A torre da Colegiada, antes de Julho de 1913.
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Em 1913, a Câmara Municipal de
Guimarães, avançou com um conjunto de intervenções na igreja da Colegiada e na
sua envolvente, que foram classificadas como obras de “saneamento artístico”
que visavam eliminar excrescências que desprezavam a estética e a traça
original do monumento, mandando retirar o armário-oratório que estava pendurado
dentro do Padrão da Oliveira, eliminar as grades de ferro que limitavam o
acesso ao padrão e ao pórtico da igreja e demolir o coruchéu em forma de
pirâmide que encimava a torre da igreja. A intervenção na torre foi a que
provocou maior controvérsia.
Chamaram-lhe cabeçalho em forma de guarda-chuva, caixote de madeira, obra de toscos
carpinteiros e trolhas, cartucho da torre. Diz-se que a história da cúpula
que encimava a torre da Colegiada teria sido contruída em 1843, na sequência da
queda de um raio que, no dia 21 de Fevereiro daquele ano, entrou pelo topo da
torre e causou estragos significativos na estrutura e no interior da igreja,
destruindo algumas peças de madeira, derretendo ouro, quebrando a maior parte
dos vidros, da igreja e de casas da praça, derrubando o martelo do relógio e
uma bica do tanque e rebentando, em diferentes partes, o cano das águas
públicas. As obras de reparação dos danos resultantes desta fatalidade
incluíram o acrescento da cúpula que passou a fechar a torre. Note-se que a
nova cúpula substituiu a que existia antes da queda do raio, como se percebe
pela relato do cataclismo atmosférico de Fevereiro que o cónego Pereira Lopes
registou nos seus apontamentos: “o raio caiu no remate que tinha a cúpula da
torre que era de ferro, depois de esbandalhar a mesma é que passou para a
igreja”.
No início de Julho de 1913, preparava-se
a desmontagem do coruchéu, quando o jornal “O Primeiro de Janeiro”, do Porto,
na sua edição do dia 5 daquele mês, publicou uma notícia que intitulada “Desacato
a um monumento nacional”, onde se lê:
Somos informados de que,
estando a proceder à demolição do coruchéu da torre da Colegiada de Guimarães,
sem que para isso tenha sido ouvido o Conselho de Arte e Arqueologia
respectivo, demolição singular que nenhuma indicação superior de defesa
artística aconselha, e tratando-se de mais de um monumento nacional de
extraordinário valor, resolveu aquele Conselho interferir imediatamente no caso,
tendo ido de propósito a Guimarães três dos seus vogais examinar o estado da
obra, já adiantada infelizmente, e chamando para o caso a atenção da autoridade
administrativa. Consta-nos que foi há pouco enviado pelo Conselho de Arte, 3.ª
circunscrição, um telegrama à direcção geral de instrução superior e especial,
pedindo providências urgentes, em defesa do referido monumento.
O alarme estava lançado.
Mariano Felgueiras respondeu ao
“O Primeiro de Janeiro”, que não publicou a resposta, que seria tornada pública
num jornal de Lisboa e reproduzida no dia 10 de Julho pelo jornal republicano
vimaranenses Alvorada, de onde a
transcrevemos:
Exma. redacção do
“Primeiro de Janeiro”
— Sob a epígrafe “Desacato a um monumento nacional”,
publica o “Primeiro de Janeiro”, de hoje, uma local em que se fazem referências
injustas a uma obra que a Câmara de Guimarães deliberou mandar fazer, depois de
competentemente autorizada, na torre da Colegiada desta cidade. Consiste essa
obra na simples demolição duma cúpula de madeira e cal que os cónegos tinham
colocado sobre a torre em 1843, portanto 330 anos depois de concluída a torre
actual. Essa cúpula, que feria com desagrado a atenção de todos os que olhassem
para a torre, por menos sensibilidade artística que possuíssem, era formalmente
condenada por quantos artistas e arqueólogos de valor visitavam o monumento, os
quais nunca se cansavam de manifestar a sua opinião unânime de que a cúpula ali
tinha sido colocada com absoluto desprezo da estética da torre e deveria ser
demolida. A Câmara da minha presidência entendeu, por isso, que praticava uma
obra de saneamento artístico, mandando demolir a cúpula, verdadeira
excrescência sem defesa possível, pedindo para isso autorização à corporação
competente que, sendo felizmente presidida por um artista de mérito, Abel
Cardoso, professor de desenho da Escola Francisco de Holanda, prontamente a
concedeu. Não tinha a Câmara que ouvir o conselho de arte e arqueologia
respectivo visto que, se não tratava de demolir nenhum monumento de arte nacional.
Pelo menos até hoje não consta que a cúpula referida tenha sido considerada
como tal. Na torre não se mexeu nem se mexe. Retira-se lhe apenas uma espécie
de cabeçalho em forma de guarda-chuva, que pessoas sem o mínimo conhecimento de
arte ou respeito artístico ali colocaram, relativamente há pouco e séculos
depois da torre concluída. Do conselho de arte a Câmara só devia esperar, pois,
um bem merecido aplauso por esta generosa e louvável iniciativa em favor da
arte e pelo desejo que tem demonstrado de zelar os monumentos nacionais deste
concelho. Surpreende, por isso, extraordinariamente, que essa entidade que só
devia inspirar se nos supremos interesses da arte, sem que nunca se deixasse
prender por ridículas e pueris susceptibilidades de hissope, amuos infundados
por qualquer involuntária desconsideração no facto da falta duma desnecessária
consulta, venha dizer que a obra da Câmara é “uma demolição singular que
nenhuma indicação superior de defesa artística aconselha”! Mas então qual será
a indicação superior de defesa artística que aconselhe a conservação da cúpula?
É lamentável que num país onde, infelizmente, as entidades oficiais tão pouco
se importam com a conservação dos monumentos de arte, uma câmara, que por eles
se mostra interessar, seja por tal forma acolhida por aqueles que tinham a
obrigação indeclinável de a louvar e animar na continuação dos seus propósitos.
E muito mais lamentável se torna tal procedimento da parte do conselho de arte
e arqueologia da 3.ª circunscrição, quando é certo que não teve ainda, há bem
poucos meses ou semanas, uma palavra de protesto contra a demolição do muro da
cidade a que um particular mandou proceder, apesar do, por todos os motivos,
justificado protesto da Câmara. Pois o muro da cidade é um monumento nacional
de grande valor. Porque não viu nem censurou o conselho de arte esse
vandalismo, a demolição dum monumento histórico, e vê e censura a demolição dum
caixote de madeira, obra de toscos carpinteiros e trolhas, sem história, sem
arte e, portanto, fora da sua alçada? E porque não veio o conselho ter com a
Câmara ou com a comissão que superintende na Colegiada, o que mais fácil e
rápido seria, antes de levantar escarcéus que nenhuma defesa podem ter? Mostrar
cuidados que infelizmente em ocasiões precisas como a que deixo apontada
ninguém viu? Rogando a v., sr. redactor, a fineza de publicar no “Primeiro de
Janeiro” esta minha exposição em que não há mais do que desgosto por um ataque
tão injustamente dirigido à Câmara, e o desejo de esclarecer um assunto que merecerá
interesse a todos que se preocupem com a arte, peço desculpa do espaço que lhe
vou tomar e aceite os protestos da minha muita consideração. Saúde e
Fraternidade. — Guimarães, 5 de Julho de 1913 — O presidente da câmara, (a)
Mariano da Rocha Felgueiras.
Ainda aquele mês de Julho não tinha terminado quando, em sessão da Câmara, foi dado conhecimento de um ofício do Presidente da Comissão Administrativa dos bens do Estado, que comunicava que “resolveu autorizar a demolição da cúpula de madeira e cal que encima a torre da igreja da Oliveira, devendo os materiais aproveitáveis ser entregues à guarda da Comissão, e ficando de conta da Câmara todas as despesas com as obras necessárias, tudo sob a fiscalização da comissão concelhia”. A Câmara decidiu agradecer e mandar fazer a obra por administração própria.
A torre da Colegiada, fotografia actual. |
A torre da Colegiada perdeu a
cúpula, ou coruchéu, no Verão de 1913.
1 Comentários
Conforme referi atrás e de fonte segura, algumas pedras de algum volume caíram lá do alto que por sorte não atingiram nenhum transeuante. Depois de ser levantado um processo para averiguar e eventualmente reparar, os responsáveis da Diocese de Braga acharam por bem ignorar o sucedido e arquivar o processo que se enconta no arquivo da colegeada.
Quando houve tal queda esta danificou as escadas de acesso ao espaço interior, que se pode constatar ainda hoje que não foi feita qualquer reparação tornando-se um perigo para qualquer visitante.
No dia 18 de Dezembro de 2020 pela 14,30 horas eu Arménio Sá, fui vítima de uma queda quando procedia á descida destas , ao colocar o pé direito na primeira, de imediato escorreguei e motivado por terem acumulado alguma humidade, estar polidas, e fundamentalmente não possuirem um apoio de segurança, rolei nestas abaixo, e bati estrondosamente no solo final com a cabeça lado direito.
Perdi os sentidos momentaneamente e quando ouvi vozes , senti que não escaparia a um traumatismo craniano ,e talvez corresse perigo de vida. Fui conduzido ao hospital para fazer vários exames e felizmente pouco acusou mas jamais serei o mesmo pois deixou mazelas.
Pergunto Dr. para quando um apoio, tipo corrimão, para os utentes daquele espaço , será preciso haver morte de alguém como no castelo. As escadas milienárias são um perigo, e o acesso para pessoas limitadas em cadeiras de rodas?... Enfim não me alongo mais . Abraços.