5 de Maio de 1841
Em a noite de 4 para 5, à uma hora da noite,
indo numa carruagem para a casa do Costeado, António de Nápoles Vaz Vieira, sua
esposa, cunhada e uma sua sobrinha, filha de seu irmão José de Nápoles, quando
passavam defronte da viela do Ramalhete ou das Domínicas, foi-lhes disparado
por um sujeito um tiro de bala e quartos para a sege que acertando na sobrinha,
a deixou tão mal ferida (a bala atravessou-lhe o coração, tendo-a ferido num
braço) que, chegando a casa, já não dava sinais de vida. Esta família vinha de
uma companhia que houve em casa de João de Melo Pereira Sampaio. Este caso
produziu grande sensação na vila e várias conjecturas se formaram a tal
respeito, porque a infeliz menina que tinha 18 [aliás, 15] anos e chamava-se D.
Maria Júlia, disputava a herança da casa do Toural de seu tio Jerónimo Vaz
Vieira. O seu cadáver foi depositado no dia 6, na igreja de S. Domingos e
sepultado, no mesmo dia, na capela dos Terceiros Domínicos, em jazigo de
família. Ao descer à sepultura foram-lhe prestadas honras fúnebres por uma
companhia do batalhão de infantaria 14, a qual deu as descargas do estilo, por
a falecida ser filha de um capitão do exército. PL.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da
Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, p. 111)
É um dos mistérios de Guimarães, que corre
transformado em lenda, que se pode contar em poucas palavras, como a contou a
minha amiga Cristina Ribeiro:
Aquela que ficou conhecida como a Menina do
Costeado chamava-se Maria Júlia da Luz e era filha de um capitão do Exército, o
fidalgo José Nicolau Vaz Vieira de Melo e Nápoles e de D. Maria da Conceição e
Freitas, que viviam na rua do Gado. Ainda não tinha um mês quando ficou órfã de pai, indo então viver com a sua mãe para Creixomil, na casa dos seus
padrinhos, António de Nápoles Vaz Vieira, futuro barão do Costeado, e sua irmã,
Dona Maria da Luz. À morte da mãe, quando contava apenas três anos de idade,
ficou entregue aos cuidados dos padrinhos, que a assumiram como filha adoptiva.
O atentado de que fala a efeméride que João
Lopes de Faria colheu nos apontamentos do Cónego Pereira Lopes e no jornal Periódico
dos Pobres no Porto aconteceria quando Maria Júlia tinha apenas 15 anos,
tendo causado grande consternação na então ainda vila de Guimarães. Foi sepultada na
capela da Ordem de S. Domingos, onde se lê a seguinte inscrição:
“Dona Maria Júlia da Luz Alvim e Nápoles cuja
vida foi roubada às mãos de um assassino na tenra idade de 15 anos e 4 meses na
noite de 4 de Maio de 1841.”
Sendo difícil de encontrar justificação para
o crime da viela do Ramalhete, começaram a circular nas praças de Guimarães
rumores, que procuravam explicar a motivação do atentado que ceifou a vida à Menina
do Costeado: que o tiro teria motivações políticas e falhara o alvo, porque
o visado seria o tio, António de Nápoles Vaz Vieira, que naquela ocasião não se
sentaria no seu lugar habitual, que estaria ocupado pela sobrinha; que o alvo era
mesmo a jovem Maria Júlia, que, naquela altura, disputava a herança do seu tio
Jerónimo Vaz Vieira, o Fidalgo do Toural, que falecera em 1829 na Ilha
Terceira.
A suspeita de envolvimento dos filhos
legitimados do fidalgo do Toural, ou de alguém que defenderia a sua causa
na disputa da herança que andava nos tribunais, não seria descartada. No dia 26
de Setembro de 1841, a casa do Fidalgo Toural foi cercada pela tropa, com
mandato de prisão de uma tal Rosa, suspeita de envolvimento no crime. Esta,
avisada, havia fugido antes da chegada dos militares, que se mantiveram a casa
sob vigilância durante dois dias.
No ano seguinte, esta história teve
desenvolvimentos importantes. Os apontamentos de Pereira Lopes são, uma vez
mais, a principal fonte de informação. No dia 20 de Novembro de 1842, apareceu
morto, em casa de um lavrador de Rendufe, um tal Jerónimo Sardão, do Miradouro,
“o qual se dizia que tendo ficado em casa do lavrador em quanto ele foi à missa
e mais a família, e tendo-lhe dado um ataque de gota no lar (costumavam a
dar-lhe estes ataques) se queimara, a perigo de estar em perigo de vida, e vendo-se
então neste estado declarara que tinha assassinado a sobrinha do Nápoles, assim
como fez outras declarações em que envolvia muita gente desta vila, o que sendo
sabido pela mesma acabaram de o matar, ou o mataram queimando-o, e
enterraram-no de noite”.
Ao ter conhecimento da morte de Jerónimo
Sardão, o administrador do concelho interino, João António do Couto Gouveia e
Carreira, dirigiu-se no dia seguinte em diligências à igreja de Rendufe,
acompanhado pelo juiz de direito substituto, onde ordenou a exumação do
cadáver, para que se procedesse ao respectivo exame pericial. Entretanto,
apurou que quem que fora João Sub-Devesa, de S. Torcato, que pedira ao tal
lavrador de Rendufe que recolhesse em sua casa “esse criminoso”.
O padrinho de Maria Júlia, António de Nápoles
Vaz Vieira, que substituíra interinamente, em Agosto daquele ano, o Barão de
Vila Pouca, que fora para as Cortes como Par do Reino, no cargo de Governador
Civil do Distrito de Braga, fez valer as suas prerrogativas para esclarecer o
caso. Dois dias depois, suspendeu José Inácio de Abreu Vieira, administrador do
concelho de Guimarães, e João Baptista Leite de Lemos, o primeiro substituto do
administrador, entrando em funções o terceiro substituto, o Carreira. Esta
suspensão duraria até que se concluísse as averiguações então em curso que
haviam sido desencadeadas na sequência da morte de Jerónimo Sardão.
Na madrugada do dia 7 de Dezembro, o
administrador Carreira, cercou as casas de dois indivíduos, João Sub-Devesa e Jerónimo das Lajes. O primeiro foi preso e o segundo conseguiu fugir. No mesmo
dia, foi preso na vila o cirurgião Domingos José Ribeiro de Rabiços. Os três
visadas teriam sido envolvidos na morte da sobrinha do Governador Civil em
funções. Aparentemente, ao confessar a autoria do disparo que vitimou Maria
Júlia, Jerónimo Sardão teria afirmado que havia sido induzido por aqueles
indivíduos.
O cirurgião Domingos de Rabiços acabaria por
ser solto no dia no dia 15 de Dezembro, sendo a sua libertação festejada por
gente do Miradouro e da Pisca, com “uma grande festança de rabecas e violas”
(palavras de Pereira Lopes). O administrador Carreira não gostou dos festejos e
“caiu lá com a polícia, prendeu alguns e quebrou violas”.
E nada mais sabemos sobre as investigações do
assassínio da Menina do Costeado, cujas motivações e mandantes permanecem um
mistério. Entretanto, ficou a memória de Maria Júlia na Casa do Costeado, onde
ainda se conservam os jardins de buxo com canteiros geométricos desenhados, ao
gosto romântico, pela Menina do Costeado, cuja memória o barão quis que se
preservasse, conforme mandou numa passagem do seu testamento, transcrita por
Maria Adelaide Pereira de Moraes, no seu estudo sobre a Casa do Costeado:
Conservem e venerem o pequeno jardim que se acha no quintal desta casa e isto em memória da nossa infeliz e sempre chorada sobrinha Maria Júlia que ali o tinha construído.
2 Comentários
O meu pai falou-me desta história agora mesmo. Decidi vir aqui procurar a mesma mas num conteúdo mais formal e informativo! Sabia que o professor ia ter algo sobre o assunto. Muito obrigada pela sua contribuição!