S. Nicolau |
Em 1926 houve
festas incompletas, porque lhe faltou o número das Danças (não se realizaram por
falta de música). O pregão teve os mesmos titulares do ano anterior.
Escreveu-o o padre Gaspar Roriz e recitou-o Jaime Sampaio, agora aluno do 7.º
ano de Ciências. Segundo O Comércio de
Guimarães, o texto do padre Roriz agradou,
e o pregoeiro recitou-o magistralmente,
acrescentando:
“É uma
“chistosa” resenha dos últimos acontecimentos passados em Guimarães, bem como
uma crítica conscienciosa à moda, que para vergonha nossa, tantos adeptos
conta...”
Neste ano,
Portugal vivia em ditadura militar, instaurada com o golpe de Estado do 28 de
Maio, mas não há referências no texto do pregão à nova situação política do
país. Mas não fica de fora a ida do Regimento de Infantaria 20 para Tavira, nem
o ressurgimento das movimentações autonómicas em
Vizela. Tal como no ano anterior, boa parte do pregão foi usado para criticar
as novas modas femininas, com cortes de cabelo arrapazados e caras pintadas.
Bando
Escolástico
Recitado em
5 de Dezembro de 1926
PELO ALUNO DO 7.º ANO DE CIÊNCIAS
Jaime Ribeiro da Costa Sampaio
Ó Guimarães
velhinho, o venerando ancião
que
foste o criador o pai desta nação
de
santos e de heróis, guerreiros esforçados,
cujos
nomes Camões, em cantos sublimados,
num
poema imortal, levou ao mundo inteiro,
tu
foste, ó Guimarães, o berço do primeiro,
heróico
português que caminhou ovante
a
conquistar terreno a golpes de montante
para
fundar a Pátria amada— Portugal
—
jardim da Europa à beira mar plantado — e o mar
que
murmurante vem às praias para beijar,
ó meu
jardim em flor, a reluzente areia,
o
palco imenso foi da pristina odisseia
que
tornou grande, ilustre, ingente e imortal
esta
Pátria bendita — o nosso Portugal!
Salve,
ó Guimarães, ó ínclita cidade,
aceita
as saudações da nossa mocidade!
Oh!
mas como é ingrata a gente lusitana!
Na delenda
Cartago, insólita e insana,
a que
se assiste agora, é acinte sobre acinte:
primeiro
foi o vinte, o nosso bravo vinte,
que
conseguindo ao longe os fulgores da glória
dando
em holocausto, nos altares da História,
os
bravos filhos seus, foi condenado à morte.
Que
triste, ó Guimarães, que triste é a tua sorte!
Levaram-te
a bandeira — horror! — quem tal previra!
e a
banda foi tocar para as bandas de Tavira!...
O teu
velho Castelo, ó Guimarães velhinho,
chora
ao ver que alguém quer desfazer o teu ninho
tirando-te
o que é teu... E ao verem que tu choras
mandam-te
um batalhão das tais metralhadoras:
quatrocentos
piões e mais duzentas bestas...
Tuas
compensações, ó Guimarães, são estas.
E vós,
damas gentis, porque chorais assim?
Coitadas,
eu bem sei: não tendes no jardim
a
banda musical, tocando peças finas...
Têm
mais sorte que vós as damas... marroquinas.
Ó
belas, sossegai os vossos corações:
também
tendes direito a ter compensações,
por
isso vos darão à laia duma esmola
automáticos
sons que vêm da pianola
em
pequenos jardins chamados os cafés.
É
música tocada apenas com os pés...
Do teu
manto de arminho e pedras preciosas
quiseram,
Guimarães, uma das mais formosas
jóias
que tu tens arrebatar-te um dia:
Vizela
quis fugir e quis formar concelho,
mas
tu, ó Guimarães, corando, pobre velho,
de
vergonha e de dor e justa indignação,
com
brio e altivez lhe respondeste: “Não!
Não
sairás de mim, ó filha estremecida;
no meu
concelho és tu a jóia mais querida,
o meu
encanto, o meu enlevo, o meu amor.
Tiveste
vibrações de júbilo e de dor
nas
horas de prazer, nos dias de amargura
da
vida de teu pai. Tua alma nobre e pura
nunca
deixou de dar, não recusou jamais
o amor
que devera ter os filhos a seus pais.
Tu
queixas-te de mim! Porquê, linda Vizela?
Acaso
recusei sequer uma parcela
de
cuidado e de amor, de esforço e de carinho
para
que fosses sempre em meu manto de arminho
a jóia
mais formosa? Ai! triste! ai! Insensata!
Não
queiras ser, oh! não, Vizela, filha ingrata!”
. . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Num
soluço de dor, sumiu-se a sua voz...
E os
filhos de Minerva, os estudantes, nós,
também
vamos falar, pois nos quoque gens sumus:
“Vaidades,
ilusões, que semelhais os fumos
que
dissipam no ar os ventos da Natura,
acaso
não sabeis que é sempre uma loucura
pretender
arrancar da juvenil memória
as
lições que nos dão as páginas da História?!
Um dia
deste à luz, sob frondosas franças,
o
poeta genial das Andorinhas mansas.
O
Bráulio que inda hoje as águas do Vizela
choram
ao recordar a inspiração mais bela,
que ao
pé delas nasceu, o Bráulio é muito nosso!
Vivendo
junto a nós, era o poeta moço
o
genial autor de bandos imortais.
A água
sulfurosa, o parque e tudo o mais
podes
levar, oh! sim! mas ouve: a Mocidade
não
há-de permitir que o Cisne da Saudade
deixe
de pertencer a esta nobre grei
onde
nasceu Afonso, esse primeiro rei
que
nos deu um jardim ornado de mil flores
onde o
Bráulio nasceu, brilhando entre os cantores
dos
sentimentos bons, do amor e da saudade...
Ohl
isso não consente a nossa mocidade!”
Senhoras,
eu bem sei, mereço a vossa crítica:
julgais
que no que disse a porca da política
veio
meter nariz. Política?! Caxixa!
Despreza
a Mocidade essa nojenta bicha
que
traz o mundo inteiro em triste convulsão.
Política,
para nós, há uma — o coração.
Os
chefes de valor que mandam sobre nós
Senhoras,
bem sabeis, esses chefes sois vós.
Quer
cabelos useis em trança perfumada,
quer
cortados à moda, em forma arrapazada
quer o
vestido desça abaixo dos artelhos,
ou
fique ainda um pouco acima dos joelhos,
Senhoras,
sereis sempre uns anjos de candura,
a
concepção mais alta, a concepção mais pura
da
beleza ideal. Para nós a alma é tudo.
O
resto é carnaval, é fingimento, entrudo...
A
cabeleira loira, os lábios de carmim,
olheiras
na mulher que nunca as teve assim;
a face
rubicunda, o rosto coradinho,
que em
casa é cor de leite e fora é cor de vinho!
que
nome deve ter, Senhoras, isto tudo?
não é
um carnaval, não é isto um entrudo?
E tu,
tricana linda, ó pálida Julieta!
também
te deixas ir, levada pela treta
dessa
moda imbecil, à busca da pintura
para
ficares a ser uma triste figura
pintada
a pó-de-arroz e a rubro de carmim!
Vê lál
não queiras ser, ó tricaninha, assim:
não
deites nesse rosto as drogas nem a tinta,
se não
quiseres ouvir cantar o “Pinta, pinta”...
Senhoras,
Rui Chianca, o poeta ideal,
quer
reconquistar o velho Portugal!
Veio
numa embaixada, em ânsias de amor,
falar
de Portugal, dum Portugal maior.
Neste
berço de heróis — a nossa Guimarães —
abundam
os heróis, sois vós, ó santas mães!
O
velho Portugal de Ourique e Aljubarrota
há-de
seguir da glória, em brilhante derrota,
o
caminho da luz, da verdade e do bem,
se
cada uma de vós aprender a ser mãe.
A mãe
que o sabe ser, a grande educadora,
é que
há-de promover a radiante aurora
da
nova geração, viril, altiva e forte.
Oh!
sim, há-de arrancar esta nação à morte
a que
a querem levar os falsos portugueses
onde
traidores houve, algumas, muitas vezes.
Senhoras,
anjos bons da beleza e do amor,
haveis
de conquistar um Portugal maior:
a luz
do vosso olhar, e o encantador sorriso
farão
da nossa terra, um céu, um paraíso
de
graças e de amor, de paz e de ventura
como
outro jamais houve em reinos da Natura.
Senhoras,
vai surgir a mais bela manhã
da
nossa Guimarães! Traremos a maçã,
o
símbolo do amor, formosa e perfumada.
Aceitai-a,
gentis! É bela a embaixada
que
vem desempenhar junto de vós, ó belas,
a
nossa mocidade em frases bem singelas.
Ela
vem para dizer: Senhoras, o estudante
é
sempre a alma grande, o coração amante
que
não sabe enganar, que não sabe mentir,
que
passa a vida alegre, a cantar e a sorrir;
mas
faz isto baixinho, tremendo, cuidadosa,
para
não despertar o bicho — a tal raposa
que,
astuta, nos espreita à porta do Liceu,
Hoje,
amigos, brincai! Reitor hoje sou eu!
Nesses
bombos rufai com garbo e valentia!
Fazei
que Guimarães se inunde em alegria.
Ide
sempre a rufar, com engenho e com arte;
num
rufo colossal que faça tremer Marte,
que
faça até tremer as pernas a Saturno,
a
Júpiter, Vulcano; e depois, por seu turno,
o
mundo vá dizer: “Ninguém daqui nos tira”
ninguém
pode mandar os bombos para... Tavira.
Amigos,
e se alguém tiver tal tentação,
rufai
bem e dizei: “Patego, olha o balão!”
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