A Basílica de S. Pedro. Na torre, os mostradores do relógio de Manuel Francisco Cousinha. |
O
sino de S. Pedro, agora, é formidável!
Ao
seu bronze o relógio imprima voz sentida
E
canta, fraccionado,
o hino memorável:
—
“Ó
Guimarães, o teu Progresso, a tua Vida”...
Pregão
das Festas Nicolinas de 1938, escrito
por Delfim
de Guimarães
Já
a torre de S. Pedro do Toural estava erguida há mais de cinquenta
anos quando a Câmara de Guimarães tomou em mãos a iniciativa de lá
colocar um relógio que faria funcionar um carrilhão e quatro grandes mostradores, indicando as horas na direcção
dos pontos cardeais. A decisão foi tomada em Junho de 1938 e, ainda o
mês não era terminado, nem o relógio estava adquirido, e já se
anunciava a intenção de o inaugurar por altura das Festas
Gualterianas daquele ano, que teriam lugar no início de Agosto e que que nesse ano estiveram em riscos de não se realizar, tendo a Câmara, recém-empossada, acabado por assumir a sua organização.
A
adjudicação da obra ao relojoeiro-fabricante Manuel Francisco
Cousinha aconteceu no dia 8 de Julho, a menos de um mês da data prevista para a sua inauguração. Dois dias depois, na sua edição de 10 de Julho, o Notícias de Guimarães anunciava que já se tinham iniciado as obras na torre de S. Pedro para a instalação do relógio.
O
relógio-carrilhão que a Câmara Municipal de Guimarães mandou
instalar no Toural, na torre desemparelhada da basílica de S. Pedro,
tem um inestimável valor patrimonial. O seu construtor, militar como posto de cabo, tinha feito
parte do Corpo Expedicionário Português que foi enviado para França
no decurso da Grande Guerra de 1914-1918. Depois de meses
na frente de batalha, teve direito a um período de descanso em
Morez, uma comuna do departamento de Jura que faz fronteira com a
Suíça e onde havia muitas oficinas de fabricantes de relógios. Foi
lá que o cabo Cousinha aprendeu os segredos da arte que seria a sua,
depois de terminada a guerra e da desmobilização.
Manuel Francisco Cousinha. |
A paixão pelos
relógios vinha-lhe da infância. Não tinha mais de 9 anos quando começou a
trabalhar, como ajudante, numa relojoaria da rua da Prata, em Lisboa.
Em 1930, fundou a empresa A Boa Construtora – Fábrica Nacional de
Relógios Monumentais, com sede em Almada. Concebeu, fabricou e
instalou diversos relógios-carrilhões, entre os quais aquele que seria considerado o maior carrilhão mecânico do Mundo, que construiu e instalou em 1947, na torre da Igreja da Nossa Senhora da Conceição, no Porto.
O
relógio-carrilhão mecânico do Toural, fabricado em 1938, é o mais
antigo do seu género em Portugal. É, também, o primeiro relógio de torre
com carrilhão criado por Manuel Francisco Cousinha. O seu mecanismo
accionava um carrilhão de quinze sinos e dava as horas ao som de
fragmentos do hino da cidade de Guimarães. Ao alvorecer, ao meio-dia e ao cair da
noite, tocava o Avé dos Pastorinhos de Fátima. Estava apto a executar qualquer hino ou música, o que requeria algum
trabalho de adaptação. Na instalação inicial, esse trabalho esteve a cargo do Padre Avelino Borda que foi, nas palavras de Manuel
Cousinha, um
poderoso auxiliar, conseguindo-nos a música adequada. Trabalhou sem
descanso. Não fosse ele, e não poderíamos, em tão pouco tempo,
concluir a nossa obra.”
O complexo mecanismo concebido pelo mestre Cousinha foi instalado a tempo das Festas da
Cidade daquele ano, cujo programa anunciava, para a abertura das
festividades, no sábado, dia 6 de Agosto:
Às
8 horas a CIDADE será despertada por uma salva de 21 morteiros,
girândolas de foguetes e os acordes do Hino da Cidade executado por
bandas de música e pelo bronze dos nossos Campanários.
E
lá ficou o relógio de S. Pedro a dar as horas, dia e noite, aos
cuidados do seu zelador, o carrilhador Artur Silva. Às vezes atrasava-se, parava, avariava, mas sempre voltava a funcionar. Em 1955, a Câmara mandou instalar
um dispositivo que o silenciou durante a noite, deixando de perturbar o sono de quemd ele se queixava. No início do século
XXI, a Câmara mandou instalar na torre de S. Pedro um motor para a
elevação dos pesos com que funcionava o mecanismo do relógio e um sistema de regulação
dos seus mostradores.
Até
que, na Primavera de 2002, a Irmandade de S. Pedro decidiu, intempestivamente, aposentá-lo,
substituindo-o por um sistema computorizado modernito, capaz de tocar 140 músicas diferentes. Sem aviso prévio ao seu proprietário, a Câmara Municipal de Guimarães, ou ao seu zelador, o senhor Artur Silva que, um dia, quando subiu a torre para dar corda ao velho relógio, foi surpreendido pela mudança.
E lá ficou, desde então, a enferrujar e apodrecer na torre de S. Pedro, um maquinismo com um valor patrimonial único e que ainda estava perfeitamente funcional quando decidiram desactivá-lo.
Nota: os dados biográficos de Manuel Francisco Cousinha foram obtidos na página da Internet da firma Cousinha, Lda.
[continua]
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