O maquinismo do relógio-carrilhão do Toural e o seu zelador, Artur Silva. Fotografia de Armindo Cachada. |
Na
Primavera de 2002, a máquina do relógio-carrilhão que, desde 1938,
marcava o tempo na torre da Basílica do Toural, foi desactivada e
substituída por
um moderno sistema computorizado. Os mostradores do relógio também
foram trocados por uns novos, com a inscrição Jerónimo
– BRAGA (marca da empresa A Fundição de Sinos de Braga, de Serafim da Silva Jerónimo & Filhos, Lda.).
A inovação
foi
iniciativa da Irmandade de S. Pedro, que se absteve de avisar o
proprietário do relógio que lá estava ao abrigo de uma escritura
de protocolo perpétuo, o Município, nem o seu zelador, Artur
Silva, que só tomou conhecimento da mudança quando foi dar corda
ao velho relógio, e
o encontrou todo
partido.
A notícia veio
numa reportagem de Armindo Cachada, publicada no dia 10 de Maio de 2002, no Jornal de Notícias, que a seguir se reproduz para que melhor se perceba o atentado patrimonial que então foi cometido.
numa reportagem de Armindo Cachada, publicada no dia 10 de Maio de 2002, no Jornal de Notícias, que a seguir se reproduz para que melhor se perceba o atentado patrimonial que então foi cometido.
A
fotografia que encima esta publicação, que mostra Artur Silva a
dar corda ao magnífico relógio-carrilhão concebido e instalado por
Manuel Francisco Cousinha em 1938, também é de Armindo Cachada.
Guimarães:
Computador rende relógio do Toural
Equipamento
instalado em 1938 para gerir carrilhão de 15 sinos corre o risco de
ficar a apodrecer no alto da torre património mundial
Na
igreja de S. Pedro do Toural, cuja fachada ostenta, orgulhosamente,
as armas da cidade de Guimarães e os dizeres “Património
Mundial”, o antigo relógio mecânico da torre, ali colocado em
1938, pela Câmara Municipal, para gerir um carrilhão de 15 sinos,
acaba de ser substituído por material computorizado, com capacidade
para tocar cerca de 140 músicas.
Surpreendida
com a atitude da Irmandade de S. Pedro, efectuada sem prévio aviso,
a Câmara pediu explicações aos responsáveis da instituição, já
que, recentemente, foram gastos cerca de seis mil euros
com a beneficiação daquele equipamento, designadamente, um motor de
elevação de pesos e um relógio para regular a iluminação dos
mostradores.
Zelador
ignorado
Também
o zelador do relógio, Artur Silva, que há mais de 40 anos foi
nomeado, pela Câmara, para cuidar tecnicamente do equipamento,
criticou a forma como a Irmandade desligou o relógio mecânico dos
sinos da igreja, deixando-o inutilizado.
“Há
um mês, quando ia dar corda ao relógio, encontrei-o todo partido.
Os cabos dos pesos estavam cortados, os martelos inutilizados, no
lixo, e os tirantes de toque dos sinos desligados. Sou o responsável
do relógio e ninguém me disse nada”, contou.
Nas
explicações enviadas à Câmara Municipal, e confirmadas pelo
tesoureiro da instituição, António Ferra, a Irmandade justifica a
intervenção no relógio com duas razões: falta de sineiros para
fazer funcionar o carrilhão, que há 15 anos deixara de tocar
qualquer melodia, incluindo o Hino da Cidade; e questões de
segurança, já que os cabeçalhos e vigas de suporte dos sinos
estavam em mau estado e os vidros dos mostradores do relógio estavam
partidos, em perigo de queda.
“Achamos
que, agora, a cidade de Guimarães se encontra mais bem servida, com
horas certas para as pessoas que passam no Toural e porque, agora, o
carrilhão pode tocar cerca de 140 melodias diferentes, quando antes
só tocava aos quartos de hora, accionado pelo relógio mecânico”,
disse fonte da Irmandade.
Instalado
em 1938, pelo relojoeiro Manuel Francisco Cousinha, de Almada, aquele
equipamento foi considerado o primeiro e único relógio-carrilhão
do género existente, à data, no país. Tocava partes do Hino da
Cidade, aos quartos e meias horas, e o “Ave” ao alvorecer,
meio-dia e anoitecer.
Qualquer
melodia
Além
disso, o carrilhão, de 15 sinos, tocava qualquer melodia que o
carrilhanor Ribeiro, na altura, sineiro titular da Igreja de S.
Pedro, quisesse fazer ressoar.
A
montagem do relógio na Torre da igreja do Toural foi acordada entre
a Câmara e a Irmandade de S. Pedro, de forma “perpétua”,
custeando a Câmara todos os custos de instalação.
Apesar
de desactivado, o mecanismo encontra-se em perfeito estado de
funcionamento, bem oleado e com um grau de fiabilidade que lhe dá
uma margem de, apenas, alguns segundos de erro por mês, segundo o
relojoeiro Artur Silva. Ferrugem é a maior inimiga da engenharia
mecânica.
“Qualquer
igreja ficaria orgulhosa de ter, na sua torre, um equipamento
destes”, considera o zelador do relógio, Artur Silva, admirando-se
que Guimarães, com a recente distinção de símbolo cultural da
humanidade, atente assim contra o seu património.
O
reparo é feito, sobretudo, tendo em conta, como refere, o ocorrido
com o equipamento da Colegiada da Oliveira, desactivado em 1985 e
substituído por material electrónico. O relógio é uma maravilha
da engenharia mecânica, mas, hoje, infelizmente, encontra-se
completamente enferrujado e a servir de ninho às pombas que invadem
a torre românica da igreja.
Na
altura, já Artur Silva se mostrara indignado com o tratamento dado a
esse relógio, montado no alto da torre da igreja da Colegiada, em
1914, em substituição de equipamento mais antigo que associava o
relógio aos sinos da Colegiada, para levar aos vimaranenses o toque
anunciador das grandes solenidades. Ao ver o estado em que tinham
deixado o velho relógio, Artur Silva não pudera conter o desabafo:
“olhe para isto... até me dá pena... dei assistência a este
relógio durante mais de 30 anos e, agora, fazem-me isto...é um
crime”.
Os
dois relógios, pertença da Câmara, encontram-se, agora,
desactivados, esperando, Artur Silva, que aquela encontre uma forma
de os retirar dos locais onde se instalam e proceda ao seu tratamento
museológico, se não se encontrar outra forma de os manter a
funcionar.
Armindo
Cachada, in Jornal
de Notícias, 10
de Maio de 2002
[continua]
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