As Gualterianas são festividades genuinamente populares e
urbanas. O seu epicentro físico situava-se, tradicionalmente, entre o Toural
e o Campo da Feira. No entanto, tinha na sua natureza contornos de uma genuína ruralidade que, por aqueles primeiros dias de cada mês de Agosto,
invadia a cidade, como costumava acontecer no tempo em que a romaria
de Agosto era uma feira de gado com arraial. A dimensão rural
sobressaía especialmente aquando do Cortejo do Linho.
As
imagens que aqui se mostram, encontradas pelo meu amigo Nuno
Saavedra, numa página de coleccionismo da internet
(www.delcampe.net), são do
Cortejo do Linho de 1949, que saiu às ruas da cidade no domingo, dia
7 de Agosto. Para que melhor se percebam, transcrevemos a reportagem
do saudoso Notícias de Guimarães
sobre aquele número das Gualterianas de 1949.
Do Cortejo do Linho de 1949 há também um pequeno vídeo, já publicado pelo Nuno Saavedra.
[Com Nuno Saavedra]
Cortejo do Linho
O dia de domingo surgiu límpido, o Sol não tardou a espalhar, na terra e nas almas, a alegria da sua luz. O movimento animou-se e, dentro em pouco, vindos de toda a parte, chegavam os forasteiros aos milhares. Veículos de toda a espécie, predominando os automóveis, entravam em Guimarães pelai diferentes estradas de acesso. Os templos encheram com fiéis que não quiseram perder a missa. A gente do campo, nos seus trajes característicos, com lenços verdes e vermelhos, estava numerosamente representada. As moças e as velhas, muitas delas ostentavam grossos cordões de ouro cora moedas emolduradas em cercaduras caprichosas.
Às 11 horas, no Toural, há já uma multidão imensa, variada e curiosa, que se prepara para ver desfilar o Cortejo. E instante a instante, o povo aumenta, cresce, apinha-se, na busca do melhor lugar. As sacadas dos prédios estão repletas. O tempo corre célere. É meio-dia — dado nas torres das igrejas. Mais uns momentos e dos lados do Jardim Público aparecem os primeiros figurantes da parada folclórica. O Cortejo surge, enfim, e todos afinam a atenção, para não perderem um pormenor da sua composição. Chamam-lhe o “Cortejo do Linho”, e até lhe dedicaram um poema, em quadras lindas, expressivas, que um Poeta vimaranense escreveu numa hora de amor e inspiração.
Os teus martírios, ó linho,
Vou num Poema cantar:
Doa campos, já madurinho,
Os boléus que te vão dar!...
As quadras não ficam por aí. Mas a que reproduzimos dá, como síntese, a sentido do Poema.
À frente quatro soldados da Guarda Republicana, a cavalo, logo seguidos da banda das Oficinas de S. José, cujos executantes, rapazes adolescentes, envergam fatos brancos, à marujo.
É, digamos, o prelúdio do “Carro da Cidade”, que logo se destaca, numa representação arquitectónica do Castelo de Guimarães, vendo-se na frente do veiculo, em circulo, a cabeça do Rei Fundador, um medalhão que é a cópia do que figura no Castelo.
No alto, empunhando a bandeira da cidade, uma linda rapariga, de cabelos soltos, expressão luminosa de candura e mocidade — a menina Maria de Lourdes Pinheiro Martins.
Deslizam, à retaguarda do veículo. centenas de lavradeiras com cestos de flores, caras risonhas e alegres, vozes argênteas que cantam cantigas da aldeia— de saborosa toada minhota. Não falta a festada, com violas e cavaquinhos — homens e mulheres cantando ao desafio.
O segundo carro é puxado a bois — conduzidos à soga por uma boieira juvenil. É o “Carro do Arado” — e lá no alto dois corpulentos cornúpetos puxam o arado que um mocetão dirige, na retaguarda. É o trabalho da terra que faz suar os animais e os homens. “Ganharás o teu pão com o suor do teu rosto”, e a sentença bíblica cumpre-se alegremente, porque só o trabalho dá alegria.
Atrás, outro grupo numeroso, de lavradeiras e lavradores, com enxada ao ombro, e outros instrumentos do labor agrícola.
O “Carro do Linho”, que vem agora, é simples e maninho: é um carro de lavoura, tirado por três juntas de bois. Representa o transporte do linho para o moinho, e seguem-no dezenas de mulheres com cestas de linho à cabeça, e outra festada, que isto no Minho é numero obrigatório, por tradicional. Os que a constituem cantam e dançam, como se estivessem na sua aldeia.
A espadelada é representada por um carro motorizado, sobre o qual a faina típica é desempenhada, a sério, por uma dúzia de caras bonitas — em trajes berrantes. As lavradeiras, a pé, cora espadelas, acompanham o veículo; e a festada culmina a função.
O carro da Roca, com o fiar do linho, o carro da Dobadoura, o Carro do Tear, e, finalmente, o Carro das Bordadeiras, completam o Cortejo. Cada um deles tem a sua significação: é o fiar, é o dobar, é o tecer do linho, e é o linho confeccionado, era peças, demonstração de uma evolução que é também um calvário. E cada carro, com seu pessoal, sua festada, dir-se-ia um poema de trabalho fecundo. A brada de música fecha o Cortejo magistral. A multidão que enche as ruas aplaude. E as raparigas que vão no Cortejo, animam-se, cantando e bailando, como em plena romaria. Uma apoteose! Um êxito, este Cortejo do Linho! Um êxito digno das Festas Gualterianas!
Notícias de Guimarães, 14 de Agosto de 1949
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