A rua de Santa Maria em meados do séc. XX. Fotografia partilhada no Facebook por José Castelar. |
É
antiga, em Guimarães, a preocupação com a preservação da pureza
arquitectónica dos edifícios antigos, em particular da sua zona
designada como medieval. Em 1955, o ministro das Obras Públicas,
eng.º Arantes e Oliveira, na sequência de uma visita a Guimarães,
assinou um despacho referente ao “Arranjo da Zona Antiga de
Guimarães” e determinou um projecto ambicioso de recuperação do
tramo mais a sul da rua de Santa Maria Santa Maria, abrangendo, nas
suas traseiras, a viela dos Açoutados, incluindo o edifício voltado
para para a Praça da Oliveira que remata aquelas duas artérias. O
projecto inicial previa a intervenção em 11 edifícios e a
construção de 34 habitações destinadas aos moradores que seriam
desalojados pelas obras, numa operação que, segundo quem a gizou,
permitiria “processar o saneamento moral e social de uma muito
infestada zona de que serão deslocadas autênticas colmeias
humanas”.
A
concepção do projecto foi entregue ao arquitecto consultor da
Câmara de Guimarães Alberto Silva Bessa. O anteprojecto foi tornado
público no início de 1971, envolvendo 9 edifícios, “todos de
traça arquitectónica de eras idas” (entretanto, a Câmara tinha
iniciado o processo de expropriações), prevendo a criação de 10
habitações, com entradas pela viela dos Açoutados, 5
estabelecimentos comerciais, voltados para a rua de Santa Maria, uma
residencial, com 10 quartos e 6 suites, e um restaurante.
A
intervenção proposta pelo arquitecto Silva Bessa obedece a
princípios muito distintos daqueles que, a partir do final da década
de 1970, serão pensados pelo arquitecto Fernando Távora para a
requalificação do Centro Histórico de Guimarães. Estabelecia que
“algumas paredes já desaprumadas, terão de ser apeadas e elevadas
novamente”, além de “uma rectificação das cérceas que se
fixam em rés-do-chão e dois andares”, o que implicaria
acrescentar um andar a duas casas térreas e remover o terceiro andar
a uma outra, e a utilização de “sistemas construtivos actuais,
devidamente estudados para que a sua existência não se manifeste de
modo algum, especialmente no exterior, cujas características de
acabamento serão cuidadosamente conservadas e restauradas na sua
feição original”.
A
obra seria feita. A residencial e o restaurante inicialmente
previstos foram fundidos, dando origem à Pousada de Nossa Senhora da
Oliveira, já extinta e substituída por um hotel.
A
memória descritiva do anteprojecto de Silva Bessa, que transcrevemos
a seguir, foi publicado no Notícias de Guimarães de
16 de Janeiro de 1971, de onde a reproduzimos.
Intervenção na rua de Santa Maria e na viela dos Açoutados – memória
descritiva e justificativa.
— “Para
cumprimento do despacho de Sua Excelência o Ministro das Obras
Públicas, exarado em 26-11-55, e relativo ao “Arranjo da Zona
Antiga de Guimarães”, pretende Câmara Municipal, no louvável
intuito de conservar um património arquitectónico de incalculável
valor, – e que, doutro modo, desapareceria a curto prazo, — não
só restaurar e valorizar os prédios implantados no quarteirão
definidos pelo Largo da Oliveira, Rua de Santa Maria, Travessa dos
Açoutados e Praça de S. Tiago, — prédios que, no sua maioria,
foram já expropriados para esse fim — mas ainda rever as suas
condições de habitabilidade de modo a que os seus utentes desfrutem
das condições de higiene, salubridade, conforto e comodidade,
exigíveis na época actual.
O
quarteirão de que estamos tratando integra-se no núcleo mais
característico e representativo da Zona Antiga da cidade, junto à
Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, Antigos Paços do Concelho e
Padrão Comemorativo da Batalha do Salado, classificados “Monumentos
Nacionais”, e os nove prédios que o constituem, todos de traça
arquitectónica de eras idas, encontram-se em muito mau estado de
conservação, e alguns, até em más condições de estabilidade.
Impõe-se portanto, e para além de todas as obras de valorização e
adaptação, uma revisão cuidada de todos os elementos das
estruturas, sendo certo que algumas paredes já desaprumadas, terão
de ser apeadas e elevadas novamente.
Para
a valorização do conjunto propõe-se, para além das evidentes
obras de restauro e conservação das fachadas, uma rectificação
das cérceas que se fixam em rés-do-chão e dois andares, altura
dominante no quarteirão e a que mais se coaduna com as
características dos arruamentos onde se situam. Assim, a dois
prédios acrescenta-se um andar, a outro eliminar-se-á um 3.º andar
e um sótão, como se verifica comparando os desenhos das fachadas
existentes com aquelas que contém as alterações propostas.
O
programa de aproveitamento dos edifícios foi elaborado de acordo com
a Câmara Municipal, e compõe-se de: um Restaurante, uma
Residencial, pequenos estabelecimentos destinados, em princípio, à
venda de artigos de artesanato e habitações cujas rendas foram
fixadas entre 1.000$00 e 1.700$00 mensais.
O
Restaurante situou-se ao nível do rés-do-chão, no topo Nascente do
quarteirão, voltado ao Largo da Oliveira, onde se encontram os
Monumentos Nacionais já mencionados, como tudo aconselhava. Além do
restaurante propriamente dito, situar-se-á a este mesmo nível um
vestíbulo de entrada, com serviço de bengaleiro e instalações
sanitárias para ambos os sexos, uma pequena sala de estar e espera e
um bar; numa zona de serviço, com entrada pela Travessa dos
Açoutados, colocaram-se a cozinha, copas, despensa do dia,
instalações sanitárias do pessoal e o acesso vertical a uma cave a
abrir sob esta zona e onde ficarão instaladas as despensas,
garrafeiras, vestiários do pessoal e arrumos.
Sobre
a zona do Restaurante e ocupando os dois andares de quatro prédios,
instalou-se a Residencial, com entrada principal pela Rua de Santa
Maria. Em rés-do-chão, além do vestíbulo com os serviços de
recepção, instalou-se uma pequena dependência destinada ao
porteiro da noite e um gabinete para a gerência com antecâmara do
espera, e, voltada à Travessa dos Açoutados, uma zona de serviço
com cozinha para pequenos almoços, ligada às copas dos andares por
um “monta-pratos”, sala de tratamento de roupas e rouparia,
vestiários e sanitários do pessoal.
Em
cada andar instalaram-se cinco quartos com quarto de banho e pequeno
armário-cozinha (que será dotado de pia de aço inoxidável, fogão
com um ou dois discos, pequeno frigorífico, algumas prateleiras e
gavetas, que permitirá, aos hóspedes, confeccionarem refeições
ligeiras), e três suites, compostas de sala, quarto de cama, quarto
de banho e do armário-cozinha, um total portanto de 10 quartos
simples e 6 suites; uma sala de estar e de receber, junto ao hall
e uma zona de serviço com copa e rouparia, em cada piso, completam
este programa.
Os
acessos verticais são realizados com um ascensor e uma escada, que
servirá de apoio ao acesso principal o funcionará como escada de
serviço.
Nos
restantes prédios instalaram-se cinco habitações em cada andar, 0
que totaliza dez habitações, e, no rés-do-chão, cinco
estabelecimentos comerciais, com as respectivas instalações
sanitárias.
O
acesso às habitações far-se-á pela Travessa dos Açoutados, pois
entendeu-se ser a Rua de Santa Maria a que possui melhores condições
para os estabelecimentos comerciais previstos.
Consideram-se
seis habitações compostas de sala comum, com zonas de estar e de
refeições, cozinha, despensa e zona íntima com dois quartos de
cama e banho; duas habitações com o mesmo programa, mas com três
quartos de cama na zona íntima e ainda duas habitações
“apartamento”, com sala-quarto, banho e armário-cozinha.
Nas
áreas de todos os compartimentos foram respeitadas as dimensões
impostas pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas em vigor,
mas, quanto aos pés-direitos, em alguns casos, as dimensões
existentes estão abaixo dos mínimos estabelecidos nesse
Regulamento.
Foi
preocupação dominante conservar as paredes de estrutura dos prédios
e os níveis dos vários pavimentos até para que, no interior como
no exterior se sinta tratar-se dum aproveitamento e duma adaptação
de prédios antigos a uma problemática actual.
Nos
trabalhos a encarar de restauro e conservação da conjunto a
recuperar, utilizar-se-ão sistemas construtivos actuais, devidamente
estudados para que a sua existência não se manifeste de modo algum,
especialmente no exterior, cujas características de acabamento serão
cuidadosamente conservadas e restauradas na sua feição original.
Com
base nas áreas de construção a realizar, a restaurar e a
reconstruir, pensa-se que esta iniciativa mobilizará a ordem dos
7.000.000$00 (sete milhões de escudos, sendo 4.000.000$00 (quatro
milhões de escudos) destinados a Residencial e Restaurante, que
constituirão a 1.ª fase da obra, e os restantes 3.000.000$00 (três
milhões de escudos) às habitações e estabelecimentos comerciais.”
Arq. Alberto Silva Bessa, 1971
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