José Malhoa (1855-1933), Os Bêbados, 1907 (óleo sobre
tela)
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26 de Maio de 1915
Realizou-se o julgamento do perverso Dionísio dos Santos
que pelas 9 horas da noite de 13 de Dezembro de 1914 cometeu um duplo
assassinato nas pessoas de Jacinto da Cunha e Bernardo Antunes, "O
Poupa", na taberna de António Machado, do lugar dos Tranguilhos, freguesia
de Creixomil. Defensor dr. José de Oliveira Bastos. O júri deu o crime provado
por unanimidade, bem como duas agravantes pelo que foi proferida sentença
condenando o réu em 8 anos de prisão menos celular, seguidos de degredo por 12 em
possessão de 1ª e, na alternativa, em 25 anos de degredo, e bem assim nas
custas e selos do processo com 10$000 réis a favor do defensor oficioso. O réu
já tinha sofrido 6 condenações, sendo duas em processo de querela, tendo
respondido com esta 7 vezes. - Em 1-VI já tinha ido para a Relação.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 180 v.)
No dia 14 de Dezembro de 1914, segunda-feira, Guimarães acordou em alarme. Circulavam
na cidade rumores desencontrados a cerca de um duplo homicídio duplo homicídio
que teria sido perpetrado na noite anterior. Não tardaria muito a confirmar-se
a notícia. Um crime sangrento tinha acontecido numa taverna de Creixomil, no
lugar de Tranguilhos, não muito longe do matadouro municipal. O Comércio de Guimarães, na sua edição do
dia seguinte, transcreveria o relato que fora publicado no Jornal de Notícias, do Porto:
Cerca das 9 horas da noite encontravam-se numa taberna, entre outros
indivíduos, Bernardo Antunes, o “Poupa”, casado, alfaiate, Jacinto da Cunha,
casado, cuteleiro, ambos da referida freguesia de Creixomil, e um indivíduo
desconhecido que há alguns dias ali pernoitava.
Num dado momento, desconhecido, que então se encontrava na cozinha da
taberna, maltratou a filha do taberneiro, empurrando-a bruscamente quando esta
se lhe dirigiu a dizer qualquer coisa. O Bernardo Antunes, verberando-lhe o
procedimento, aproximou-se dele, valendo-lhe a sua atitude ficar logo morto com
um profundo golpe de navalha no peito. Estabeleceu-se enorme confusão e o Jacinto
da Cunha, dirigindo-se ao desconhecido na intenção de o capturar, recebeu
igualmente um profundo golpe no ventre, que momentos depois lhe provocou a
morte. O malvado, cujo nome se ignora, de navalha em punho ameaçava de morte
quantos se aproximassem, e assim pôde evadir-se pelas traseiras do prédio.
Como o Jacinto da Cunha ainda desse sinal devida, foi conduzido em “padiola”
ao hospital da Misericórdia, mas ao chegar ali era já cadáver. O Bernardo
Antunes, que teve logo morte instantânea, ficou durante a noite à porta da
taberna, sendo o cadáver hoje transportado para o hospital a Misericórdia, onde
se vai proceder às autópsias.
Do assassino, dizia-se ser de Amarante, ter residência em Braga e estar
hospedado havia três dias na taberna de António Machado. Murmurava-se que o taberneiro
e a sua mulher teriam "graves responsabilidades neste monstruoso crime”.
Dois dias depois, o autor do duplo homicídio seria capturado pela Guarda
Republicana no lugar de telhas, em Fafe. Seria trazido pelas autoridades para
Guimarães, onde chegaria, algemado, na madrugada do dia 17 de Maio. Foi
identificado como Dionísio dos Santos, de 28 anos de idade, com o ofício de
sapateiro e natural da freguesia de Penajóia, no concelho de Lamego. No
interrogatório a que foi sujeito, confessaria o crime, assumindo “ter picado com a faca os dois infelizes”. Terá
assumido, igualmente, a autoria de diversos roubos. De acordo com O Comércio de Guimarães do dia 19, que
citava o correspondente do Jornal de
Notícias, “o nefando e perverso assassino não dá mostras de arrependimento,
antes responde às perguntas que lhe fazem sorrindo-se”.
O julgamento do crime teria lugar no dia 26 de Maio de 1915. A defesa do
réu esteve a cargo do causídico vimaranense José de Oliveira Basto. O veredicto
do júri seria a de que o réu era culpado do crime de que estava acusado.
Segundo a imprensa, a sentença foi bem recebida.
No mesmo dia em que anunciava o crime, na sua edição de
20 de Dezembro de 1914, o jornal monárquico Ecos
de Guimarães publicava um texto em que um tal Rolando, com a autoridade de quem conhecia bem a realidade que
descrevia, se insurgia contra a
taberna, que classificava como a mãe do
vício:
Bem vês, caro leitor, como em altas horas da noite, em
todas as esquinas, as baiucas reinam e prosperam! Outras há, ainda mais
suspeitas, baptizadas com o nome de “Café”
(para inglês ver) aonde as mulheres e má nota, na volúpia revoltosa, soltam palavrões, que a moral se coíbe de
escutar: essas nem se dão ao trabalho de fecharem as suas portas!
Se lá entrares, leitor, ao romper da aurora, verás no
meio da penumbra seres esfomeados, com os olhos injectados de sangue, a fitarem
com um olhar de cobiça, as cartas nauseabundas e os magros dez réis que lhes poderiam muito bem suavizar a fome aos seus
pobres filhos.
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