Memórias Paroquiais de 1758: São Paio de Vizela


S. Paio de Vizela é a terra da romaria dos tremoços, dedicada a S. Gonçalo, a 10 de de Janeiro. Conta o Abade de Tagilde que, na véspera, eram colocados, num carro, junto ao cruzeiro da freguesia, 20 alqueires de tremoços e vinho. S. Gonçalo, o próprio, que nasceu na Vizinha Tagilde, foi abade de S. Paio de Vizela. Diz-nos Martins Sarmento que os tremoços eram "só cozidos, não curtidos", sendo usados como projécteis num "tiroteio".
Desta freguesia, que agora pertence ao concelho de Vizela, só temos o resumo da memória paroquial. Mas não temos falta de informação, já que reproduzimos o que se publicou no Portugal Antigo e Moderno, dicionário geográfico iniciado por Pinho Leal e continuado por Pedro Augusto Ferreira.

São Paio de Vizela
Vizela
Vizela é outra aldeia e paróquia do termo e comarca de Guimarães. O seu povo consta de 107 fogos, com 330 almas de sacramento na matriz dedicada a S. Paio.
“Vizela, São Paio de” Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, vol. 43, n.º 514, p. 568
[A seguir: Santo Adrião de Vizela]


São Paio de Vizela no Portugal Antigo e Moderno
VIZELA (S. Paio) —freguesia do concelho e comarca de Guimarães, dístricto e diocese de Braga, província do Minho, pertencendo antes de 1882 ao arciprestado de Barrosas e boje ao de Guimarães, de onde dista 8 kilometros e de Vizela 6.
Era abadia da mitra e tem actualmente 128 fogos. A Corografia Port, deu-lhe 60. Não vem mencionada nas Memórias ressuscitadas da Antiga Guimarães, sem dúvida por esquecimento, pois já era freguesia desde longa data e a referida obra dela fala repetidas vezes.
O orago é S. Paio ou Pelágio mártir, que se comemora a 26 de Junho.[1]
Confina ao norte com as freguesias de Gémeos e S. Cristóvão de Abação; sul com as de S. Jorge de Vizela e Regilde; nascente com as de Gémeos e Vila Fria; poente com as de Tagilde e S. Faustino de Vizela.
O documento mais antigo que conheço, em que se fala desta freguesia, é do ano de 1182 (era de 1220) pois as inquirições deste ano dizem que a ordem da Malta possuía aqui 3 casais e meio. O meio casal restante era leprosorum Vimarañ, — da gafaria, ou hospital dos leprosos, de Guimarães.
As aldeias mais povoadas desta freguesia são: Penso, Barroco e Subcarreira; as quintas principais: Vinho, de Manuel Leite Faria de Oliveira; Subribas, de D. Maria Antónia de Melo Freitas e Castro; Vilalva, do bacharel Joaquim Coelho, de Souzela.
A igreja paroquial é um templo singelo e muito acanhado, mas muito antigo, sendo a porta principal de arco de volta inteira. Tem 3 altares: mor, Nossa Senhora do Rosário e S. Gonçalo e um oratório com a imagem de Coração de Jesus, recentemente erecto e que veio ainda tornar mais acanhadas as dimensões do pobre templo.
A última obra mais importante feita na igreja data de 1855, ano em que foi retelhada, campada e forrada; em 1857 foi pintada e em 1858 foi feito o altar-mor que custou 100$000 réis.
Houve nesta freguesia (só restam as paredes) uma capela particular, dedicada a Santo António, pertencente à casa de Subribas e de que era administrador em 1708 o capitão João Leitão de Mesquita, que a 22 de Julho daquele ano registou a escritura da fábrica no Livro 15.º do Registo das Capelas, em Braga, a folhas 440 v. Devia, pois, ter sido edificada pouco antes.
Este mesmo capitão em 1709 alcançou licença para ali se dizer missa. Também solicitou permissão de sepultura, o que lhe não foi concedido.
Há na igreja uma confraria única, — a do S. S. Sacramento, tendo havido outras que se extinguiram.
É celebre a romaria de S. Gonçalo, precedida da costumeira dos tremoços na véspera à tarde, 9 de Janeiro. Um carro de tremoços curtidos, postado junto ao cruzeiro da freguesia, é distribuído pelo povo e juntamente uma boa porção de vinho. Quanto mais brioso é o juiz da festa, mais tremoços e vinho dá.
*
A melhor casa de habitação é a de Carral, modernamente reconstruída e pertencente ao sr. Quirino da Costa Vaz Vieira. A casa de Subribas embora arruinada, também merece menção, por ser bastante espaçosa e muito antiga.
Limita esta paróquia o Vizela, que tem um pontilhão no lugar da Senra. Passa também aqui um ribeiro, cujas águas são distribuídas para rega dos campos marginais.
Produções dominantes: — cereais, legumes e óptimo vinho verde, que produz a quinta denominada Vinho.
É muito apreciado em todo o concelho.
O cruzeiro denota muita antiguidade. É de pedra e tem a imagem de Cristo mal esculpida e toscamente pintada a roxo rei em 1858. Antecedem-no e seguem-no cruzes de pedra que vão terminar numa elevação próxima, denominada Calvário, sítio aprazível com extenso e formoso panorama, cuja belíssima situação, invocada como a melhor da ribeira, serviu em 1736 para os fregueses alcançarem do Visitador licença in perpetuum para fazerem suas procissões.
Entre os factos notáveis desta freguesia mencionaremos os seguintes:
Visita do arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles em 1 de Junho de 1709.
Erecção do Sacrário e colocação do, S. Sacramento pelos anos de 1713 a 1714.
Colocação da imagem de Nossa Senhora da Lapa em 1759.
Dádiva da estola rica de S. Gonçalo, feita no Rio de Janeiro e dada em 1860 por Francisco José Gomes da Silva, que viveu na freguesia de Nespereira.
Reforma da residência paroquial em 1869.
Colocação da imagem do Sagrado Coração de Jesus. No dia 28 de Outubro de 1884 foi esta imagem solenemente benzida junto ao alto de S. Simão, próximo da igreja paroquial de Santa Eulália de Pentieiros, sendo oficiante o arcipreste do distrito eclesiástico de Guimarães. Celebrada missa em altar ad hoc em presença de enorme multidão de povo, talvez 6000 pessoas, foi a imagem conduzida processionalmente através das freguesias de Pentieiros, Abação (S. Tomé e S. Cristóvão) e Gémeos, acompanhada de 13 andores com as imagens dos Padroeiros das quatro mencionadas freguesias e das de Calvos, S. Faustino, S. Paio, S, Jorge (todas de Vizela), Tagilde, Vila Fria, Regilde e algumas outras imagens, entre as quais a de S. Gonçalo, outrora abade desta paróquia, e que do céu devia contemplar benigno a piedade do seu sucessor e dos descendentes daqueles a quem pastoreou. O caminho atapetado de flores; arcos triunfais levantados de espaço a espaço; cinco bandas marciais; inúmeros foguetes; as irmandades das freguesias que acompanhavam; o clero e o povo tornaram este acto soleníssimo e de inolvidável recordação, acto que findou com muito e variado fogo de artifício, queimado à noite, e brilhante iluminação em todas as freguesias da ribeira.
Por voto antigo cumpre esta paróquia 13 clamores, hoje todos na igreja, mas outrora dirigiam-se aos seguintes lugares: 1.º a Santa Catarina da Serra, na 1.ª sexta-feira de quaresma; — 2.º a S. Romão de Mesão Frio, na 2.ª sexta-feira; — 3.º a Nossa Senhora do Castro, em Santo Adrião de Vizela, na 3.ª sexta-feira; — 4.ª ao Cruzeiro da freguesia, no 1.º domingo da quaresma; — 5.º ao Salvador, em Guimarães, no dia de Nossa Senhora dos Prazeres; — 6.º a S. Tiago Novo, a 16 de Abril, devendo o juiz da freguesia dar de beber às pessoas que fossem; — 7.º a S. Gonçalo de Amarante, a 23 de Abril; — 8.º a S. Pedro de Azurém, no 3.º dia das ladainhas;— 9.º a Nossa Senhora da Lapinha, no dia de S. Marcos, 23 de Abril; —10.º à mesma Senhora, a 11 de Junho; — 11.º ao Cruzeiro, a 26 de Junho; — 12.º a S. Bartolomeu em Pombeiro, a 24 de Agosto; — 13.º a Nossa Senhora do Castro, a 29 de Setembro.
Também se celebrava o cerco ou ronda de S. Sebastião, cuja licença foi renovada em 1715. [2]
Abades desta paróquia. Encontrámos notícia dos seguintes:
V. S. Gonçalo. Amarante, vol. 1.º pág. 188 e 238, col. 2.ª, e Santos portuguezes, vol. 8.º pág. 622. E, aproveitando o ensejo, rectificaremos o que, sem dúvida por falsas informações, o meu antecessor disse no tomo 1.º pág. 238, QQ, artigo Arriconha.
Neste lugar existe uma capela, mas não foi fundada pelo santo nem é dedicada a Nossa Senhora. É dedicada ao dito S. Gonçalo e foi fundada em 1657. Na fachada tem as seguintes inscrições (lado esquerdo): — Esta ermida se fez com esmolas de devotos, sendo agentes os Padres Bento de Carvalho e Francisco Fernandes. Era de 1651. — (lado direito): Nesta aldeia acima nasceu S. Gonçalo de Amarante.
Seguiu se por abade o sobrinho de S. Gonçalo, que por malas artes adquiriu a abadia. Vid. o citado volume.
Segundo uns apontamentos manuscritos, que deixou o P. Torcato Peixoto de Azevedo, autor das Memórias ressuscitadas da Antiga Guimarães, seguiu-se por abade fr. Estêvão Giães, frade franciscano de Guimarães, o qual depois paroquiou Tagilde. O sobrinho do santo renunciou neste.
Fernão Leitão, abade em 1549. A 13 de Maio fez o tombo da igreja.
O dr. Jorge Vieira. Foi aqui abade, sendo provido pelo arcebispo D. fr. Agostinho de Jesus, que governou a arquidiocese desde 1588 a 1609. Este abade foi desembargador da Relação eclesiástica de Braga e instituidor de um morgado na freguesia do Salvador de Briteiros, deste concelho de Guimarães, morgado que nomeou em seu irmão Francisco Vieira de Andrade.
Francisco de Sousa. Foi abade pelos anos de 1662 e, conforme se lê no Tombo dos Legados da Misericórdia de Guimarães, deixou a esta corporação o casal de Carral Telhado, sito nesta freguesia, com a obrigação de 24 missas anuais por sua alma.
Dr. João Marques da Silva, abade em 1700.
Seguiram-se os seguintes:
António da Graça Lopes.
Francisco da Costa Lemos.
Pedro da Costa Lemos.
Luiz Manuel Alvares Torres, encomendado.
Rodrigo Vieira Borges de Campos.
José Luís de Carvalho Pinheiro e Araújo.
Manuel Álvares de Araújo Pranto. Encomendado.
Rodrigo António Leite. Encomendado
José Manuel Teixeira Moreira, natural de Basto, falecido a 4 de Janeiro de 1872.
Muito respeitado pelas suas virtudes, não só pelos paroquianos como por todos, faleceu com fama de santidade, ofertando-lhe ainda hoje os povos, velas, etc., como ex-votos, e atribuindo-lhe milagres.
António José Gonçalves da Silva, encomendado, natural de Santa Marinha de Vilar, em Terras de Bouro, filho de José Luís Gonçalves da Boavista e de Rosa Simões. Nasceu a 8 de Agosto de 1832; ordenou-se de presbítero em Lamego com dimissórias de D. Pedro Paulo, a 22 de Setembro de 1855; foi encomendado em Santa Eulália de Balasar (Póvoa de Varzim) em 1859; em Matamá (Guimarães) em 1868, e — tomou posse aqui em Janeiro de 1872. Este pároco tornou-se benemérito pelas dádivas feitas à igreja. Deu-lhe um paramento completo para as festas, que custou 130$000 réis; uma cruz, caldeira, campainha e vaso para a água, o que tudo custou 22$500 réis; mandou fazer de lousa o soco da igreja; reformou as escadas do púlpito e fez o oratório do padroeiro, o que tudo custou réis 100$000. Foi pároco até 22 de Dezembro de 1885.
João José de Moura.
É o pároco actual, encomendado.
Os 3 paroquianos mais importantes desta freguesia são:
— Manuel Leite de Faria Oliveira, José Joaquim Simões de Sampaio e José Dias Teixeira de Gouveia.
*
Entre os usos particulares desta freguesia são notáveis os seguintes, de que não conheço exemplo em outra qualquer freguesia deste concelho. Acham-se mencionados no Livro dos Usos por estas palavras:
“Há nesta freguesia costume antiquíssimo de se fazerem rezas ou orações no tempo da quaresma nos domingos, depois da missa conventual, a que deve assistir uma pessoa de cada casa. Estas orações constam de 12 rodas, que se podem rezar todas no mesmo domingo, ou seis cada domingo. O modo de as rezar é um P. N. e uma A. M. por cada cabeceira de cada casa que fizer fogo, seja homem seja mulher, aplicando desta forma: —pela vida e acrescentamento de F... correndo os fogos todos da freguesia doze vezes, principiando no primeiro e acabando no último.
Também se faz na quaresma outra reza a que chamam reza dos santos; esta é uma só roda. A sua aplicação é desta forma: Se a pessoa por quem se há-de rezar se chama Joaquim, se há-de dizer: Em louvor de S. Joaquim por tenção de Joaquim de... e assim se correm as cabeceiras uma só vez, que é o que se entende por uma roda, e se faz em um só domingo e nada mais.
Há outra reza que chamam dos Clamores, a qual se há-de fazer em outro domingo da quaresma e é também uma só roda e se aplica desta forma; Em louvor de S. Salvador por tenção de F... Advirta-se que tanto a reza dos clamores, como a dos Santos é só aplicada pelas pessoas que estiverem presentes, de modo que se estiverem 2 ou 3 pessoas de cada casa por todas se há-de rezar e a das orações é por cada cabeceira, ou esteja presente ou não.
Há outra reza, que se faz por qualquer pessoa, que morre, sendo de comunhão, logo no 1.º domingo seguinte ao seu enterro e se aplica desta forma: — Pela alma do nosso irmão F. ou irmã F... Advirta-se que sendo casado tem 60 P. N. e A. M e sendo solteiro, 30, e depois de se dizer a primeira vez: pela alma do nosso irmão F. nas outras só se diz: pela sua alma, até se completar a reza toda.”
Diferentes lendas relativas a S. Gonçalo se encontram nesta freguesia, como o penedo em que deixou impressos os sinais dos joelhos e dos pés, etc. Veja-se a Revista de Guimarães, n.º 4 de 1884, onde a tal respeito se lê um artigo do sr. dr. M. Sarmento. Acrescentaremos que, segundo as notícias que colhemos, o penedo das pegadinhas foi efectivamente quebrado há anos, dando-se o caso de que o pedreiro que o quebrou, tempos depois foi atacado de paralisia e assim faleceu, o que o povo atribui a castigo, por ele haver destruído as pegadas de S. Gonçalo.
Refiramos também a origem do epíteto casamenteiro das velhas, como nesta freguesia se conta, atribuído a S. Gonçalo e de que fala a cantiga popular:
S. Gonçalo d’Amarante,
Casamenteiro das velhas,
Porque não casais as novas?
Que mal vos fizeram elas?
Conta-se assim: Era aqui abade o Santo e na sua faina pastoral, percorrendo a freguesia encontrou uma sua paroquiana já velha, pobre e que só inspirava compaixão, à qual dirigiu a palavra, e lhe perguntou porque não havia ela de casar (era solteira) para ter quem a amparasse. Tão estranha pergunta deixou atónita a velha e não soube responder. “Ao primeiro homem que encontrares, volve o santo, fala-lhe em casamento.” Dito isto continuou seu caminho.
A mulher foi pensando no que o abade lhe havia dito e poucos passos andados vê um jovem, filho de uma das primeiras casas da freguesia. Avistando-o rompeu em estrondosas gargalhadas.
Aturdido o mancebo cora as risadas da velha, quis saber a razão; por seu turno teve conhecimento das palavras do santo abade, e respondeu: tudo pode ser; ninguém diga desta agua não beberei.
Poucos dias depois a paróquia assistia ao casamento da pobre velha com o rico proprietário, unidos e abençoados pelo santo abade.
E as bênçãos do céu, diz a lenda, caíram naquela casa, pois com o sábio governo da sua nova dona prosperou e aumentou consideravelmente.
Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal e continuado por Pedro Augusto Ferreira, vol. XII, 1890, pp.1963-1967.




[1] V. Santos Portugueses, tomo 8.º, pág. 628, col. 1.º.
[2] Estes cercos ou rondas ainda hoje (1888) se usam em várias paróquias do Minho. Simulam um exército assaltando um castelo, ordinariamente representado pela capelinha de S. Sebastião que se ergue na eminencia de um monte.
Imenso povo cerca o dito monte e avança por ele acima, levando na frente muitas caixas de rufo e tambores enormes, por vezes mais de 30, rufando constantemente e bravamente, até se acercarem da capela, ouvindo-se a grande distância o áspero som das caixas e tambores e o vozear da multidão.
E as mães que o son terribil escutaram
Ao peito os filhinhos apertaram!...
Estes cercos deixam a perder de vista os estrondos que se usam em algumas romagens da Beira. V. Viseu, tomo 11.º, pág. 1541, col. 1.ª.


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