Cruzeiro da Senhora da Guia (fotografia de Carlos Mesquita) |
A história da morte do gerente da filial de Guimarães do Banco Nacional Ultramarino é simples de contar, mas difícil de entender.
Luís
Ribeiro Pousada saiu de casa por volta das oito horas da noite do dia
15 de Dezembro de 1927, quinta-feira, anunciando que poderia chegar
mais tarde do que o costume, por ter de tratar de assuntos do seu
serviço. Não regressou nessa noite, nem no dia seguinte, data do seu aniversário.
No
sábado, à falta de notícias, não faltavam rumores e a certeza de
que algo de grave teria sucedido. Ao início da atarde, José de
Sousa Roriz, oficial da Administração do Concelho, dirigiu-se à
Senhora da Guia (que, desde 1913, por proposta do Centro Socialista
de Guimarães, vira o seu nome mudado para Largo 1.º de Maio), às
instalações da firma Machado & Melo, que se dedicava ao comércio de cabedais e produtos relacionados com as indústrias que os utilizavam
aquela matéria-prima. Ainda lá estava quando apareceu o sócio Manuel
de Melo, cujo comportamento, associado aos arranhões e equimoses que não
conseguia ocultar, deu azo a suspeitas que pareciam confirmar os
rumores que circulavam na cidade, que diziam que algo de anormal
teria acontecido naquela loja na noite de quinta-feira. Manuel de
Melo recebeu voz de prisão e foi conduzido à Administração do
Concelho. Interrogado ao longo de várias horas, negou qualquer
envolvimento no desaparecimento de Luís Pousada e persistiu na
afirmação de que o gerente do BNU não tinha estado no seu estabelecimento naquela noite.
Até que, por volta da meia-noite, vencido pelo
cansaço e pela persistência de José Roriz, Manuel de Melo desabou, como a chuva
que teimava em cair por aqueles dias, chegou a confissão, fui eu, e entrou em prantos.
A
história que contou a seguir, mantê-la-ia até ao julgamento.
Cumprindo
o que estava combinado, na noite de quinta-feira Luís
Pousada compareceu
na firma Machado & Melo para proceder ao exame da respectiva
contabilidade. A crer nas palavras de Manuel de Melo, estava “muito
alegre e bem disposto”. Conversaram amenamente, durante algum
tempo, até que o bancário perguntou pelo contabilista que lhe deveria
mostrar as contas. Que ainda não tinha chegado, foi a resposta que
escutou. Mas o contabilista acabou por não aparecer e aquela não seria a
primeira vez que Luís Pousada ali se dirigia com o mesmo propósito,
em vão, pela mesma razão. Disse o que achava de tal procedimento,
que não voltariam a contar com a sua colaboração e terá classificado os responsáveis da empresa como pantomineiros. O Melo exigiu-lhe a retratacão, iniciando-se uma altercação que escalou para confronto
físico e
terminou com dois tiros que tiraram a vida
a Luís Pousada.
O
homicida contou que, ao tomar consciência do que fizera, tentou o suicídio,
mas que
terá falhado,
por a pistola se ter encravado.
Mais tarde, envolveu o cadáver do
gerente do BNU em sacos e ocultou-o num fosso que existia no
estabelecimento. Na noite do dia seguinte, sexta-feira, Manuel de Melo transportou o
corpo de Luís Pousada num landau
(carruagem fechada) de aluguer, tendo dito ao respectivo cocheiro que
o fardo que transportava era uma encomenda de formas de calçado e
outros materiais destinados a um cliente. Tomou
a direcção de S. Torcato e, em chegando a Gominhães, mandou parar
o carro e carregou o corpo do infortunado Luís Pousada, sem qualquer
ajuda, até ao lugar do Pombal de Cima, onde o atirou a um poço,
que as autoridades não tardariam a encontrar.
Confirmado
o crime e a identidade de quem o perpetrou, a cidade de Guimarães
abriu a boca de espanto. Ninguém compreendia o que tinha acontecido.
No
dia 20 de Dezembro, a cidade parou para assistir às cerimónias
fúnebres de Luís Ribeiro Pousada e ao cortejo que o conduziria ao
cemitério
da sua aldeia natal,
Polvoreira.
Passados dois
dias, um outro cortejo, igualmente triste e penoso, atravessou as
ruas da cidade, em direcção à estação do caminho-de-ferro. Nele
seguia Manuel de Melo, algemado a um ladrão já condenado. Levavam-no
para a cadeia da Relação do Porto, onde ficaria a aguardar
julgamento.
Atrás, seguia o seu pai.
[continua]
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