O primeiro
número tem a data de 5 de Agosto de 1898. Apresenta-se como uma folha avulsa de arte e crítica. Os textos
que publica vêm assinados por pseudónimos: Diabo,
Lusbel, Satan, Diabinho. O último pertencia a António Garcia de Sousa Ventura,
os restantes eram de João de Meira. Trata-se duma publicação irreverente e
satírica, com manifestas intenções iconoclastas, que poderiam ser atribuídas à
juventude dos seus autores. João de Meira, a alma mater deste projecto
editorial tinha, na altura, 17 anos acabados de completar e o seu camarada
nestas lides, que seguiria a carreira na marinha, chegando a Contra-Almirante e
a Chefe de Estado-Maior Naval (1941-1946), era ainda mais jovem, tendo 15 anos
de idade.
Logo na sua
primeira edição, A Parvónia mostrava
ao que vinha, como o demonstra um poema que Lusbel
assina:
Parvónia
Berço de el-Rei Afonso,
um rei salteador
Que tinha bico de águia
e garras de condor
Que pela escuridão da
noite, ousado vem
De assalto conquistar,
aos moiros, Santarém.
Entre ele e o
salteador nocturno duma estrada
A diferença é pequena
é mesmo quase nada.
Um rouba a exclamar de
Deus bem alto o nome,
Outro só porque o impele
e atormenta a fome.
Berço de el-Rei Afonso,
um rei salteador,
Que vós ó meus patrícios
dignos de louvor,
Colocastes num campo
em trágica postura,
De molde a deixar ver
rija musculatura.
Berço de el-Rei Afonso,
o teu velho colchão,
Colchão que tem
servido a muita geração,
Exala um cheiro mau
cheiro amoniacal;
Esta podre e safado;
não vale já real.
Pudesse a minha voz
erguer-se para cantar,
Num canto patriota a
terra do meu lar,
Pudesse-lhe eu chamar
a terra sem rival,
Não tivesse ela em si
o largo do Toural
E dentro do Toural um
lago nada mau
Onde os vizinhos vão
molhar o bacalhau,
Pudesse a minha voz
erguer-se para cantar-te
Que eu partia daqui,
iria a toda a parte
Com a lira na mão,
como velho rapsodo
Que saía da Grécia e
pelo mundo todo
Cantando celebrava a pátria
lá distante
Num hino dolorido, um
hino emocionante;
Mas se olho para ti
berço dum salteador,
Se olho para ti só vejo
imerso em dor
Ruinas do passado e
nada do presente,
Como velha cidade
susta de repente
Que ficasse a dormir um
sono secular.
Guimarães, Guimarães,
eu quero-te acordar.
Tu não despertas não,
tocando-te de manso
De chamar-te baixinho,
ó terra já me canso.
É preciso acordar
enfim desse letargo
E o remédio é este, é
um remédio amargo,
Que custa infligir e
custa a suportar.
Ferro em brasa,
ventosas e hás-de despertar!
Então ó Guimarães,
então te cantarei
Berço da tirania berço
de Afonso... um rei.
Lusbel
A Parvónia, n.º 1, Guimarães, 5 de
Agosto de 1898
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