Já se percebeu: existe um problema que, não fossem os estatutos da Fundação Cidade de Guimarães, já estaria resolvido. Os estatutos da FCG encerram vários mistérios, a começar por não se perceber quem sejam os fundadores desta fundação. Ao contrário do que seria de esperar, o documento não discrimina os instituidores, o que obriga a um exercício de interpretação especulativa.
No preâmbulo Decreto-lei que aprova os estatutos (DL 202/2009, de 28 de Agosto) consta que “o Município de Guimarães deliberou, em Assembleia Municipal por proposta da Câmara Municipal, constituir a Fundação Cidade de Guimarães e requerer ao Governo o seu reconhecimento e a declaração do superior interesse público e cultural”. Mais adiante, escreve-se que a Fundação Cidade de Guimarães foi criada “por iniciativa do seu município”. Em resumo: a FCG nasceu de iniciativa da Câmara Municipal de Guimarães a que o Governo deu o seu reconhecimento.
O fundo inicial da FCG foi assegurado pela Câmara Municipal de Guimarães, o que parece assegurar-lhe a condição de entidade fundadora. O Ministério da Cultura comprometeu-se a reforçar esse fundo inicial. Será que isso o torna fundador? Nada se diz. Note-se que a única referência ao MC no texto dos estatutos é essa mesma, a que o obriga ao reforço do capital fundacional (ao passo que se contam 10 referências à CMG). Por outro lado, se os estatutos conferem algumas competências à CMG e lhe garantem assento no Conselho Geral e no Conselho de Administração (embora sem poderes executivos), o Ministério da Cultura não assegurou para si qualquer poder de decisão na FCG, como seria legítimo a uma entidade fundadora. Se assim é, só com esforço é que se pode concluir que o MC possa ser fundador da FCG.
No art.º 21.º listam-se os membros do CG (além do respectivo Presidente, indicado pela CMG). São:
a) O presidente da Câmara Municipal de Guimarães;
b) Presidentes das instituições fundadoras;
c) Presidentes de três instituições de relevo cultural do concelho de Guimarães a indicar pela Câmara Municipal de Guimarães, sob proposta do seu presidente;
d) Personalidades de elevado mérito e experiência profissional reconhecidos como especialmente relevantes, cooptadas pelo conselho geral.
A alínea b) é particularmente dúbia, porque não se sabe quem possam ser os presidentes das instituições fundadoras a que se refere, já que, pura e simplesmente, não existem instituições fundadoras, além da CMG. O Ministério da Cultura não cabe em nenhuma das alíneas – com boa vontade, podia ser contemplado na b), mas terá que ficar de fora, porque não tem “presidente”.
O art.º 43.º é, também, um enigma. Prevê que a Fundação possa ser extinta “mediante deliberação por maioria qualificada de dois terços dos fundadores”. Pelo plural (“fundadores”), remete para um conjunto de entidades fundadoras. Porém, à letra dos estatutos, apenas existirá uma. Qual será a fórmula para encontrar dois terços de uma única entidade?
Quanto a fundadores, há mais curiosidades nestes estatutos. O decreto instituidor diz que a Fundação “é susceptível de potenciar a adesão e a participação activa da sociedade civil” e que “a figura de uma fundação assim participada corporiza o envolvimento da sociedade civil num projecto único de dimensão nacional”. Daqui só pode resultar que o legislador previa que a FCG viesse a captar a adesão de novos fundadores, oriundos da “sociedade civil”. No entanto, esta possibilidade fica bloqueada, porque o documento guarda um estranho silêncio quanto a modalidades de adesão de novos fundadores.
Pelo que fica dito, percebe-se que os estatutos da FCG são uma construção jurídica povoada de “falhas técnicas” incompreensíveis e inaceitáveis, tanto mais quando sabemos que o documento foi preparado por uma sociedade de advogados de Lisboa que cobrou honorários mais do que suficientes para produzir um documento tecnicamente irrepreensível.
[continua aqui]
3 Comentários
O que apresenta é, de facto, alarmante. Quer-me parecer que a falta de menção ao Fundadores não terá sido por desconhecimento ou incapacidade dos que, por um serviço muito bem pago, elaboraram os estatutos. Mais, basta uma simples análise de situações análogas, para que se perceba o que deve ser feito. Comparemos o decreto Decreto-Lei nº 18/2006 de 26 de Janeiro, que estabeleceu os estatutos da Fundação Casa da Música e o decreto em causa. Curioso analisar o que é entendido por conselho de fundadores, esclarecimento quanto à destituição do Conselho de administração, etc.
O grupo elaborou estes estatutos de forma ambígua, não mencionando questões de demasiada importância e que retirariam poder ao Conselho de Administração. A omissão parece-me ter sido propositada, mas não quero acreditar que assim tenha acontecido. Certamente que ponderaram sobre este tipo de questões e, antevendo-as, preferiram ser omissos, conhecendo o imbróglio jurídico que causariam e que nos encontramos no momento.
Não sou advogado e percebo muito pouco de direito. Também não sou representante de nenhum partido na Assembleia Municipal e, como tal, não tive de votar este documento. Mas sou um mero cidadão com dúvidas e, se tivesse dois dias para analisar o referido doc, tal como o Sr. do PSD local afirmou há alguns dias atrás, procuraria ler documentos semelhantes. O decreto que mencionei acima parece-me o mais óbvio.
Toda esta situação é podre, cheira a podre e apodrece a cada dia que passa.
Nesse momento existe em mim uma mistura de sentimentos: uma enorme frustração por assistir a tudo isto; vergonha pelos representantes políticos que temos – aprovar um documento destes sem ponderar; revolta por não ter poder para destituir as senhoras do Palácio; revolta por ver amorfa uma comunidade que se diz acérrima – basta olharmos para o que aconteceu ainda esta semana com a apresentação daquilo a que chamam “Tempos Cruzados”; desilusão pelo que sinto que estamos a perder enquanto cidade; vergonha novamente quando, com um sentido duplo, surge a pergunta “e então, como estão as coisas por Guimarães?”
Que fazer?...
implosão ou explosão?...
E coragem?...
Deixo-lhe um aviso de amigo: tenha cuidado com aquela gente. Se ainda não o tentaram comprar, foi porque perceberam que não está à venda. Mas vão continuar a tentar isolá-lo, dê por onde der. Se encontrassem por onde, já lhe tinham "feito a folha". Carlos Magno não deixa os seus créditos por mãos alheias e vai mexendo influências. Até telefona a deputados! Têm havido tentativas para condicionar jornalistas dos órgãos de comunicação social nacionais. Vão continuar a haver. Há movimentações junto de membros do Conselho Geral, para tentar dinamitar a próxima reunião daquele órgão. Não podemos permitir que isto continue.
Aos que nos empurraram para aqui, aprovando, sem ler, aqueles estatutos, escolhendo e aprovando a escolha da presidente da FCG, ou seja, todos os partidos com assento na Câmara e na Assembleia Municipal, tem que assumir com as suas responsabilidades e dizerem com clareza, sem unanimismos impostos, mas também sem tacticismos o que pensam desta situação e como é que vão ajudar a resolver.Sob pena de não lhes perdoarmos.
A si, só lhe digo: não desista. Sabe que não está só.
As suas dúvidas são as minhas. As suas preocupações também. O enredo à volta dos estatutos e da malha que eles criaram é muito, muito estranha. Eu também não sou jurista, mas percebo que existe uma intenção oculta nas entrelinhas daquele documento. Quando se conhecer o processo que esteve por trás da sua encomenda, estou certo de que perceberemos melhor o que agora nos inquieta. Mas ainda acredito que se pode resolver o que ainda se for a tempo de resolver.
Caro amigo preocupado,
Pessoalmente, não tenho qualquer motivo para preocupações ou cuidados. E, tem razão, não estou só, longe disso. Concordo consigo quanto à necessidade dos nossos representantes políticos assumirem, com realismo e frontalidade, as suas responsabilidades por decisões que tomaram e que abriram caminho para que chegássemos até aqui. O discurso de que agora já será tarde para rupturas, parecendo responsável e cauteloso, não colhe: é certo que já se demorou tempo de mais, mas a cada dia que passa isto só tenderá a ficar pior, pelo que é urgente fazer-se o que, de qualquer modo, acabará por ser feito. Darão uma grande prova de sabedoria e de humildade democrática se corrigirem os seus erros, não deixando a situação continuar a arrastar-se.