Danças de S. Nicolau. Foto retirada daqui. |
É indiscutível a ligação ao teatro
dos festejos dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau. Basta recordar que o que
consta do inventário geral da Colegiada da década de 1660:
A Capela de S. Nicolau fizeram-na os Estudantes desta Vila e
outros devotos de dinheiro que ganharam em comédias e danças que por devoção do
Santo e aumento da Capela aceitavam o dinheiro que lhes davam.
Sobre este assunto, recordo o que
já se escreveu na série de artigos com Apontamentos para a História das Danças
Nicolinas, já aqui publicada.
Mas as representações teatrais dos
estudantes e Guimarães não se circunscreviam ao período das suas festas a S.
Nicolau. Ao longo do tempo, com especial incidência na primeira metade do
século XIX, repetiam-se as incursões teatrais dos nossos estudantes, muitas
vezes como reflexo do momento político que se vivia.
Assim aconteceu na noite do dia 13
de Maio de 1823, em que, assinalando a derrota dos conspiradores miguelistas,
chefiados pelo infante D. Miguel, os estudantes representaram uma peça com o
título "D. José II". Já a 16 de Outubro de 1828, celebrando o regresso a
Portugal do mesmíssimo D. Miguel, os estudantes representaram no teatro de Guimarães
uma comédia. Dez dias volvidos, o regresso do filho absolutista de D. João VI voltava
a ser festejado em Guimarães, como o
mostra uma notícia publicada pelo jornal Correio do Porto”:
À noite, os estudantes
representaram no teatro, cujos camarotes estavam muito ornados, um Elogio
Dramático - “O Amar do Rei e da Pátria”, que apenas o entusiasmo pode ouvir,
sem interrompê-lo nos últimos versos com ardentes vivas, em correspondência aos
que levantara o príncipe, apenas se descobrira o retrato de El-rei. Seguiu-se a
Memória e Trágica representação dos trabalhadores sofridos na conquista de
Jerusalém pelos Cruzados e por Guido Luzignan, seu chefe, a tragédia “Zaira”.
Terminou o espectáculo, e já no dia seguinte, com a farsa “Falhado está o
bocado para quem o há-de comer”. Todo este espectáculo foi repetido pelos
mesmos actores curiosos e com a mesma assistência em 10 de Novembro.
Aquando da
chegada a Portugal de D. Fernando de Saxo-Coburgo e do seu casamento com a
rainha D. Maria II, houve festa em Guimarães, que incluiu a representação,
pelos estudantes, de uma comédia no teatro do Campo da Feira. Aconteceu no dia 20
de Abril de 1836, tendo sido repetida na semana seguinte, agora “em benefício
das freiras Capuchas”.
Deixaram
memória outras exibições teatrais dos estudantes vimaranenses:
- A 23 de Fevereiro de 1835, estudantes de Guimarães levaram à cena, pela primeira vez, a tragédia Othelo, de William Shakespeare. Foi no Teatro de Vila Pouca.
- 13 de Junho de 1838: Representação, com entrada grátis, de uma peça intitulada “Trinta Anos, ou a vida de um Jogador”. Segundo o cónego Pereira Lopes, os estudantes actores “desempenharam sofrivelmente”.
- 13 de Junho de 1838: Representação, com entrada grátis, de uma peça intitulada “Trinta Anos, ou a vida de um Jogador”. Segundo o cónego Pereira Lopes, os estudantes actores “desempenharam sofrivelmente”.
- 30 de Julho de 1838: O
estudantes representam, mais uma vez com desempenho sofrível, segundo a mesma
testemunha, a peça “A Disciplina Militar das Tropas do Norte”.
- 19 de Abril de 1839: Neste dia,
o cónego Pereira Lopes anotou no seu diário: “À noite representaram os estudantes
desta vila uma tragédia em 5 actos, a qual foi de graça. O entremez, obsceno em
demasia, não era próprio para se representar no teatro duma vila como esta, em
que ainda há muita gente que olha com respeito para a boa moral. Mas que era de
esperar do seu director e ensaiador o Tomás das Hortas!”
- 17 de Junho de 1839: Os
estudantes à levaram cena a tragédia, em 5 actos, “Júlio ou o Assassino”.
- 6 de Maio de 1849: Os
estudantes, tendo mandado construir um teatro Inauguração de um teatro mandado,
no Convento de S. Francisco, inauguram-no com a representação do drama em 5
actos “O Cigano”.
- 14 de Abril de 1850: À noite,
representaram os (estudantes) curiosos, no teatro, um novo drama em 4 actos,
“Uma Vingança”, a 1.ª composição do vimaranense João Machado Pinheiro de Melo
(1.º Visconde de Pindela). Segundo, o jornal “Periódico dos Pobres do Porto”; “o
autor e os curiosos foram chamados fora e aplaudidos com entusiasmo,
lançando-se várias coroas e algumas prendas ao jovem autor que é de certo um
moço de muito mérito e de esperanças”
A propósito da relação com o teatro dos estudantes de Guimarães e das suas festas, transcreve-se o que escreveu Alberto Vieira Braga no seu estudo sobre o Teatro Vimaranense, quinto artigo da série Curiosidades de Guimarães:
Nas Universidades
e nos Colégios, as representações cómicas e as paradas teatrais estudantescas, constituíam
igualmente um passatempo escolar, desopilante
para os temperamentos de fogosa arremetida e travessura endiabrada dos briosos
rapazes.
Pelas
festas solenes do ano e dias de consagrado regozijo, os estudantes de várias Universidades
e estabelecimentos de ensino superior saíam para a rua com grandes discursos e declamações
públicas[1].
Escreventes
e estudantes achavam-se irmanados sob o mesmo patrono S. Nicolau, cuja festa
celebravam representando o Mistério dos três estudantes assassinados
por um estalajadeiro e ressuscitados pelo Santo. Era este o argumento dos moços
de estudo a que alude Camões, e o objecto da dansa de S. Nicolao, a que se refere sarcasticamente Resende [2].
Na Visita
da Provincia de Portugal, de 1610 pelo p.e João Álvares,
estabelece-se: Nenhum estudante, sob pena de ser castigado e lançado dos
Estudos, entre em farças, ou se vista de mulher para qualquer fim que for[3].
D.
João VI deferiu uma petição dos estudantes de Guimarães, concedendo-lhes
licença para se mascararem no dia 18 de Dezembro de 1822, levantarem a sua bandeira no Toural, havendo foguetes
e repiques, iluminando-se parte da vila, recitando-se versos e saindo uma encamisada.
Nos
dias 12 e 13 de Janeiro de 1823 os estudantes saíram mascarados com uma
brilhante dança, acompanhando um carro com o retrato de D. João VI e cantando o
hino constitucional.
No dia
13 de Maio de 1824 representaram os estudantes uma peça intitulada D. José II.
Quantas
representações hieráticas ou declamações festivas se teriam feito nas antigas
escolas académicas do Convento da Costa, escolas de filosofia e humanidades de
N. S. a da Oliveira e Colégio de S. Dâmaso!...
Os
velhos festejos a S. Nicolau, que deviam ter o seu início na escola académica
do Convento da Costa, aí por 1541, segundo aventam alguns, ou em 1662, segundo
a opinião de João Meira[4],
são já uma parada demonstrativa de representação cómica, nos aparatos dos seus
diversos números de programa.
Alberto
Vieira Braga, “Curiosidades de Guimarães V – Teatro Vimaranense”, in Revista de Guimarães, n.º 19, pp. 246-248
[1] Talvez possamos encontrar neste inveterado
costume as Universidades de
Salamanca (1538) e de Coimbra (1548) a influência germinadora dos bandos
escolásticos da nossa briosa academia de Guimarães.
[2] Escola de Gil
Vicente e o desenvolvimento
do Teatro
Nacional, por
Teófilo Braga, pág. 309 a 313.
Talvez
outra influência despertadora, a nosso ver, das danças ruidosas e
espaventosamente mascaradas das festas Nicolinas.
[3] Escola de Gil Vicente e o desenvolvimento
do Teatro Nacional, por Teófilo Braga, pág. 382.
[4] “Quanto à origem obscura das festas a nossa
opinião é que
elas não são anteriores à fundação da confraria de S. Nicolau, em 1662, pelos
estudantes” - (“Independente” .. n.º 210 de 1905).
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