Tagilde é a terra onde nasceu S.
Gonçalo, dito de Amarante. Francisco Martins Sarmento, nas suas prospecções
arqueológicas e etnográficas, calcorreou Tagilde, onde testemunhou a permanência
da memória do santo casamenteiro das velhas:
Vim rever a Fonte de S. Gonçalo,
o Penedo, que ouvi chamar “Penedinho” e a capela de Arriconha. Espreitei
debalde os terrenos vizinhos. O terreno onde fica o “Penedinho”, (que é de
granito um pouco fino) desce depois em tabuleiros até ao regueirão que separa
Tagilde do monte de S. Paio de Vizela; mas, por mais que espreitei, nada vi. Na
Arriconha, entrei dentro das portas do que se diz ser casa do Santo; é uma
velharia insignificante.
Uma mulher que encontrei e que
trazia até à estrema de Tagilde o mesmo caminho que eu, contou-me de S. Gonçalo
a seguinte curiosidade:
O Santo era de Tagilde, como se
sabe, mas um dia atirou a bengalinha, para ver onde ela pararia e aí estabelecer-se.
A bengalinha foi cair em S. Paio de Vizela. “Ainda não há-de ser aqui” - disse
ele, e atirou de novo a bengalinha, que foi cair a Amarante.
O Santo entretinha-se, às vezes,
a atirar tremoços aos rapazes (também quebrava os cântaros aos rapazes; objectando
eu que ouvira dizer às raparigas, a mulher diz que também às raparigas, mas em
ambos os factos falava sempre de rapazes), e em memória disso há ainda uma
festa em S. Paio de Vizela em que se põe uma pipa de vinho (legado, decerto) a
quem o quer beber, e havendo, além disso, um tiroteio de tremoços (só cozidos, não curtidos), que fornece o
legatário.
Em Tagilde foi abade João Gomes
de Oliveira Guimarães, figura maior dos estudos de história local de Guimarães, o Abade de Tagilde (que era natural de Mascotelos). Publicou os Vimaranes Monumenta Historica (compilação dos documentos medievais relativos ao concelho de Guimarães) e alimentou um outro projecto ambicioso: escrever uma monografia sobre cada uma das 76 freguesias que se distribuíam pelo território no final do século XIX. De cada uma reuniu um largo conjunto de informações, que não passaram de apontamentos. A excepção foi Tagilde, cuja monografia foi publicado em 1894, na Revista de Guimarães.
Tagilde é hoje uma das freguesias
do concelho de Vizela.
Tagilde
Relação da freguesia do Salvador de Tagilde.
Em cumprimento da ordem do Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor
deste Arcebispado Primaz, que se dá conta dos interrogatórios a ela e nesta
competentes.
Fica esta na Província Entre o Douro e o Minho, pertence ao
Arcebispado Primaz de Braga e chamada a Ribeira de Vizela, do termo da vila de
Guimarães e, como tal, da Coroa. Tem cento e vinte vizinhos e trezentas e
setenta pessoas de sacramento, excepto alguns inocentes.
A sua paróquia está situada num alto, de onde se vê quase toda a
freguesia e igreja, que tem três altares e bem dourados ao moderno, cujo orago
ou padroeiro é o Salvador de Tagilde e consta dos lugares ou aldeias seguintes:
Assento, Vergada, Quintães, Cruz, Souto da Cruz, Paredes, Cabreiro, Souto,
Boavista, Torre, Sub Torre, Monte, Padroso, Padrosinho, Soutinho, Porta
Carreira, Eira Velha, Bacelo, Passinhos, Azenha da Porta, Côso, Santiago, Lama,
Azenha de Cabreiro, Póvoa, Beira do Rio, Vila Corneira, Bairro, Laje,
Arriconha, Passo, Boco, S. Romão, Peninhas, Sino, Subouças, Figueiredo,
Tapadas, Caselho, Devesa, Avilheira, lugar do Monte.
Nesta freguesia se acha colocado o sacrário, com sua confraria e
mais a confraria de Nossa Senhora, com seu altar à parte, o altar de S.
António, não tem confraria. É esta benefício da colação ordinária e renderá, um
ano por outro, seiscentos e oitenta mil réis. O seu pároco é abade. Tem as
ermidas seguintes: a capela de S. Gonçalo, sita no lugar da Arriconha, onde foi
nascido este santo, a capela do Espírito Santo, sita na Torre, a capela de
Santo António, sita na quinta da Devesa e a capela de Nossa Senhora do Pilar, sita
na quinta de Subouças, todas desta freguesia.
Tem correio de Guimarães e é distante da cidade de Braga quatro
léguas e, da de Lisboa, pouco mais ou menos, sessenta.
Não padeceu ruína alguma no terramoto de 1755.
Somente tem no dia de S. Gonçalo a capela do dito santo seus
devotos de romagem.
Tem pequenos montados em que andam limitadas caças de perdizes e
coelhos. Compreende, de Nascente a Poente, o rio de Vizela que só nas enchentes
corre caudaloso, mas não tem navegação alguma, nem entram nele outros rios, nem
regatos e tem alguns travessos para três azenhas que tem. Tem duas pontes, uma
de pau, chamada a ponte da Ribeira, e outra, chamada a Ponte Nova e é de pedra.
Tem este rio algumas pescarias de peixes, como são barbos, trutas, escalos, as
quais são livres. As suas margens se cultivam, que dão bastantes frutos de
vinho e pão e azeite. Tem suas águas
suficientes. A origem deste rio é na freguesia de São Miguel do Monte.
Isto é todo o que tenho que relatar pertencente aos
interrogatórios e, se neles for diminuto, é por não ter a eles que se possa
responder. E por verdade me assinei com os dois párocos abaixo assinados na
forma que se me determina. E para constar fiz esta.
Hoje em Tagilde, de Maio, 12 de 1758.
João Francisco de Oliveira, abade desta igreja.
O abade José Monteiro Vaz.
Amaro José de Paços Leite, abade de S. Faustino.
“Tagilde”,
Dicionário Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, vol. 36, n.º 10 p.
41 a 42.
[A seguir: São Paio de Vizela]
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