O Muro do Toural

Reconstituição aproximada da antiga cerca de muralhas de Guimarães, correspondendo o ponto A à Torre da Piedade (Porta da Vila) e o ponto B ao Postigo de S. Paio.

Em 1932, Alfredo Guimarães publicou, no jornal Notícias de Guimarães, três textos em que junta uma série de informações interessantes para o conhecimento da compleição da antiga murava que atravessava o Toural pelo seu lado voltado a nascente, que aqui iremos trazer de novo à luz. Aqui fica o primeiro.


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Para as noites de Inverno

O Muro do Toural

(entre a Torre da Piedade e o Postigo de S. Paio)

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A sessão da Câmara em 29 de Outubro de 1793 foi com certeza, no tempo, muito importante, e pode evocar-se, hoje, curiosíssima para o estudo da fisionomia arquitectural urbana.

Serviam desde 1792 de Vereadores — Tomás António Leite de Almada, José de Freitas do Amaral e João de Sousa da Silveira. Era Procurador do Concelho — Pedro António Fonte Nova. Tesoureiro — António José de Macedo. O Doutor Provedor da Comarca — José Manuel de Sousa Pissarro oficiara sobre dois assuntos considerados graves de administração municipal. Naquele dia, o Senado da Câmara deliberou e aprovou o teor da resposta. Talvez ainda o melhor seja traduzi-lo em linguagem de nossos dias, sem lhe alterar o sabor.

“Senhor Governador da Comarca: Havendo de dar resposta aos dois ofícios que vossa Senhoria dirigiu a este Senado, datados em 22 e 26 do corrente, sobre os dois importantes objectos neles contemplados, nos determinamos recorrer a uma inspecção ocular para que procedendo com deliberação de causa, mais fácil e seguramente viéssemos no conhecimento dela. E com efeito, pelo que pertence ao primeiro dos objectos – que respeita a demolição da Torre da Senhora da Piedade - convém este Senado com a acertada deliberação de vossa Senhoria, depois de ver e examinar que ela se acha em princípios de ruína, tendo já muitas das suas pedras deslocadas e quebradas, e ameaçando para o futuro um total dilaceramento que ela dá. Actualmente a Vila (tem) uma disforme entrada e perigosa, não só à passagem dos carros e carruagens, mas ainda à contínua servidão dos habitantes, principalmente de noite, por ser um cómodo sítio para roubos, assassínios e devassidões. Que, sobre o plano da sua edificação, se pode construir uma nobre e muito mais elegante passagem para a Vila. E que finalmente, depois de se evitarem os referidos danos ao público, pode conseguir-se o adiantamento das obras públicas, primeiro com a aplicação que para ali se fizer do produto da sua pedra, e de que tanto se precisa para o reparo das calçadas, actualmente quase impraticáveis, e refazimento dos canos, por onde se conduz a água para toda a Vila, e outras. «E por isso certos das peeçimas (as péssimas intenções de demolir a Torre) intemções de Sua Magestade hé Justo que umilliçimamente se lhe rogue a sobredita demolissão e com a indicada aplicassão.» E pelo que respeita ao segundo dos mesmos objectos – o de alterar; a forma dos edifícios que te hão-de construir sobre a base do moro, que Sua Majestade mandou demolir desde a Torre da Senhora da Piedade até ao Postigo de S. Paio, deixando de se edificarem em linha curva, para não ficar disforme desde o seu princípio uma obra que virá aliás a ser elegantíssima, e digno objecto de emulação, formando-se em linha recta e segundo o prospecto já aprovado - este Senado se conforma igualmente com as suas ideias patrióticas, quando se dirigem a persuadir a construção do sobredito edifício pela indicada forma, por ser mais conforme a realçar o gosto geral da Vila (parece ser o que dizer querem) e mais belo e nobre o edifício de nivelamento recto do que formado por curva (olivelamento recto, olivelação curva) um regular do que um irregular. Mas por outra parte, não se deve perder de vista o interesse que ao público resulta de se não encurtar nem diminuir a extensão do Campo do Toural, toda necessária para a sua beleza, e recreio dos habitantes, e comodidade pública da Feira, que nela já mal se pode arranjar. E considerando que a direcção, na vistoria a que vossa Senhoria procedeu, em 25 do corrente, para determinar o sobredito alinhamento recto, vinha a encurtar o mesmo Campo em 50 palmos, na parte da Torre da Senhora da piedade, aonde nas feiras se costuma fazer acomodação para os que vendem fiados, panos de linho, etc., e em 5 na parte oposta: E atendendo a que o referido alinhamento recto é só útil enquanto é compatível com o interesse do público – por isso; na inspecção a que procedemos, se trabalhou em ver se era praticável a edificação recta, sem diminuição considerável do mesmo Campo. E com efeito se achou, por meio das medições que se fizeram, que o alinhamento do sobredito edifício, feito pela direcção de uma linha recta tirada de um ponto, que se tomou na Torre da Senhora da Piedade e que, passa por outro que se considera no maior cotovelo do muro, que se esta demolindo, para outro ponto, que se fixou próximo ao Postigo de S. Paio, vem, das extremidades da linha, a encontrar o sobredito em partes ainda consideráveis de figura triangular rectangular, a saber: da parte da Senhora da Piedade, em 29 palmos na base do triangulo; e na parte contrária, em 22 na base do oposto. Mas, como este golpe que assim se vem a dar no Campo, ainda seja prejudicial, apesar de já ser mais pequeno do que o de 50 palmos na sua parte mais principal; e atendendo a que o muro tem de latitude na sua base mais de 14 palmos que na continuação, no seu maior cotovelo se pode reduzir sem prejuízo dos edificantes... Por isso, fazendo-se a edificação pela direcção de outra recta, paralela à primeira, que se tirou mais em distância a ela 14 palmos para o muro ou parte oriental, vem a diminuir-se ao Campo, na parte da Torre da Piedade, que já se acha ocupada com um Passo, somente 15 palmos, e na parte oposta somente 8, diminuição que fica compensada pelo outro espaço de 14 palmos de base do muro, que, no seu maior cotovelo, e no mesmo plano, se faz campo. E é nesta consideração que este Senado convém que debaixo da mesma humildade se rogue à nossa clementíssima Soberana, para que se digne declarar a Provisão, de que vossa Senhoria no seu primeiro ofício se lembra. Deus guarde...”

(Continua).

[Eduardo de Almeida, in Notícias de Guimarães n.º 41, ano 1, 23 de Outubro de 1932]

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