Nos arrabaldes, vá lá....

Crianças na Praça da Oliveira. Recorte de fotografia de Artur Pastor. Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa (renovando o agradecimento a Nuno Saavedra, que me ensinou o caminho).

[Continua daqui.]
Olhando velhas fotografias de Guimarães, vemos ruas, praças e monumentos carregados de séculos de história que, se as pedras falassem, muito teriam que contar, e que vão resistindo ao tempo, sem grandes alterações. Mas, quando os nossos olhos param nas pessoas que habitam essas fotografias, há sempre algo que nos impressiona, por contraste com a realidade dos nossos dias. Muitas vezes, o que sobressai é a pobreza, espelhada principalmente nas crianças, tantas delas de pés nus e roupas remendadas, como as que aparecem na imagem que aí vai, que é um pormenor de uma bela fotografia da Praça da Oliveira, do fotógrafo de Artur Pastor, de data que se ignora, mas que um automóvel que nela aparece permite colocar, possivelmente, do início da década de 1950. Uma realidade cruel que ainda perdurará nas recordações de muitos vimaranenses e que alguns se esforçavam em esconder, para não perturbar visões mais reluzentes. Eram recorrentes, em alguns jornais, as chamadas de atenção para o mau aspecto que dava a presença de crianças pobres nas ruas da cidade em momentos festivos ou integradas em cortejos ou procissões, diminuindo-lhes “o decoro e brilho”, de que é exemplo o texto que reproduzimos a seguir, que relata a procissão da Senhora da Oliveira de 15 de Agosto de 1931, e que termina com um lamento:
Aqueles anjinhos, pobres e inocentes crianças, podem incorporar-se nas procissões dos arrabaldes, mas em Guimarães, tal não deve ser consentido!


Procissão de Nossa Senhora da Oliveira
Na igreja da I. e R. Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira realizou-se com brilho, a festividade à padroeira da Cidade — Nossa Senhora da Oliveira.
E, a expensas do nosso bom amigo e importante proprietário o snr. Joaquim de Sousa Pinto, saiu anteontem uma luzida procissão.
Nela se incorporou um rico andor, aonde ia Nossa Senhora da Oliveira, que ostentava a sua meada de ouro e demais jóias, conduzindo o Santo Lenho o rev. Cónego Vasconcelos.
Entre as alas de irmãos ia grande número de figuras alegóricas, bem vestidas, bem como grande número de anjinhos.
E, entre estes, vimos alguns, impróprios de se incorporarem num préstito daqueles.
Nós acreditamos nas boas intenções das pessoas que os apresentam, mas às respectivas irmandades cumpre zelar pelo decoro e brilho das procissões.
Uns, de tenra idade, sendo preciso conduzi-los pela mão, outros com vestidos antiquados e mal calçados, tiram parte do brilho dos que vão bem postos.
Já nos temos mais vezes referido a este assunto, sem sermos atendidos.
Aqueles anjinhos, pobres e inocentes crianças, podem incorporar-se nas procissões dos arrabaldes, mas em Guimarães, tal não deve ser consentido!
O Comércio de Guimarães, 18 de Agosto de 1931

PS: Segundo nota Nuno Saavedra, com base numa inscrição que aparece numa outra fotografia de Artur Pastor, aparentemente da mesma série, esta fotografia será de 1958.

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