Nos momentos
de desgraça, as pessoas costumam dar mostras de grande solidariedade. Sendo uma
regra universal, aplica-se de modo muito particular às gentes de Guimarães. Basta
recordar o que aconteceu no grande incêndio que deflagrou, em 1869, no topo virado a
Norte do Toural, ou, quase um século mais tarde, na reconstrução
da tourada que fora consumida por um incêndio.
Na noite de
18 para 19 de Janeiro de 1841, Guimarães despertou com o alvoroço dos sinos a
repicarem, tocando a incêndio. As chamas erguiam-se no céu para o lados do
Campo da Feira, na rua das Pretas ou rua Nova de Vila Pouca. As gentes de Guimarães
acorreram em peso ao local do sinistro, munidas do espírito de entreajuda de sempre. Porém, desta vez, não ajudaram a apagá-lo.
Ficaram a ver arder.
Naquela
noite, as chamas consumiram o Teatro de Vila Pouca que, segundo Alberto Vieira Braga, “funcionou lá em
baixo, no Campo da Feira, na antiga Rua das Pretas, n.os 1, 3, 5,
nas primeiras casas do bairro que fica ao lado do rio”, no local onde em finais
do século XIX estava instalada uma loja de vinhos. Não se sabe ao certo quando foi
inaugurada esta sala de espectáculos, mas sabe-se que já funcionava no início
de 1835, como revela Alberto Vieira Braga, no seu estudo sobre o Teatro
Vimaranense:
“No
dia 23 de Fevereiro de 1835 vários estudantes desta vila representaram pela
primeira vez no Teatro da rua das Pretas, propriedade do Conde de Vila Pouca, a
tragédia o Tello (deve estar por Othelo, célebre tragédia de
Shakespeare)”.
O Barão de
Vila Pouca, Rodrigo de Sousa da Silva Alcoforado, não era uma figura
particularmente estimada entre os seus conterrâneos. Miguelista durante a
Usurpação (ficou registo da sua viagem a Lisboa, em Setembro de 1828, para
beijar a mão a D. Miguel, que havia pouco se proclamara rei absoluto de
Portugal), foi comandante das milícias de Guimarães que combaterem do lado dos
miguelistas durante a Guerra Civil. Com a vitória de D. Pedro, que devolveria o
trono à sua filha D. Maria II, irá aparecer do lado dos vencedores, sendo uma
das figuras mais proeminentes da Sociedade Patriótica Vimaranense. Como escreveu
Pereira Lopes, eram manifestas “as poucas simpatias que nesta vila tinha o Barão
de vila Pouca”. Vai daí, ninguém ajudou a salvar o seu teatro de um incêndio de origens mais do que suspeitas.
No seu
diário, que o inestimável João Lopes de Faria transcreveu, o cónego Pereira
Lopes registou o seguinte:
18 de
Janeiro de 1841 - Na noite de hoje para amanhã foi incendiado o teatro desta
vila por acinte, em consequência do Barão de Vila Pouca (senhor do teatro) o
ter negado a uns curiosos que queriam repetir nele uma peça que poucos dias
antes tinham apresentado em cena. Ao incêndio só acudiram os empregados da
Bomba, pois os imensos habitantes da vila que se dirigiram para o sítio donde
se dizia que era o fogo, logo que viram que era no teatro se conservaram meros
espectadores, fazendo pouco caso de que o teatro ardesse, não porque eles em
outros casos semelhantes não mostrassem energia em fazer cessar os estragos que
sempre costuma fazer este devorador elemento quando se assenhora de qualquer
edifício, mas pelas poucas simpatias que nesta vila tinha o Barão de vila
Pouca, senhor do teatro, que foi vítima das chamas. Tudo que era combustível da
casa do teatro ardeu, e só ao que se acudiu foi a que não ardessem as casas dos
vizinhos que ficavam contíguas à mesma casa do teatro.
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