Em 1847, quando Senhor de Infias veio à vila, voltou a chover.


Andor do Senhor das Chagas | Fotografia da Junta de Freguesia de Infias.

Por estes dias, salta aos olhos que estará ultrapassada a situação de seca extrema que atingiu Portugal Continental em tempos recentes. Da sua gravidade muito se disse mas, em boa verdade, nós praticamente não sentimos os seus efeitos nas nossas vidas. A água nunca deixou de jorrar das torneiras. Num passado não muito longínquo, quando ainda não havia sistemas públicos de abastecimento de água com a eficácia do que hoje nos serve, a realidade era muito diferente. Em tempos em que a dependência da agricultura era dominante, a falta de água nos campos tinha efeitos devastadores. Mas bem piores eram os efeitos da falta de água em centros urbanos. A água que jorrava dos chafarizes públicos não era, nunca era, suficiente para satisfazer as necessidades da população. As gentes abasteciam-se da água dos poços que tinham nos seus quintais. Água escasseava, antes de secarem de todo, ia ficando cada vez mais contaminada, propiciando a propagação de doenças infecto-contagiosas que atacavam, acima de tudo, as franjas mais frágeis da população. Em tempos de seca, todos os dias os sinos das igrejas de Guimarães tocavam a anunciar a morte de anjinhos.
Assim foi em 1847. No seu diário, o cónego Pereira Lopes escreveu que se vivia “um intensíssimo calor e uma grande seca, não tendo nascido os restivos nas terras secas”. Quando se chega a meados de Julho, sem que chova, o desespero cresce e a população volta-se para o único remédio que tinha ao seu alcance: a fé. Até ao final daquele mês, haverá preces ad petendam pluviam, a pedir que chovesse, na Colegiada e nas outras igrejas da vila, por causa “da grande seca que tinha havido, não havendo esperanças de que as terras secas dessem fruto algum”. Sem resultado.
No dia 5 de Agosto, a imagem da Senhora das Almas da igreja de S. Pedro de Azurém, percorreu as ruas da cidade em procissão, a que se seguiu sermão de penitência e prece na igreja de Santo António dos Capuchos. Pedia-se que chovesse. Mas não choveu.
No dia 11, nova procissão, agora com a imagem do Senhor dos Passos do Campo da Feira, "acompanhada pela sua irmandade, alguns padres e imenso povo, tendo havido sermão à sua saída”. Era o terceiro dia de preces em que se rogava que, ainda nas palavras do cónego Pereira Lopes, “Deus Nosso Senhor desse chuva, pois a seca tinha sido grande, a ponto de se recear uma grande falta de pão, pois os restivos das terras secas já não davam fruto algum porque a maior parte não nasceram”. Mas continuava sem chover
No apontamento referente ao dia seguinte, 12 de Agosto, o cónego registou no seu diário:
Pelas 2 horas da tarde entrou nesta vila a milagrosa imagem do Senhor de Infias (já por outras necessidades públicas tinha vindo para a mesma) acompanhado de muitas irmandades da aldeia e imenso povo, até das Caldas de Vizela e outras povoações, ao quais se lhe reuniu muita gente da vila. Todo este préstito, que infundia maior respeito pela Rua da Madroa e Rua das Molianas ao Toural e passando por Trás do Tanque ao terreiro de S. Francisco foi pela Rua de S. Dâmaso à Senhora da Guia, depois seguiu pela Praça da Senhora da Oliveira, Terreiro de Santa Clara ao Terreiro do Carmo, e depois pelas Ruas do Gado e de Val de Donas aos terreiros da Misericórdia, Rua de S. Domingos e Rua Travessa e se recolheu à igreja das religiosas Dominicas. Atrás da milagrosa imagem do Senhor de Infias iam três padres a cantar a Ladainha dos Santos a que o numerosíssimo povo que acompanhava respondia Ora pro Nobis. Esta procissão de preces foi certamente uma das que apresentou mais gente nesta vila pois vinha muita gente de muitas freguesias e mui distantes.
A imagem do Senhor das Chagas de Infias recolheu-se à igreja do convento de Santa Rosa do Lima, onde as religiosas dominicas ergueram as suas preces para que chovesse, “pois a seca tinha sido grande, como não havia memória de ter acontecido”.
E choveu. No dia 20 de Agosto, aconteceu o primeiro dia de chuva, depois de mais de dois meses sem cair um pingo dela na vila de Guimarães. No dia 25, houve festa. O Senhor de Infias podia regressar a casa. Lemos no diário do cónego Pereira Lopes, que João Lopes de Faria transcreveu:
Saiu em procissão da igreja das Dominicas a milagrosa imagem do Senhor de Infias, que por causa da grande seca que havia, tinha vindo para aquela. Foi acompanhado por imenso povo, tanto da vila, como da aldeia, assim como com as mesmas Irmandades que a tinham acompanhado para a vila. A procissão foi festiva e seguiu o mesmo caminho que tinha seguido quando veio.

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