A primeira pedra do Convento de Santa Clara de Guimarães foi lançada antes do final de 1548, na Rua de Santa Maria, por iniciativa de Baltazar de Andrade, cónego mestre-escola da Colegiada. Financiadas, em parte, por uma pensão retirada da imposição do vinho no concelho de Guimarães, as obras iniciais prolongar-se-iam por mais de uma década. Em 1553, o instituidor obteve em Lisboa um alvará que lhe dava posse de umas casas na mesma rua, para ampliar o edifício do convento. A bula papal que autoriza a criação do convento, sob a regra de Santa Clara e com o título de Santa Maria de Ara-Coeli e da Assunção, está datada de 11 de Outubro de 1559.
Referindo-se ao Convento de Santa Clara, Tadeu Luís Camões registou, no seu “Guimarães Agradecido”, que tantas donzelas ilustres e opulentas têm enterrado neste claustral monumento com a liberdade das esperanças do século. Todavia, como um dia notou o Abade de Tagilde, é possível que nem sempre os factos estejam de acordo com as afirmações de Tadeu Luís.
Ao instituir o convento, o padre Baltazar de Andrade estabeleceu a condição de se tornar no seu visitador perpétuo e de nele serem admitidas as suas três filhas ilegítimas Helena, Joana e Francisca, que professaram em Santa Clara de Amarante, para que, como escreveu Frei Manuel da Esperança, na sua “História Seráfica”, bebendo bom leite da regular disciplina, fossem boas mestras da nova comunidade e perfeitas fundadoras. Para beneficiar as suas filhas, Baltazar de Andrade obteve do Papa a criação de uma autêntica dinastia no novo convento: ordenou o Pontífice que, seguindo esta ordem, a qual era das idades, a primeira começasse em Abadessa perpétua; a segunda em Vigária e que por morte de uma lhe sucedessem as outras. Joana viria a falecer antes de regressar a Guimarães. Helena e Francisca tomaram posse da nova casa no dia de Santa Clara de 1562. A primeira seria abadessa até 1590, a segunda até 1597.
O Convento de Santa Clara esteve sob alçada dos D. Priores da Colegiada até que estes, na década de 1590, foram proibidos pelo arcebispo de fazerem as respectivas visitações. Em 1608, o convento foi definitivamente recebido na obediência do arcebispo de Braga.
As freiras do Convento de Santa Clara ganharam fama pelos seus dotes na confecção de doces (matéria já tratada em artigo anterior) e por outros usos de gosto mundano. No início de Outubro de 1655, o corregedor notificou abadessa de Santa Clara, Catarina de Cristo, rogando-lhe que tivesse cuidado de não permitir por via alguma, que as religiosas, ou outras mulheres que por qualquer título estivessem no convento, tivessem amizade, fala ou conversa, com pessoa alguma eclesiástica ou secular, na roda, grade, palratório, nem qualquer outro lugar. Da devassa que se seguiu a esta iniciativa, em que foram ouvidas cinco criadas do convento, resultaria a prisão de Francisco de Sousa Pereira, António de Barros Vasconcelos e Pedro Machado de Miranda.
Algumas das clarissas de Guimarães não eram muito dadas aos rigores da clausura. Em 1675, o arcebispo, D. Veríssimo de Lencastre, mandou que se reformassem as grades dos locutórios, o que originou uma rebelião que envolveu nove religiosas, que impediram o serralheiro de fazer o trabalho que lhe havia sido encomendado. Informado da situação, o arcebispo resolveu ir pessoalmente acompanhar a obra. O prelado foi recebido pelas freiras rebeldes com insultos e ameaças: Em vez de obedecerem à ordem de recolher às suas celas, tentaram abandonar a clausura, saindo por uma porta e, armadas com facas, forçaram passagem através da multidão que se reunira para assistir à cena. Tendo sido barradas pelos populares, regressaram ao convento e prosseguiram com os insultos. O episódio terminaria com a apreensão de três facas e com a cabeça da rebelião, Jerónima de Santa Teresa, metida no tronco do convento.
Numa visitação e subsequente devassa de 1759, apurou-se que as freiras mais novas usavam espartilhos, apertando-os de tal modo que ficavam escandalosas, deixando ver os contornos do seio, traziam na frente os hábitos curtos, com o fim de se lhes ver o pé e sapato, usavam óleos e polvilhos na cara e dormiam duas na mesma cela. Apurou-se também que, por ocasião da eleição das abadessas, se faziam bailes e comédias. Noutras alturas, já havia sido notado que se faziam em Santa Clara bailes ou entremezes e se tocavam músicas profanas.
Na vila de Guimarães sussurrava-se que as freiras de Santa Clara tinham encontros amorosos pela calada da noite, nomeadamente com religiosos da Colegiada. Um dos casos mais falados foi o do cónego Miguel de Macedo Portugal, que herdara a conesia do seu avô. Em 1760, ficou apurado em devassa que teria, em Santa Clara, tratos ilícitos com a madre Dona Antónia Eusébia da Encarnação, sua prima. O cónego Portugal usava de uma escada para transpor os altos muros do convento com o fim de poder mais íntima e particularmente tratar e comunicar com a prima. Testemunhas ouvidas no processo declararam que ele entrava umas vezes pelas nove e outras pelas dez horas da noite e saía umas vezes pelas onze e outras pelas três também da noite. Uma sentença da Relação condenou-o a dez anos de degredo para Angola, mas acabaria por livrar-se da pena.
No século XIX, havia em Guimarães um costume curioso: em tempo de chuva, saía de S. Francisco uma procissão de penitência que conduzia a imagem do patrono daquela Ordem até à Igreja de Santa Clara, onde a deixavam até que voltasse o bom tempo.
No Convento de Santa Clara chegaram a habitar, entre freiras e criadas, quase uma centena de almas. Em 1891, faleceu a última das suas religiosas, encerrando-se a existência daquele recolhimento. Em 1893, por acção de João Franco e Francisco Ribeiro Martins (Agra), o edifício foi convertido em seminário da Nossa Senhora da Oliveira, que mais tarde passou a Liceu. Em 1911, instalou-se em Santa Clara o Internato Municipal. Até 1961 funcionou no velho convento o Liceu de Guimarães. Actualmente, alberga os serviços da Câmara Municipal.
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