Efeméride do dia: Os "agentes" da Fraternidade Operária

Felizardo Lima (foto na prisão)

16 de Agosto de 1873
Alvoroço de muito povo, em presença de quatro agentes da associação "Fraternidade Operária", na ocasião em que eles falavam com o administrador do concelho, no Toural, os quais tinham alugado o salão do teatro D. Afonso Henriques para efectuar uma reunião, no dia 17, domingo, onde propagariam as ideias internacionalistas, pelo que o público vimaranense indignado se propunha a maltratá-los o que efectuaria se não estivessem presentes o Governador Civil (Luiz Cardoso) e o administrador, que os fizeram recolher logo à hospedaria do Gaita, da Rua da Fonte Nova, onde eles agentes estavam hospedados, sendo seguidos por muito povo de que se formaram grupos que aí estacionaram até às 11 horas da noite. Os conferentes, receando o resultado da indignação pública, desistiram da reunião e retiraram para o Porto cerca das 2 horas da manhã; ainda assim sem fazerem a conferência; no dia 20 constituíram-se em greve mais de 50 operários para pedirem aumento de salário.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 153)

No início da década de 1870, como escreveu José Fontana, de toda a parte soava a palavra greve, de todas as terras chegavam notícias do movimento operário. Em 1871, a Comuna de Paris instaurava o primeiro governo operário da história. Os seus ecos chegaram a Portugal, impulsionando a organização do movimento operário. Em Janeiro de 1872, o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, publicava um manifesto onde se lia:
Depois de ouvir o alarido das greves e o estrondo das batalhas, acordou de sobressalto, levantou-se e, estendendo os olhos pelo horizonte, viu ao longe um clarão imenso: eram as chamas ateadas pela Revolução Operária de Paris, nos Paços do Poder momentaneamente derrubado. O operariado já não deve ser como o irracional, a que soltam do trabalho só o tempo necessário para dormir e refazer-se das forças, e a que dão o alimento indispensável somente para não morrer. O operário deve ser um homem com os meios precisos para viver bem; com o tempo suficiente para se instruir e descansar; deve ser um homem no pleno gozo do seu trabalho e no uso perfeito das suas faculdades e dos seus direitos. No mundo social vai, necessariamente, dar-se uma transformação extraordinária, porque não é possível continuar o escândalo absurdo dos trabalhadores morrerem de fome e dos ociosos morrerem de fartura.
No mesmo mês em que o Centro Promotor publicou o seu manifesto, foi fundada a Fraternidade Operária, inspirada nos princípios da Aliança da Democracia Socialista, do anarquista russo Mikhail Bakunine, onde pontuavam figuras como José Fontana, Azedo Gneco e Antero de Quental. Na sua secção do Porto, aberta no mesmo ano, destacava-se o Felizardo Lima, um dos primeiros seguidores portugueses da Internacional, republicano, socialista e radical, a quem alguém apelidou de eterno evangelizador nortenho. Foi perseguido, passou pela prisão e tinha duas filhas, que baptizou com os nomes de Liberdade e Marselhesa.
Por aquela altura, o movimento operário começava a assumir formas de organização mais estruturadas. O primeiro surto grevista em Portugal eclodiu em 1872. Os membros da Fraternidade Operária desenvolviam acções de esclarecimento dos operários e de organização das suas lutas.
No dia 16 de Agosto de 1873, estavam em Guimarães quatro representantes da secção do Porto da Fraternidade Operária, que ia promover no dia seguinte, domingo, uma sessão de propaganda e esclarecimento no Teatro D. Afonso Henriques. Entre eles, Felizardo Lima e Júlio Máximo Pereira. A sua presença na cidade gerou alvoroço.
Numa altura em que os representantes da Fraternidade Operária estavam no Toural, a conversar com o Administrador do Concelho, estando também presente o Governador Civil do Distrito, juntou-se um numeroso grupo de pessoas cujos propósitos eram claros: maltratar os quatro agentes, o que terá sido impedido por acção do Administrador do Concelho e do Governador Civil, que trataram de conduzir os visados à hospedaria do Gaita, onde estavam alojados. No entanto, não tiveram mais sossego. Junto à hospedaria, formaram-se grupos, que ali permaneceram até tarde. Posto isto, segundo noticia o Imparcial, os conferentes, receando os resultados da indignação pública, desistiram da reunião, retirando-se para o Porto cerca das duas horas da manhã; o que melhor foi para evitar maiores tumultos, e por ventura algumas vítimas.
Na história do Movimento Operário em Portugal, ficaria registado que a burguesia de Guimarães tenta assassinar Júlio Máximo Pereira e Felizardo de Lima, durante uma sessão de propaganda naquela cidade (Cf. Carlos da Fonseca, História do Movimento Operário e das Ideias Socialistas em Portugal, Publicações Europa América, vol. I, p. 74).

E pur si muove...
Logo no dia 20 daquele Agosto, acontecia a primeira greve operária de que temos registo em Guimarães.


Os agentes da Fraternidade Operária e os seus resultados.
No dia 16 do corrente alvoroçaram-se uma grande parte dos vimaranenses, em presença de quatro agentes da associação “Fraternidade Operária”, na ocasião em que eles estavam com o administrador do concelho, que se achava no Toural.
Os quatro agentes mencionados tinham alugado o salão do Teatro de D. Afonso Henriques para efectuar uma reunião no domingo, dizendo-se aqui nessa ocasião que o fim deles era propagar as ideias internacionalistas, pelo que o público vimaranense indignado se propunha maltratar os quatro agentes, o que efectuaria se não estivessem presentes o governador civil e o administrador, que com prontidão e inteligência fizeram retirar para a hospedaria do Gaita. onda estavam alojados, os mencionados agentes.
Foram seguidos atá à hospedaria por numerosas pessoas, das quais muitas formando grupos, aí estacionaram até às onze horas da noite.
Os conferentes, receando os resultados da indignação pública, desistiram da reunião, retirando-se para o Porto cerca das duas horas da manhã; o que melhor foi para evitar maiores tumultos, e por ventura algumas vítimas.
É realmente justo o receio ao petróleo! Que o digam os factos ainda recentes de França e Espanha! Isto servirá para justificar a exaltação dos vimaranenses.
O que é certo, é que os mencionados agentes, apesar de não fazerem conferência pública, conseguiram alguma coisa, pois que no dia 20 do corrente, alguns operários dos arrabaldes desta cidade, para exigirem aumento de salário, fizeram “greve”. Se é verdade o que nos referiram, o número dos “grevistas” sobe a 50.
É indubitável que estas ideias têm grande voga, e nos hão-de trazer terríveis consequências, porque os elementos de que dispõe o socialismo são muito activos e as suas frases agradam e seduzem.
Esteja de sobreaviso o povo.
Não queira arrepender-se de ser causa dos males da pátria.

Imparcial, Guimarães, 26 de Agosto de 1873

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