Efeméride do dia: O carrasco, a cabeça e as mãos do ladrão

Eira em Gondomar, Guimarães. Ao fundo, a igreja da freguesia.
(fotografia de Mário Cardozo)

7 de Maio de 1830
Na cidade do Porto executou-se a sentença de morte do réu João António de Novais, oficial de serralheiro, casado, natural da freguesia de Santa Maria de Sobreposta, comarca de Braga, sem domicílio, idade de 32 anos, por culpas de sócio de quadrilha, ladrão sacrílego, salteador, matador, companheiro dos que roubaram a casa do lavrador Francisco Pereira, na freguesia de Rio Tinto, e participante de importantíssimos roubos constantes da sentença (vendeu-se neste dia justiçoso a 50 réis, na loja do "Correio do Porto"). Saiu do Oratório às 11 da manhã, com o respectivo acompanhamento e seus directores, os carmelitas, e dando o giro do costume com baraço e pregão, foi no fim enforcado no patíbulo que se acha erigido no largo da Cordoaria, depois de morto lhe cortou o algoz as mãos e a cabeça para trazer até à freguesia de S. Martinho de Gondomar, no termo de Guimarães, a fim de se cravarem ali 2 postes altos, junto ao adro da sobredita igreja, onde deviam ficar expostos até o tempo as consumir, segundo ordenava a respectiva sentença. O referido réu, além da pena que sofreu, foi mais condenado na restituição dos roubos, em 100$000 réis para despesas da Relação, nas custas dos autos e no confisco e perdimento do remanescente para a Irmandade do Santíssimo da dita igreja de Gondomar  Ainda depois de decididos segundos embargos, requereu o mesmo réu ao Senado da Relação, em uma petição por ele assinada, na qual se oferecia para ser Executor de Alta Justiça, cuja pretensão lhe foi indeferida por acórdão datado do mesmo dia, talvez por serem assaz agravantes os seus delitos. - "Correio do Porto", 10-V-1830.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, p. 123)

João António de Novais, natural da freguesia de Santa Maria de Sobreposta, Braga, sem domicílio certo, idade 32 anos, com a profissão de serralheiro foi condenado por ter sido dado como culpado nos crimes de “sócio de quadrilha, ladrão sacrílego, salteador, matador e participante dos importantíssimos roubos” de que era acusado.

Para escapar à pena em que seria sentenciado, o serralheiro Novais havia-se oferecido para servir no ofício de "Executor de Alta Justiça", ou seja, de carrasco, o que lhe foi recusado.
A sua carreira de delinquência terminou na tarde do dia 31 de Março de 1830, na Ponte de Donim, onde foi preso, juntamente com um filho menor, com o produto e os instrumentos de um assalto perpetrado na igreja se S. Martinho de Gondomar. Segundo a sentença,
 (...) fôra bárbara e sacrilegamente investida a Igreja Paroquial de S. Martinho de Gondomar, também termo de Guimarães, e achando-se arrombada a porta travessa da mesma Igreja se conheceu perfeitamente que o dito arrombamento fôra feito com dos trados de diversa broca, com os quais os bárbaros autores deste nefando atentado fizeram muitos furos em roda da fechadura, tirando por este modo um pedaço de tábua, que a deixou descoberta, a violentaram, e correram a lingueta, ficando alguns dos furos, que não sofreram o estrago do arrombamento , no seu estado de inteireza, e perfeição: arrombaram mais as gavetas da Sacristia, com a unha de um ferro de assento, que deixou esculpido na madeira o rasto da mesma unha; e passando depois ao mais Sagrado do Templo, com a ponta aguda do mesmo ferro estragaram o batente da Porta do Sacrário, e lançaram a fechadura fora do seu lugar (...); os malvados agressores deste horroroso desacato, depois de haverem profanado, e devassado o Templo de Deus, se abalançaram ao mais criminosíssimo excesso de tocarem com suas temerárias, impuríssimas, e sacrílegas mãos o Vaso Sagrado, que se achava no Sacrário , e deixando derramadas as Sagradas Formas sobre a Pedra de Ara do Altar Mor, o roubaram o juntamente com umas Contas de Ouro, 4 Resplendores, 2 Coroas, e 1 Cruz de prata, ornamentos das diversas Imagens, que a devoção dos fiéis tinha colocado nos Altares para adoração pública; e que descendo-as dos seus lugares, e quebrando algumas vidraças irreverentemente, foram espoliadas dos ditos ornamentos.

No mesmo dia em que o jornal Correio do Porto publicava a notícia que João Lopes de Faria transcreveu, 10 de Maio de 1830, chegou a Guimarães, com escolta de cavalaria, o carrasco que executara a pena no Porto, trazendo, numa bolsa de couro, a cabeça e as mãos do enforcado. O carrasco, ele próprio um criminoso que vira a sua pena comutada, para passar a exercer aquele ofício, foi levado para a cadeia da vida, ficando os soldados que lhe faziam guarda aboletados em casas particulares. Ao início da tarde, aquela comitiva macabra partiria para S. Martinho de Gondomar. Aí, no adro da Igreja onde o serralheiro Novais cometera o seu último crime, cumpriu-se o que faltava cumprir da pena a que fora condenado: a sua cabeça e as suas mãos foram colocadas em postes, onde ficariam, para que servissem de exemplo, até que o tempo as consumisse.

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