Aqui se inicia a terceira edição da Revista das Folhas de Braga, notas de leitura da imprensa bracarense publicadas por Francisco Martins Sarmento no jornal 28 de Novembro.
Por honra de Braga
A despedir. – Temos diante de nós um maço de folhas bracarenses, e todavia nada encontramos digno de revista; porque, não havendo sido refutado um só dos factos, constantes da contrariedade, que no §. “Verdade” opusemos ao seu libelo famoso, e não querendo, nem devendo sair do terreno da discussão urbana já por exigências da nossa educação, já pelo respeito que nos merece o publico honrado, para o qual unicamente escrevemos, toda aquela papelada não dá uma gota de replica, por mais espremida que seja. Factos! bem se imporiam os nossos feros adversários que cada uma das suas afirmativas seja destruída, sem poder levantar mais cabeça! Salvas excepções, raríssimas como o melro branco, todo o seu fito foi continuarem na imprensa a assuada da rua de Água, como para dissipar qualquer dúvida nos optimistas, que pudessem recusar-se a ver na grande selvajaria outra coisa mais que o desvario de uma hora falha. Não, senhores; tudo aquilo foi “a vingança de uma santa causa” registada nos anais da terra com todos os seus episódios ad perpetuam rei memoriam.
A verdade que eles lá andam agora à lambada, para tirar a limpo quem foi o verdadeiro inimigo, se o que já levou, se um outro muito diferente, que vai sendo empurrado para a Rocha Tarpeia...
Deixemos isto. Pois que não há factos a discutir, resta-nos fazer as nossas despedidas. Poderíamos vacilar, se não seria mais prudente fugir a unhas de cavalo, em vez de ficarmos parados a fazer estes comprimentos de civilidade, depois de vermos o Amigo do Povo distribuir, à esquerda e à direita, pelos jornalistas seus patrícios, as seguintes amabilidades, ao reaparecer na imprensa, para auxiliar os “directores da mentalidade bracarense” na faina da educação da sua terra: – que vem “ provocar até, se tanto for mister, adversários ermos de escrúpulos e nimiamente faciosos”; – que, se mercê do seu silêncio, os seus colegas bragueses levaram até hoje vida folgada a “caluniar, ultrajar, cuspir impunemente”, a “inventar calúnias, forjar sucessos, alimentar despeitos, fazer crítica reles”, a “soletrar constante e unicamente a Bíblia do Ódio”, doravante não terão remédio senão mudar de solfa; – que ao princípio lhes há de custar a largar os hábitos velhos; mas com o tempo “o organismo acomoda-se” e reconhecerão que o seu processo era “imundo como um cano de esgoto, e repelente como um escarro”; – se, para os chamar ao rego, for preciso “agitar estadulho” igual ao dos seus neófitos, por isso ninguém ficará mal; – se o olham de través, por temerem que ele venha fazer-lhes “concorrência à alma da sua alma”, o anúncio judicial (sic, em letras gordas), podem dormir sossegados, porque etc.
Não tínhamos razão para hesitar, se deveríamos fugir a todo o escape da convivência com os jornalistas bragueses, retratados por um jornalista braguês daquele modo e feitio? Mas, embora suspeitos, não podemos admitir a fidelidade da pintura ; e, em vista da canastrada de ultrajes, de doestos, de calúnias, sem atilho, nem vencilho, que este Amigo do Povo despeja sobre o povo de Guimarães, diríamos mesmo que o recém-vindo director da mentalidade bracarense se está a ver ao espelho, quando descreve os merecimentos e mais partes dos seus confrades.
Já que falamos neste jornalista, surgindo no terreiro depois do dia 28, mal podemos deixar de aludir à “altitude” que ele quer bem esclarecida, quanto à sua pessoa e no tocante às principais cenas daquela tragicomédia. Não admite o novo comentador dos sucessos do memorando dia, que possa mesmo pôr-se em dúvida o conhecimento antecipado que tinha a autoridade superior do distrito da “notável e severa lição”, que esperava os procuradores de Guimarães; afirma – e ninguém se atreveu a negar-lho com provas – que o governador civil assistiu “das janelas da sua secretaria” ao começo da assuada; mas até aqui o comentador nada acha que reprovar no delegado do governo. Pelos modos aquilo era troça. Troça? isso di-lo ele numa parte; noutra explica melhor – era “a prova eloquente e manifesta de desagrado” aos odientos procuradores vimaranenses, “não só uma necessidade, mas um dever imperioso e sacratíssimo” (sic). Assistindo pois serenamente ao cumprimento deste “dever sacratíssimo” – a assuada– a autoridade superior do distrito merece a plena aprovação do Amigo do Povo. O que ele porém não pôde sofrer, sem que a sua consciência atire aos justos céus lavas de indignação vulcânica, é que a autoridade não começasse a sua acção pelo procurador de Guimarães, que teve a audácia de não conformar-se com as “sacratíssimas” assuadas e de responder a elas com uma “pedantesca provocação”. Quando o provocador foi passear para o Jardim Público de badine na mão, ou quando não agradeceu com gestos delicados o bota-fora de pragas e morras, com que a fidalgaria de Braga se despediu dele, em qualquer dos casos (porque se não sabe ao certo a qual deles mira o nosso atirador), em qualquer dos casos, se a autoridade começa a sua acção, tudo sairia limpo, com a vantagem de ficarem mortos dois coelhos de uma só cacheirada – a punição que “a pimponice truanesca” reclamava e o corte pela raiz do “subsequente e lamentável excesso”. De sorte que, se no dia 28 de Novembro do ano da graça de 1883 a vara braguesa da autoridade estivesse nas mãos do Amigo do Povo, vê-lo-íamos nas janelas do governo civil assistir paternalmente ao crime da assuada aos membros da junta geral do distrito, e trancar com os procuradores de Guimarães na cadeia, logo que eles dessem um passo, ou fizessem um gesto, que denunciasse sombra de indignação contra os cobardes autores de um crime, que se repetia três vezes. Por ter feito só metade desta “monstruosidade”, é que o nosso moralista vai correr pelos lábios do governador civil a esponja de fel e vinagre e alho.
Como se vê, a “atitude” do Amigo do Povo é copiada, nem mais, nem menos, de qualquer das atitudes de Pantaleão Pantana, a autoridade célebre nos entremezes de cordel. Efectivamente, só o festivo Pantaleão Pantana era capaz de pautar os seus actos autoritários pelo programa que o ilustre director da mentalidade bracarense está a defender com uma seriedade de desembargador. Graças a estas ideias, tão estrambóticas, que a gente esfrega os olhos, para se desenganar se elas realmente foram pensadas e escritas, este jornalista pode gabar-se de ter posto a um canto todos os seus patrícios.
E pode dizer quanto quiser.
[28 de Novembro, n.º 3, Guimarães, 6 de Janeiro de 1886]
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