O tanque da Praça Maior

As antigas descrições de Guimarães coincidiam em descrever a amenidade do clima, a fecundidade da terra e a prodigalidade das águas. No passado, parece que o acesso À água nunca terá sido um problema maior para os vimaranenses. Da documentação que se guarda nos arquivos, percebe-se que, na velha vila de Guimarães e nos seus arrabaldes, todas as casas teriam o seu próprio poço, algumas até mais do que um. As escavações arqueológicas em curso na casa dos Lobos Machados, para renovação da sede da Associação Comercial e Industrial de Guimarães, parecem comprovar esta ideia.

Antes da instalação de um sistema público de abastecimento doméstico de água, havia necessidade de assegurar um mínimo de pontos de água de acesso público, para servir i moradores e forasteiros. Todavia, durante séculos, a Câmara de Guimarães raramente teve necessidade de proceder a gastos de grande monta para assegura água a quem dela necessitava. Quase até ao final do século XVI, o esforço municipal resumiu-se a assegurar que a água corresse no tanque da Praça Maior, a que se juntaria, em 1588, o belo chafariz do Toural, cuja história já aqui se contou em artigo anterior.

O chafariz da Praça encostava-se à torre da Colegiada. Ainda o podemos ver em gravuras e fotografias antigas, com as suas três bicas e as pedras de armas reais e da vila de Guimarães, com uma imagem em bronze da Senhora da Oliveira. O que hoje é possível observar em tais imagens corresponderá a uma reconstrução do tanque do início do século XVI. O chafariz da Praça foi construído para o Concelho em 1390, pelo pedreiro João Garcia, mestre-de-obras da Igreja da Oliveira.

A água que corria das bicas do tanque da Praça não brotava de qualquer nascente ali existente. O Abade de Tagilde, que estudou a história do abastecimento de águas em Guimarães, desconhecia a proveniência da água que, de início, abastecia este chafariz. Sabe-se que no quintal dumas casas na rua da Infesta havia uma arca de água que alimentava o chafariz, de cuja servidão trata um contrato estabelecido, em Novembro de 1549, com o proprietário daquelas casas, à época o Abade Afonso André. A partir do final do século XVI, o tanque da Praça e o chafariz do Toural (construído nessa época) passaram a ser pro­vidos com água da Penha, conduzida por um sistema de alcatruzes desde a Serra de Santa Catarina.

Anos antes, em 1516, o rei anuíra a um pedido dos homens do Concelho de Guimarães para lançarem uma imposição sobre a carne, o peixe e o azeite vendidos na vila, para ser usada em várias obras, nomeadamente "num relógio, com todos os seus aparelhos, feito de novo por se desfazer a torre em que se estava e se fazer outra de novo", e também para "um chafariz que estava na praça ao pé da dita torre e pelo mesmo motivo se derrubara e era preciso fazê-lo de novo, melhor do que estava".

Uma das principais preocupações da Câmara em relação ao abastecimento de água tinha a ver com a limpeza do chafariz. Em Março de 1531, foi proibido lavar ali hortaliça, roupa ou couros. Em Julho seguinte, a proibição era reiterada, acrescentando-se a interdição de se nadar ali. Estes impedimentos seriam reafirmados ao longo do tempo, o que será sinal de que nem sempre seriam respeitados. Em 1605, proibia-se qualquer pessoa de "abrir o chafariz da Praça e se aproveitar da água para as suas hortas e campos", sob pena de multa e cadeia. Em 1632, foi proibido "trazer gansos nos chafarizes da vila". Quem não respeitasse esta postura, pagaria uma multa de dez cruzados, além de ficar sem os gansos. No dia 12 de Fevereiro de 1842, a torre da Colegiada foi atingia por um raio. O chafariz também sofreu as consequências deste desastre. Conta um contemporâneo que "o raio caiu no remate que tinha a cúpula da torre que era de ferro, depois de esbandalhar a mesma é que passou para a igreja. No exterior da igreja o estrago que fez foi deitar abaixo o martelo do relógio, uma bica do tanque e quebrar a maior parte dos vidros não só da igreja, mas também de muitas casas da Praça da Senhora da Oliveira, arrebentando na mesma o cano das águas públicas em diferentes partes".

A história do chafariz da Praça da Oliveira terminou no dia 20 de Agosto de 1904 quando, após a introdução do sistema de abastecimento público, foi desmantelado. As pedras de armas que o ornamentavam pertencem hoje ao Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento. Já se pensou refazer aquela velha relíquia, mas a ideia foi abandonada por se temerem os danos que a humidade poderia causar nos túmulos com as estátuas jacentes dos Pinheiros que se encontram na capela do interior da torre, como acontecera ao longo de tantos anos e já havia sido notado no século XIX.

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