A Cidade
(conclusão)
Às
mulheres dava o Pita conselhos práticos, penetrados de sabedoria, e que elas
escutavam com avidez. Sabia interessá-las Nele encontravam sempre um amigo
discreto e conceituoso: por vezes tinha, velho armário onde se encontra de
tudo, remédios para males amorosos, filtros que entontecem e perturbam; meias
coroas para ocasiões de desgraça e, sobretudo, uma grande benevolência por
todos os vícios e por todos os crimes. Passava-lhes a mão pelo queixo,
beijava-as ao pé da orelha, e noites, quando os amantes saíam, rompia ele também de dentro dum armário, com palavras que alucinam e põem vibrações quase
dolorosas nos nervos das raparigas.
Era-lhes
indispensável: escrevia-lhes cartas de amor alucinantes e ia entregá-las em
troca do vil metal; consolava-as quando Alphonse fugia; sentava-as no colo e
desfiava o rosário do vício, com o olho lúbrico a apalpar-lhes o colo. Sabia receitas
para tornar a pele macia e rescendente, os seios duros e altos, o olhar prometedor
de inéditos deboches adorados que quebram, afligem e são deliciosos como abismos
negros onde a gente se despenha.
Assim,
como ele lhe perguntasse pasmado, porque e que as mulheres o adoravam, o Pita
passou a mão pela calva, acendeu uma antiga ponta de charuto e falou
conceituosamente:
—
O pequename, meu amigo, é afinal fácil de levar: basta lisonjear-lhes o vício.
Na alma de cada mulher há sempre um pequenino diabo escarlate. Basta acordá-lo
se ele dorme; basta saber-lhe dizer palavras que o façam saltar vivo e astuto…
Às
abandonadas, tristes, em choro, não lhes quebro a ilusão da volta do Amante,
mas lentamente lhes sugiro que há carícias extraordinárias e de que eles se
esqueceram, beijos que sugam a alma e desvairam, braços que sabem enlear como
cobras e tudo esquecer: a amargura da vida, os dias sem dinheiro, a desonra e
os credores até!... Às que amam digo-lhes que ainda não é bastante, que a única
coisa boa da vida é o Amor e que elas não têm nos olhos nem na boca o sorriso
extasiado de quem é verdadeiramente, fundamente adorada. Às mulheres que têm o
risco da primeira ruga na face e a ranhura do desgosto de começar a envelhecer
na alma, conto-lhes que o Amor é imortal e o oiro tudo
pode. O amante que sabe
fingir e que se paga a quem se atira com desprezo o dinheiro, tem beijos, dum
raro sabor e nos seus braços passam-se horas esquecidas, que a ilusão tece de
oiro e de púrpura... E a todos ensino que o que do amor é necessário saber-se
espremer é o Metal dos velhos, as notas dobanco dos ricos que amam as rapariguinhas perversas e lindas. Eis o meu segredo, vê tu! Banal como uma verdade sólida e antiga.
Raul
Brandão.
O
Micróbio,
n.º 34, 14 de Março de 1895, pp. 70-71
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