O fio da meada: Estatutos da Fundação Cidade de Guimarães (2)

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Antes de se ler o que vai a seguir, julgo necessário recordar que a Fundação Cidade de Guimarães não resulta de uma iniciativa de um velho milionário com vocação filantrópica, que resolveu dispor dos seus milhões como bem entendeu. É uma instituição que goza do estatuto de Utilidade Pública e que é sustentada, exclusivamente, por dinheiros públicos.

O modo como os estatutos da Fundação Cidade de Guimarães estão desenhados dão à FCG uma condição próxima duma entidade de natureza unipessoal, tal é a concentração de poderes e de prerrogativas nas mãos de quem assume a sua presidência. Atente-se no seguinte:

– o presidente da Fundação é nomeado pela Câmara Municipal de Guimarães, mediante proposta do seu presidente – artigo 33.º, n.º 1;

– o presidente da Fundação é, por inerência, o presidente do conselho de administração – artigo 34.º, n.º 1;

– os vogais do conselho de administração são designados pelo presidente da Fundação – artigo 26.º, n.º 2;

– um dos vogais não executivos do conselho de administração é obrigatoriamente o vereador da Câmara Municipal de Guimarães com competências delegadas na área da cultura – artigo 26.º, n.º 3;

– compete ao presidente da Fundação atribuir a cada membro do conselho de administração o pelouro ou pelouros que entenda dever competir-lhes – artigo 34.º, n.º 2, e).

Ou seja: depois de nomeado pela Câmara Municipal de Guimarães, o Presidente da Fundação escolhe, como bem entender, os membros do CA (com uma excepção: tem que acomodar o vereador da Câmara Municipal de Guimarães que detiver o pelouro da Cultura, que ficará com funções limitadas, já que os estatutos estabelecem que só pode ser vogal com poderes não executivos), tendo também livre arbítrio para proceder à distribuição de pelouros. Ou seja: o Presidente tem um poder quase absoluto sobre o funcionamento da Fundação. Quem o nomeia abdica de qualquer forma de escrutínio sobre os seus actos. Acresce a isto que e o Conselho Geral tem a sua acção condicionada pelo facto de decidir, em praticamente todas as matérias, “sob proposta do conselho de administração”.

Parece-me incontroverso que quem concebeu estes estatutos blindou a posição de quem iria exercer as funções de Presidente da Fundação, dando-lhe um carácter quase inamovível. Não terá havido igual cuidado com a salvaguarda do interesse público numa fundação de direito privado sustentada exclusivamente por dinheiros públicos.

Para se perceber melhor esta história, faltará dizer que os estatutos, aprovados em reunião de Câmara a 9 de Junho de 2009, foram redigidos depois de se saber quem iria ocupar o cargo de presidente da fundação e que a sociedade de advogados que os preparou viria a prestar serviços de assessoria jurídica à Presidente da Fundação Cidade de Guimarães.
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6 Comentários

Paulo Pinto disse…
Por isso o meu comentário de há dias. A culpa é de quem permitiu que os estatutos da FCG fossem redigidos com tais poderes conferidos ao presidente do CA. Não se trata de "fulanizar" a ocupação do cargo (esse tema daria um debate diferente), mas de precaver situações como as que têm vindo a acontecer. E agora? Se a Dra. Cristina Azevedo não estiver inclinada a ceder, as vozes dissonantes continuarão a sua caminhada dodecafónica até Dezembro de 2012.
Cidadão com dúvidas disse…
Caro Amaro.
se o seu último paragrafo deste post não for suficiente para abrir os olhos à sociedade civil vimaranense, não sei o que será. Nem sequer se valerá a pena continuar a alimentar esperanças de que poderemos mudar alguma coisa.
O que vejo é um conjunto de pessoas que no último mês e meio foram chamadas pela FCG para serem ouvidas e para apresentarem propostas, sem perceberem que estão a ser utilizados como meros instrumentos de propaganda. Ingénuos, pactuam com toda esta situação.
Caro Amaro, teremos sempre tempo de resolver o que puder ser resolvido, mas será demasiado vergonhoso vermos as demissões acontecerem ao longo de 2012. Acredito que só nessa altura poderão acontecer, perante o cenário que se vislumbra.
Cidadão com dúvidas disse…
...
fico feliz por ver alguém como o senhor revelar algo que, nos circuitos internos, é do conhecimento de todos.
Paulo,

A questão nunca foi, como dizes, fulanizar. Mas, a verdade é que os estatutos são um objecto fulanizado qb.

Cidadão com dúvidas,

Temos que manter a chama, porque a vergonha que se anuncia não pode acontecer.

Hoje não tenho quaisquer dúvidas: a CEC organizada por esta FCG só pode dar maus resultados. Ainda acredito que os nossos responsáveis políticos saberão fazer aquilo que tem que ser feito. E sei que os "ingénuos" são cada vez menos.
Cidadão com dúvidas disse…
Caro Amaro,
A chama continuará bem acesa. A minha vontade de usufruir de uma cidade cada vez melhor permite manter o alento.
Quanto aos responsáveis políticos, voltamos ao desalento.
1 - a nível nacional duvido que ainda seja tomada qualquer medida pelo actual Ministério da Cultura (MC);
2 - desconhecemos se teremos MC no próximo governo;
3 – não me parece que o responsável nacional por esta área, que vier a ser nomeado, deseje iniciar o seu trajecto com uma demissão. Teria de se inteirar de todo o processo, necessitando de tempo para isso;
4- a nível local, a demissão da Presidente do conselho de Administração da CEC revelaria que o nosso alcaide se enganou. Não estou a vê-lo assumir um erro deste tamanho;
5 - não me parece que o Sr. António Magalhães deseje que os últimos tempos dos seus mandatos à frente da CMG sejam marcadas por uma demonstração de incapacidade ou, quem sabe, influências políticas (ainda está por explicar como surge a Sra. Cristina de Azevedo neste processo)
6 – a admissão deste erro limitará as aspirações do PS local nas próximas autárquicas;
7 – Ainda que esteja enganado quanto ao nosso Presidente da Câmara, qualquer decisão ao nível local carece de aprovação do poder central.
Ora aqui está uma bela “pescadinha de rabo na boca”
Esperemos por próximos capítulos.
Meu caro Cidadão com dúvidas,

Entendo que a tomada de decisão de demissão, sendo necessário tomá-la, compete a quem nomeou, ou seja,à Câmara Municipal de Guimarães, eventualmente propondo uma deliberação nesse sentido ao Conselho Geral da FCG. A opinião do Ministério da Cultura, sendo importante, não me parece determinante nesta matéria.

Quanto à tomada de decisão pela Câmara Municipal de Guimarães será, sempre, o reconhecimento de um erro. Mas parece-me que prevalecerá o bom senso que nos diz que teimar num erro para não o reconhecer será sempre a pior solução para um problema.