O Tanque da Praça numa fotografia de meados do séc. XIX. |
20 de Agosto de 1904
Principia a demolição do tanque que estava encostado à torre de Nossa Senhora
da Oliveira.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 165 v.)
À Praça Maior de Guimarães, tal como a temos hoje, ainda faltam dois elementos:
o pelourinho, marco da liberdade municipal, e o tanque-chafariz que, durante
largo tempo, assegurava o abastecimento público de água à vila de Guimarães. Do
pelourinho, perdeu-se a memória. O tanque, bem o conhecemos, mas só de
fotografias. Tinha três bicas e, sensivelmente, a mesma largura da torre da Colegiada da
Oliveira, a que se encostava. Era largo, mas tinha no meio uma reentrância
semicircular, aberta de modo permitir que os que ali iam à água se pudessem
chegar à bica do meio. Os seus elementos mais destacados eram as pedras de
armas (o brasão de Guimarães, com uma imagem em bronze da Senhora da Oliveira,
e o brasão real). Esta configuração corresponde a uma reconstrução do tanque do
início do século XVI, aquando da reedificação da torre.
O primeiro chafariz da Praça foi construído para o Concelho em 1390, pelo
mestre pedreiro João Garcia, mestre-de-obras da Igreja da Oliveira. A água que primeiro
ali correu, cuja proveniência ainda desconhecemos, chegava-lhe através do cano
da Vila, passando por uma arca na rua da Infesta. A partir do final do século
XVI, o tanque da Praça, assim como o chafariz do Toural, obra dessa época, passou
a ser abastecido com água da Penha, que era conduzida por um sistema de
alcatruzes desde a Serra de Santa Catarina.
O tanque era municipal, pelo que a Câmara providenciava para que
cumprisse a sua função, esforçando-se por evitar que lhe fossem dados usos susceptíveis
de conspurcar a água, como lavar hortaliça, roupa ou couros, nadar, utilizar a
sua água para regar hortas e campos, usá-lo como lago para gansos. A
necessidade de proibir estas práticas de reiterar sucessivamente tais
proibições demonstram-nos aquelas práticas correntes e difíceis de erradicar.
Mas os sobejos da água do tanque da Oliveira tiveram outro uso. No tombo dos
bens municipais do ano de 1612, está arrolada uma latrina pública, situada no
Campo da Feira. Segundo a descrição que aparece naquele documento, a privada pública da vila era um edifício
de pedra, de sobrado, com cobertura de telha. Por baixo, corriam os sobejos da
água do tanque da praça da Oliveira, que cumpriam a função de sistema de
limpeza permanente daquele equipamento colectivo. A exemplo do que já foi
descrito para instalações idênticas de outros lugares da Europa da Idade
Moderna, os utentes satisfaziam as suas necessidades no piso superior, onde
haveria uma estrutura de madeira com um buraco sobre o qual se sentavam, caindo
os dejectos no piso térreo, por onde corriam os escorros do tanque da Oliveira,
que depois seguiriam o seu curso na direcção do rio de Couros.
No último quartel do século XIX o tanque da Praça Maior serviria de vaso para oliveira que dava o nome à
praça. No dia 5 de Dezembro de 1875, a árvore, com fama de antiquíssima e de
milagrosa, foi transplantada do polígono de pedra, onde se enraizou, junto ao
Padrão do Salado, para o meio do tanque do chafariz. Acabaria por morrer. Em
Fevereiro de 1881, seria ali plantada uma nova oliveira, que também secou. Em
1882, o pequeno muro que a Câmara mandara erguer no tanque, para circuitar a
árvore, foi retirado, por se ter concluído que quantas oliveiras ali se
plantassem, quantas secariam.
A história do chafariz da Praça da Oliveira terminou no dia 20 de Agosto
de 1904 quando, após a introdução do sistema de abastecimento público em
Guimarães, foi desmantelado. As pedras de armas que o ornamentavam pertencem
hoje ao Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento. Já se pensou refazer
aquela velha relíquia, mas a ideia foi abandonada por se temerem os danos que a
humidade poderia causar nos túmulos com as estátuas jacentes dos Pinheiros que
se encontram na capela do interior da torre, como acontecera ao longo de tantos
anos e já havia sido notado no século XIX.
Após o desmantelamento, ainda se colocou, no mesmo local, um bebedouro de
água, cuja memória também já se perdeu há muito.
Existe, há muitos anos, um projecto de reconstrução do tanque na Praça da
Oliveira, que faz todo o sentido. Provavelmente, para evitar que se acelere
ainda mais a degradação dos túmulos dos Pinheiros, das suas bicas não jorrará
água. Mas fazia falta. Para dar de beber a certas pessoas, atendendo às
virtudes da sua água, a que se refere uma tradição que Alberto Vieira Braga nos
contou
A água da Sra. da Oliveira tem a
virtude da lenda que diz: quem a beber, abranda de génio e fica a gostar da
terra.
Isto referindo-se a criaturas que
não são de Guimarães e que para Guimarães vêm exercer qualquer cargo de
posição, como sejam os escrivães de fazenda, juízes, delegados,
administradores, professores, etc. etc.
É até vulgar dizer-se: Fulano, que
era todo senhor do seu nariz, já bebeu água da Sra. da Oliveira; a Beltrano é
preciso dar-lhe água da Oliveira.
Virtude naturalmente atribuída à
água do antigo tanque do largo da Oliveira, há muitos anos demolido, que tinha
o grande poder e subido valor de amansar como um cordeiro quem fosse bravo e
mau como um toiro.
Alberto Vieira Braga, Tradições e
Usanças Populares de Guimarães, Livraria Espozendense Editora, Esposende,
1924, pp. 98-99.
A fechar:
É possível que, no final daquele dia 20 de Agosto em que se começou a
desmontar o tanque da Praça, houvesse em Guimarães quem questionasse a
demolição, por entender como um sinal de desagrado divino um incêndio que, às 6
da tarde, deflagrou na tribuna da capela-mor da Igreja da Colegiada, que chegou
a provocar pânico entre os fiéis que assistiam ao Lausperene, embora apenas tenha atingido umas cortinas de damasco…
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