Mostrador de 1914 do relógio municipal da torre da Oliveira. Detalhe de fotografia da colecção da Muralha, tirada entre 1914 e 1929. |
Em Outubro de 1884, os delegados de 26 países reuniram-se em Washington na International Meridian Conference, convocada com o propósito de fixar o meridiano que passaria a servir de referência para a orientação da navegação marítima em todo o mundo e para a unificação dos horários dos caminhos-de-ferro. A convenção final, que não contaria com o apoio de três dos países participantes – França, Brasil e San Domingo (a actual República Dominicana) –, dividiu o globo terrestre em 24 fusos de 15º, cada qual com a sua hora legal, fixando como meridiano principal a linha que passa pelo Observatório de Greenwich, na Grã-Bretanha, dividindo a Terra em Oriente e Ocidente. Portugal não esteve presente na conferência de Washington, nem subscreveu as suas conclusões, continuando a usar a hora local, que tinha como referência o chamado “meridiano de Coimbra” . Em 1911, após a implantação da República, Portugal aderiu à convenção de Washington, o que implicou o acerto dos relógios no último dia daquele ano, adiantando-os quase 37 minutos.
Ao
mesmo tempo, a hora oficial portuguesa passou a ser contada em 24
horas, em vez de duas vezes 12 horas, como até aí acontecia. Esta
mudança levantou um problema que se revelaria mais difícil de
resolver do que aquilo que se esperaria: os relógios que davam a
hora oficial tinham que ser adaptados para que pudessem bater as
horas que iam para além das 12. Se, até aí, para fazer soar
a primeira hora a seguir ao meio-dia bastava uma uma única
badalada (1 da tarde), agora teriam que ser treze, acrescentadas daí para
a frente, até às vinte e quatro. Em Guimarães, era o relógio
municipal instalado na torre da Colegiada que marcava a hora oficial.
Quem dele cuidava era o
relojoeiro João
das
Doutrinas,
que se viu em palpos de aranha para republicanizar o relógio
mecânico que vinha do tempo da monarquia.
A hora nova entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1912. Passaram-se os dias e as semanas, e não
havia meio do Doutrinas
conseguir acertar com a nova hora, com o povo à espera de ouvir as
24 badalas no sino do relógio da Oliveira. Muitos já se questionavam a competência do relojoeiro para afinar a máquina, quando,
finalmente, o relógio fez soar as 24 horas. Foi na noite de 4 de
Fevereiro de 1912. A surpresa foi tanta, que não faltaram as murmurações das más
línguas que insinuavam que não era o martelo do relógio, mas sim o
martelo do relojoeiro que, escondido na torre, fazia soar
compassadamente as 24 badaladas.
Fosse
como fosse, o velho relógio não se dava bem com as horas da
República. Umas vezes funcionava, outras nem por isso. Certo dia, quando devia dar as 22 badaladas, continuou por lá adiante,
23, 24, as 25, 50 e, os que as contaram. Dizem que só parou de martelar horas quando o Doutrinas
chegou para o silenciar. Já ia nas 830.
No
início de 1914, a Câmara, onde pontificava Mariano Felgueiras,
decidiu substituir o relógio por um novo, adequado ao novo tempo
republicano. Foi instalado em
Maio e logo se percebeu que, também ele, não era capaz de dar as 24
horas, por falta de corda. Ficou-se pelas doze, como no tempo da
monarquia. E lá continua, até hoje, o seu mostrador, com as 24 horas,
distribuídas em dois círculos: o exterior, em numeração romana,
com as primeiras doze (I a XII), o interior, em algarismos, mais
pequenos, com as outras doze (13 a 24).
E
lá
está, ainda hoje, na torre da igreja da Insigne e Real Colegiada de
Nossa Senhora da Oliveira, com as inscrições um tanto gastas, o
mostrador de relógio com as horas da horas da República.
A Colegiada da Oliveira, com o relógio republicano na torre. Fotografia da colecção da Muralha, tirada entre 1914 e 1929, de onde foi extraído o pormenor que abre este texto. |
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