem no domingo e se dá na segunda-feira,
e parte na sexta-feira. A dita freguesia à vila de Guimarães dista
uma légua e de Guimarães a Braga dista quatro léguas e de Braga a
Lisboa distam sessenta léguas.
Há nesta
freguesia, e também nas mais desta ribeira, muitos privilégios
antigos de Nossa Senhora da Oliveira.
Não há
nesta terra fonte, nem lagoa de água especial, nem porto de mar, por
ficar distante. Não há castelos, nem praça de
armas,
nem torres, nem coisa alguma de nota. Não consta que no terramoto do
ano de 1755 nesta ribeira se arruinasse coisa alguma.
Isto é o
que sei deste primeiro interrogatório.
Segundo
interrogatório.
A esta
terra se chama a ribeira de Vizela. Principia nesta freguesia de São
Lourenço e acaba nas Caldas, a qual terá de largo meia légua e de
comprido uma légua. Os nomes mais principais dela são São Paio,
Tagilde e Caldas. Nela não nasce rio algum, somente passa por ela o
rio chamado de Pombeiro, o qual corre para o Poente. E aqui não se
sabe onde fenece, mas não pode deixar de, não sendo no mar, ser em
outro. Aqui ao pé, não há vilas. Há lugares são pé da serra, a
que chamam o lugar da Tomada e Vendas da Serra, que constam de nove
vizinhos.
Não há
nesta freguesia fontes de propriedades, nem coisa especial, nem
também minas de metais, nem de pedras especiais.
A serra é
de montes bravos, cheia de penedos de galhos muito bravos, dá
saganhos, fetos e alguns tojos e carvalhos e castanheiros, e dão os
seus frutos. E em algumas partes da serra há coutadas tapadas que
dão pão, onde se pode cultivar, mas a maior abundância é de
penedos e daí de saganhos e fetos.
Não há
nesta serra mosteiros, há somente a capela da Senhora da Lapinha,
como já no primeiro interrogatório declarei.
A
qualidade do temperamento da terra é muito fria do centro. Os ares
são temperados. As criações dela são perdizes, coelhos e lebres,
tudo pouco. E serve para os animais pastarem. Não há nela lagoas,
nem fojos notáveis. Há somente algumas presas de água.
Isto é o
de que consta este segundo interrogatório, que eu saiba.
Terceiro
interrogatório.
O rio
desta terra chama-se o rio de Pombeiro, o qual é pequeno e ouço
dizer que nasce no monte da Senhora das Neves, distância desta
freguesia duas léguas e meia. Sei que vem, em muitas partes, metido
por baixo de penedos e é bastantemente despenhado. No Verão, alguns
anos não corre de dia, por se lhe tirar a água por levadas, para se
regarem os milhos. Sei que neste entra um grande ribeiro, que é na
freguesia de São Pedro de Jugueiros, distância desta meia légua.
Não é rio navegável, nem é capaz de embarcação alguma, e é de
curso arrebatado quase em toda a parte deste distrito. E corre do
Nascente para o Poente. Cria peixes a que chamam barbos, trutas,
bogas e escalos, mas de todos muito poucos. Pesca-se nele todo o ano,
mas a maior frequência é no tempo do Verão. Tem alguns passos
particulares, que estão nos distritos de algumas quintas
particulares e seus donos não deixam caçar neles livremente. As
suas margens cultivam-se. Dão milhão, painço e centeio e, pelas
beiras, tem árvores que dão vinho. Não têm virtude especial as
suas águas. Sempre conserva o mesmo nome e não há memória que em
algum tempo tivesse outro ou perdesse o que ao presente tem. Aqui não
se sabe onde acaba se no mar, se noutro rio. Tem açudes em várias
partes, para se tirar a água para os campos e para as azenhas e
moinhos moerem, e estes lhe impedem a sua corrente. Tem pontes de pau
e de pedra. Neste distrito, tem a ponte de Pombeiro, a qual é de
pedra, e a de Vila Fria, a qual é de pau. Tem moinhos e azenhas de
moer pão. Não sei que em tempo algum se tirasse ouro de suas
areias. Das águas deste rio usa o povo livremente, onde se pode
tirar, sem pensão alguma. As léguas deste rio, aqui não se sabem
certamente mas, se ele for acabar ao mar, desde o princípio até lá,
hão-de ser dezasseis, pouco mais ou menos. Não sei que tenha mais
do que algumas casas por perto dele.
Isto é o
que sei deste e dos mais interrogatórios e da notícia que tenho
deles. E, para constar, fiz este, o qual assino, e vai também
assinado pelo reverendo Manuel da Costa de Oliveira Lobo, abade de
São Miguel de Serzedo, e o reverendo José Filipe da Costa, abade de
Santa Maria dos Gémeos, próximos a esta freguesia de São Lourenço
de Calvos do termo da vila de Guimarães, deste Arcebispado de Braga
Primaz, etc. Hoje, 8 de Maio de mil e setecentos e cinquenta e oito
anos.
O abade
Manuel da Costa de Oliveira Lobo.
O abade
José Filipe da Costa.
O vigário
Miguel Soares da Costa.
“Calvos”,
Dicionário Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo,
vol.
8, n.º
51. p. 309 a 312.
[A
seguir: Serzedo]
2 Comentários
Tem razão, faltou esse item no questionário. No entanto, grande parte das respostas fazem referência a estradas, nomeadamente aos troços de estrada real que atravessavam as freguesias. Conjugando essa informação com a referente aos atravessamentos de cursos de água (pontes), parece-me possível reconstituir as vias que atravessavam o concelho.
Obrigado pelo que partilha. É muito interessante.