A Oliveira em 1813

A Oliveira, por John Synge, 1813.

John Henry Synge (1788-1845), artista e pedagogo irlandês, nasceu em Dublin no seio de uma família protestante. Em 1805, tornou-se aluno do Trinity College, em Dublin, de onde transitou para o Magdalen College, em Oxford. Em 1812, concluída a sua formação, iniciou uma grande viagem pela Europa, que terminaria na Suíça, onde permaneceu dois anos e se tornou discípulo de Johann Heinrich Pestalozzi (1742-1827), educador e defensor da reforma da educação, impregnando-a de um sentido mais humanista e afectivo. Em 1815, regressou à Irlanda.
A sua viagem pela Europa está documentada numa série de desenhos e aguarelas, cujo primeiro volume está identificado como “Views in Portugal, Jan-May 1813, by John Synge”, que conheci através da minha amiga Isabel Fernandes. Pertence ao arquivo do Trinity College Dublin e está disponível nas Europeana Collections. Aí encontrámos três representações de monumentos de Guimarães, duas do Paço dos Duques e um da Praça da Oliveira. Atentemos nesta última.
Em primeiro plano, à direita, sobressai a oliveira, a primitiva, já pouco mais do que um tronco decrépito e carcomido. Viria a secar na década de 1820, tendo sido substituída por uma árvore nova em 1824. Impressiona vivamente, pela sua dimensão, a enorme estrutura de pedra que envolve e protege a oliveira, que não corresponde à descrição que dela nos deu, em finais do século XVII, o Padre Torcato Peixoto de Azevedo: “um pilar de pedra lavrado”, que estaria “cercado de assentos, aonde os cavaleiros da vila de contínuo se ajuntam e sentam para a conversação”. Ao observarmos outros aspectos do desenho, tendemos a crer que se trata de uma manifestação de liberdade artística.
Na representação da Colegiada salta aos olhos que Synge esqueceu o corpo da igreja correspondente à nave do lado do Sul. Em contrapartida, adornou o tímpano janelão que se sobrepõe ao pórtico com dois arcos agudos que… nunca existiram. Por aqueles dias, o tímpano já apresentava uma imagem praticamente igual à que se lhe conheceu até ao restauro de 1970, com uma janela redonda, mandada rasgar em meados do século XVI, e duas frestas “ovadas com suas vidraças”, abertas em 1665 por ordem do Prior D. Diogo Lobo da Silveira.
Na torre, ainda não se tinha erguido o coruchéu que seria apeado em 1913 e a janela que dá para os túmulos dos Pinheiros ainda não estava protegida por grades de ferro. Seria, como também escreve o Padre Torcato, uma porta de acesso do exterior à capela (aqui não é visível, mas, numa outra ilustração da primeira metade do século XIX, são visíveis degraus que permitiam vencer a altura desde o chão da praça). A pedra de armas dos Pinheiros também não aparece. No seu lugar, está representada uma janela com grades, produto da imaginação do artista. Por último, os arcos de volta perfeita das aberturas dos sinos foram substituídos por arcos ogivais trilobados.
Tirando a falta de rigor nos detalhes (provavelmente explicado por o autor apenas ter feito no local um simples esquisso pouco pormenorizado que, mais tarde, terá completado de memória), este documento é muito curioso por vários motivos, a começar pela sua antiguidade.

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