A basílica imperfeita

Em Setembro de 1616, o Cabido autorizou a Irmandade de S. Pedro a utilizar a Capela de S. João Baptista (O Cabido Velho), situada no claustro da Colegiada da Oliveira, para satisfação das suas obrigações de culto. Mas o relacionamento com os cónegos seria conflituoso, dificultando a coabitação. A Irmandade tentaria, sem êxito, comprar um altar na igreja de S. Dâmaso, para celebração dos seus ofícios. Em 1733, instalou-se numa capela do claustro de S. Francisco. Não tendo casa própria, a Irmandade de S. Pedro projectava edificar a sua própria capela, tendo pedido à Câmara, sem sucesso, licença para construir no actual largo do Trovador, junto a S. Francisco. A solução foi encontrada no Toural, onde, em 1737, começou a ser edificada a nova capela, que se benzeu no dia 11 de Novembro de 1850.
Em 1752, ainda a obra estava longe de acabada, Luís António da Costa Pego obteve um breve do Papa Bento XIV que elevou a capela ao estatuto privilegiado de basílica. Freitas e Sampaio escreveu, no Elogio Métrico que dedicou a Luís Pego, que esta basílica era “a primeira que na prima diocese se reconhece e a terceira que ilustra a orbe lusitana”.
Entretanto, as escaramuças com o Cabido, por questões de jurisdição e prerrogativas, prosseguiam. Em 1768, o Prior da Colegiada obteve uma carta régia que extinguia a Irmandade, ordenando que as respectivas imagens e objectos eclesiásticos fossem entregues à Colegiada, sendo os restantes bens sequestrados pelo corregedor e os papéis entregues à Secretaria de Estados dos Negócios do Reino.
Dez anos depois, a Irmandade foi restaurada, graças à acção do Padre José Amaro da Silva, recebendo de volta as suas alfaias religiosas.
Em 1782, foi obtida uma provisão régia que autorizava a ampliação da capela (na verdade, não passava de um edifício precário em madeira, com menos de 5 metros de largura e 18 metros de comprimento). Começou então a construção da actual igreja, em grande parte custeada pelo Padre José Amaro da Silva. Tendo crescido em tempo de alguma fartura, foi recebendo generosas doações, em grande parte sustentadas pela entrada de ouro do Brasil.
Em 1779, o negociante António Alves de Azevedo e a sua mulher, moradores no Toural, instituíram uma missa quotidiana na igreja de S. Paio. Como contrapartida, comprometiam-se a entregar à Irmandade de S. Pedro 2:100$000 réis e um sino com mais de sessenta arrobas (aproximadamente 900 quilos), para chamar para a missa.
Tempos de menos abastança viriam. As obras da igreja foram suspensas em 1824, apenas sendo retomadas em 1880, quando a Irmandade aprovou o projecto para a conclusão do templo, que submeteu à Real Associação dos Arquitectos de Lisboa. Em 1881, foram demolidas as casas da Irmandade que se erguiam em frente à capela. Em seguida, desmanchou-se a torre de madeira, para ser levantada, em pedra, a nova frontaria. Os arcos da entrada foram fechados em Agosto de 1882.
Em 1883, o sino grande e um órgão de armário foram vendidos numa rifa que se regulou pela lotaria da Misericórdia de Lisboa. No início de 1884, foi colocada a última pedra do frontão da igreja, onde, em Abril do mesmo ano, se implantou a cruz pontificial.
Quando, em Março de 1850, faleceu José Joaquim de Abreu, o Curandeiras, tesoureiro-mor da Colegiada, deixou em testamento à Irmandade “os dois quadros de S. Pedro e S. Paulo encaixilhadas em molduras lisas e douradas ambas iguais e de S. João Baptista com igual e semelhante moldura ou caixilho”. Estas pinturas encontram-se na sacristia da igreja.
A Basílica de S. Pedro de Guimarães testemunhou, ao longo do tempo, acontecimentos que ficaram na memória, de que daremos alguns exemplos.
Em 23 de Março de 1809, a igreja foi saqueada pelos franceses invasores que, no dia 13 de Maio seguinte, “encheram toda a Igreja de cavalos, como também a sacristia, e levaram vários ornamentos e toalhas e foram ao sacrário e quebraram o santo lenho”. Da Igreja, fizeram estrebaria e cozinha: “os altares apareceram cheios de milho e também toucinho, os caixões de guardar os paramentos cheios de milho e palha”.
Num domingo de Novembro de 1833, um frade franciscano de Braga, realista, inflamado disse missa nesta igreja. Em chegando ao Evangelho, proferiu uma prática que ficou registada num caderno de memórias (que João Lopes de Faria transcreveu), onde, “com o seu costumado esturro, disse mil impropérios contra D. Pedro e contra os constitucionais, chamando-lhes maçons, pedreiros-livres, etc., e indo a sair alguma gente, entrou a dizer que aqueles também eram dos tais”.
Um ano depois, com a mudança dos ventos políticos, sairia de S. Pedro “o retrato da rainha debaixo de um pálio, acompanhado pela Câmara e várias outras pessoas com tochas acesas, uma música a tocar hinos constitucionais e muito povo. Os morteiros e foguetes do ar eram tantos que causaram espanto a toda a gente”.
A Basílica do Toural era, no séc. XIX, local muito procurado para o enterramento dos defuntos dos grupos sociais mais proeminentes, com destaque para os religiosos. Em Março de 1869, recebeu os restos mortais do capelão de Santa Clara de Guimarães, Padre António José Vaz, que teve uma causa de morte bastante improvável: foi vítima de aparar um calo em um pé, em que fizera sangue.
Ainda há quem tenha memória de uma tragédia ocorrida na Basílica de S. Pedro no dia 1 de Dezembro 1942, por volta das 7 horas da manhã. Era terça-feira, dia de feriado. Quando, ao findar a missa, o Padre José Leite procedia à distribuição de pão pelos pobres, o soalho entrou em colapso, engolindo a multidão, que foi atirada para o estabelecimento vizinho, de Francisco Mourão. Contaram-se 10 mortos e muitos feridos.
A basílica de S. Pedro, que domina o Toural, permaneceu inacabada até aos nossos dias. Em vez das duas torres previstas, apenas uma foi construída. É nela que, desde 1938, o relógio-carrilhão vai contando o tempo à cidade.

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