A Praça

A Praça da Oliveira (pormenor da planta de cerca de 1569, Guimarães da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro). Repare-ne na oliveira, no Padrão, no tanque-chafariz, encostado à torre do sino e do relógio, no pelourinho, em frente à Casa da Câmara, e na legenda: A Praça.

Nestes últimos tempos, por mais do que uma vez, me têm chegado sinais de desagrado por insistir em dizer que é uma praça o espaço de Guimarães que sempre conheceram por Largo da Oliveira. Permitam que explique a minha insistência, a partir de duas perspectivas: a da forma e a da História.
Começando pela forma: o que é uma praça? O que é um largo?
Segundos os dicionários, como já aqui se escreveu antes, o vocábulo largo, atribuído a um, sítio específico do território urbano, designa, por definição um “espaço desimpedido numa povoação, mais amplo que as ruas que nele desembocam, e menor, geralmente, que uma praça”, enquanto que uma praça é um “lugar público, grande largo, geralmente rodeado de edifícios, para embelezamento de uma cidade, vila, etc., e como meio higiénico para melhor circulação do ar e plantação de árvores” (definições colhidas no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado).
Como se vê, o que distingue um largo de uma praça é, principalmente, a dimensão: um largo é uma praça pequena.
Será a Oliveira uma praça pequena?
A Oliveira é um dos espaços públicos menos alterados desde que há memória da configuração do espaço urbano de Guimarães. É verdade que já foi maior, antes das fachadas dos edifício que a circundam pelos lados do Poente e do Norte terem dado um passo em frente e engolido as alpendradas que lá existiam, visíveis no ponteado do pormenor da planta quinhentista que acompanha este texto (só se salvaram os alpendres das casas que estão por trás do Padrão, no prolongamento da rua da Rainha), mas será manifestamente exagerado dizer que essas pequenas alterações diminuíram assim tanto a praça, reduzindo-a à condição, menos nobre, de largo.
Por outro lado, para além da dimensão, o conceito de praça também decorre do uso que é dado ao espaço. A Oliveira corresponde ao que, nas cidades de Espanha, se chama de Plaza Mayor, nas de Itália, de Piazza Maggiore, para definir o centro cívico, ponto de encontro dos cidadãos, circundado por edifícios públicos emblemáticos. Não é por acaso que a esta praça de Guimarães se chamou, durante séculos, a Praça Maior, nela se reunindo as sedes e os símbolos dos diferentes poderes, religioso, na Colegiada, político, na Casa da Câmara, judicial, na Casa das Audiências, contígua à Câmara, e estavam implantados o pelourinho, a torre dos sinos, o relógio, o tanque-fontanário.
Início do capítulo 86.ª das Memórias ressuscitadas da antiga Guimarães, do padre Torcato Peixoto de Azevedo (1695).
Por outro lado, do ponto de vista da História, nos muitos séculos que aquela praça já leva, sempre se chamou Praça, embora variassem os vocábulos que lhe completavam o nome: no princípio, Praça da Vila de Guimarães ou Praça de Santa Maria, mais tarde, e consistentemente a partir do século XV, Praça da Senhora da Oliveira ou Praça da Oliveira. Ou, simplesmente, como vemos na planta mais antiga da cidade de Guimarães, do início da segunda metade do século XVI, A Praça. São incontáveis as vezes em que a encontrámos identificada como a praça de Guimarães.
A partir de finais do século XIX, deram para lhe chamar Largo da Oliveira, assim como ao Toural, que também é uma praça, passaram a chamar Largo do Toural, e até ao Campo da Feira, que é um campo, passaram a chamar Largo da República do Brasil. E, vai daí, em Guimarães, onde não havia rua ou travessa, passámos a ter, somente, largos, inovação toponímica a que que só terá escapado a Praça de S. Tiago (embora algum dia também a tivessem chamado de Largo 13 de Fevereiro).
Não é por lhe chamarem Largo da Oliveira que a Oliveira deixou de ser uma praça.
E, como não dá muito jeito chamar-lhe praça do Largo da Oliveira, continuarei a dizer como sempre disse:
– Vou à Oliveira.

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