No
dia 5 de Dezembro de 1980 passaram cinquenta anos sobre a morte do escritor
Raul Brandão. Praticamente não houve comemorações dignas desse nome, a não ser
uma grande exposição biblio-iconográfica em Lisboa, na Biblioteca Nacional. Em
Guimarães, a homenagem a Brandão resumiu-se a uma romagem ao túmulo do escritor
no cemitério da Atouguia, promovida pelo Centro de Arte e Recreio e pelo Teatro
de Ensaio Raul Brandão. Por essa altura, Santos Simões publicava no jornal O Povo de Guimarães um texto em que reflectia
sobre os “contorcionismos hepáticos” dos que presidiam aos destinos da coisa da
cultura em Portugal para “evitar actos de consagração nacional” ao escritor da
Casa do Alto, tal como acontecera, três anos antes, aquando do centenário do
nascimento do seu companheiro Teixeira de Pascoais.
Aqui fica.
No cinquentenário da morte do
autor de Húmus
Raul Brandão existiu?
por Santos Simões
Será
que este país merece os seus escritores e artistas?
A
pergunta não é uma provocação, mas a resposta (se a houver) com certeza que o será.
Positiva ou negativa.
São
tão raros os leitores de certos escritores que seria interessante investigar
qual a responsabilidade da Escola nesta tragédia. Claro que me refiro aos
escritores que escrevem ou escreveram e não aos copistas ou aos que estragam
papel.
Nesta
nossa região avultam dois nomes (dos nossos dias) cuja existência apenas se
repercute nas cavas sonoridades das pazadas de terra que caem sobre os seus
caixões (metafóricos). Refiro-me a Pascoaes e Brandão.
Teriam
existido? Parece que sim, pois neste país os seus nomes vêm à colação de ruas e
efemérides pautadas pelo nascimento e morte.
E
urgente investigar se continuam sob a lousa pesada para tranquilizar os que
preocupadamente os enchem de flores de plástico nas centenárias,
cinquentenárias. etc. datas de passamento.
O
que fizeram de contorcionismos hepáticos os doutos (i)responsáveis pela cultura
no nosso (deles) país... ai o que eles fizeram para evitar actos de consagração
nacional tanto na passagem do centenário de Brandão como de Pascoaes.
E
agora cinquenta anos passaram sobre a morte de Brandão (do sr. Brandão da Casa
do Alto).
Amou
esta terra de Guimarães (à sua maneira) no duplo amor de transpor para a sua
obra a “realidade inventada” dos seus ambientes (espaços habitados de
fantasmas) e a “realidade real” dos que arrasta(ra)m gerações de sofrimento e
aí estão eternizados nas suas páginas de dor.
Fui
com amigos (velhos e queridos amigos) pôr uma flor da terra na morada de Brandão
e Maria Angelina. Ali em cima, à Atouguia.
E
fui a Lisboa, ao Campo Grande. sofrer a alegria de ver Brandão recordado em
beleza e dignidade. A dois passos da cidade universitária, encontrei i Brandão
desde Os Nefelibatas ate aos seus manuscritos (que na maior parte dos casos
estão na letra dessa colaboradora paciente e inestimável da que foi sua
companheira).
E
senti-me acompanhado por Manuel Mendes. Com emoção.
E
a Casa do Alto. E o gabinete de trabalho — ao rés do chão como o coração
mandava.
E
tudo. Tudo ali estava (menos os ares da Nespereira) como sempre desejei que
também aqui estivesse nesta terra que ele aprendeu a amar através do amor por
Maria Angelina.
Olho
a capa do Catálogo precioso que a Biblioteca Nacional mandou fazer para registar
a Exposição Biblio-Iconográfica. Reproduz a tela do pintor Raul Brandão sobre o
vale de Gatão.
Enquanto
o “foguete” galga quilómetros de regresso, a tela transformada em capa de
resguardo recria uma solidão cor do mar onde Brandão e Pascoaes igualmente se
esfumam.
Raul
Brandão existiu?
O Povo de Guimarães, 18 de Dezembro de 1980
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