Memórias Paroquiais de 1758: Serzedelo



No século XI escreviam o seu nome como Cersitello ou Zerzedelo. O pároco de 1758 escreveu Cerzedelo. Oficialmente, acabou por se fixar em Serzedelo, embora haja quem persista em escrever Cerzedelo. É uma freguesia com muita história, uma magnífica igreja românica e um segredo, o do Abade, que Arnaldo Gama contou num romance.
Das suas andanças por Serzedelo, Francisco Martins Sarmento anotou nos seus apontamentos:
Castro de Serzedelo. Fonte do Castro. Mouras. Há nada menos de um outeiro cónico com o nome de Castro. É pequeno e nada descobri de suspeito. A nascente há a Fonte do Castro. Fui vê-la. É abundante. Nasce in situ, enchendo um depósito coberto, sobre o qual há um nicho largo, que talvez já tivesse algum santo. Disse-me o dono que havia tradição de existir ali um tesouro de mouras -e nada mais; que para Vila-Meã havia outra fonte com a mesma reputação. Para o lado da Senhora do Monte e dando saída para lá há outro pedaço de monte, quase encosta, que também se chama Castro. É ainda menos prometedor que o outro. Corri-o de passagem. Tem muitos penedos, e um com buracos que, pela descrição, é cárie da pedra. Ficam pela face de baixo do penedo. Além destes dois sítios com nomes de Castro, há o lugar do Castro, mais próximo de Vila-Meã. Foi por aí decerto que eu já descobri tijolo e é necessário ir ver devagar até que altura da encosta eles sobem.
E, um pouco mais adiante:
A gente dali distingue Castro e Crasto. Crasto é o monte - o que já visitei a última vez e que não fica longe; Castro é a povoação. Há por ali, por Vila-Meã e Castro, duas fontes suspeitas -a de S. Miguel, como já me dissera o dono da Fonte do Crasto; e a Fonte Velha. Nesta já falou o diabo a uns tais que foram ali cavar levando uma mula para trazer as riquezas. O diabo perguntou-lhes o que eles lhe davam em troca, se ele lhes desse muito dinheiro; mas, como eles na resposta metessem o nome de Jesus, ouviram tal reboliço e tal estrondo, que largaram a fugir.
Em Serzedelo há um monte carregado de tradições. É o da Senhora do Monte, que, se calhar, melhor se chamaria das Senhoras do Monte, como se percebe deste outro apontamento de Sarmento, depois de visitar a capela que está implantada no alto:
Vi lá gente, e, como havia festa no dia seguinte, palpitei que talvez encontrasse a capela aberta. Assim foi, por fortuna. Um homem e uma mulher acabavam de varrer a capela, e disseram-me o nome das três senhoras, ou três virgens, que estão no altar-mor. A do meio é a legítima Senhora do Monte; a da esquerda (do espectador), a Senhora da Água de Lúbio (Guadalupe, decerto), a da direita, a Senhora da Guia. A Senhora do Monte era mais antiga que a Senhora da Oliveira -assim o dissera num sermão o actual abade de Tagilde. As três Senhoras estavam vestidas com uma tafularia aldeã -as virgens não são muito, muito antigas. O homem falava de ter havido outra mais arcaica. Por baixo da Senhora de Lúbio havia um ex-voto de cera -milagre feito a uma criança. Mais curioso e antigo que as senhoras é o Senhor do Padrão. É um cruzeiro de pedra espetado num capitel antigo, posto de pernas para o ar.
A Senhora do Monte é lugar de romaria, onde compareciam romeiros de muitas terras ao redor. Entre eles, os de Infias que lá levavam uma imagem do Senhor. Mas tinham que se acautelar, para a não perderem, como também registou Martins Sarmento:
À festa da Senhora do Monte vem o Senhor de Infias, mas só se pode demorar duas horas na capela porque, se mais, os de Serzedelo, a quem pertence a capela, tomam posse dele. Este caso é vulgar noutras partes.
Em 1758, Serzedelo pertencia ao concelho de Barcelos. A reforma administrativa de 1834 integrou-a no concelho de Vila Nova de Famalicão. Pertence ao concelho de Guimarães desde 1853. 

Igreja românica de Serzedelo (Monumento Nacional).

Serzedelo
Em satisfação da ordem de Sua Majestade Fidelíssima, que Deus guarde, remetida a Sua Excelência Reverendíssima Governador de Braga Primaz, para os reverendos párocos da visita da terceira parte de Sousa e Ferreira informarem dos interrogatórios conteúdos nela.
Notícia da freguesia de Santa Cristina de Serzedelo.
Esta freguesia de Santa Cristina de Serzedelo é da Província de Entre~Douro-e-Minho, da comarca e Arcebispado de Braga Primaz, do termo da vila de Barcelos. É comenda da Ordem de Cristo que de presente possui o Excelentíssimo Marquês de Louriçal. Tem cento e trinta e nove vizinhos ou fogos e quatrocentas e trinta pessoas, em que entram os menores. Está situada em ribeira e vale do monte chamado de Nossa Senhora, que lhe fica ao Nascente e dele se descobre a vila de Guimarães, que dista uma légua.
A paróquia está situada no meio da freguesia, tem dezanove lugares ou aldeias que são: Mosteiro, Carreiras, Passos, o Crasto, Passo de cima, São Pedro do Monte, Portela, Chamozinhos, o Passo, São Miguel, Crasto, Vinha de Portela, Cova, Várzea, Nisca, Calvos, Serdeiro, Sanfins e Eirinhães.
O seu orago é Santa Cristina. Tem três altares. O maior é de Santa Cristina, em que está colocado o Santíssimo Sacramento. O colateral, da parte do Evangelho, é de Nossa Senhora do Rosário. E o da parte da Epístola é do Menino Deus. Tem duas irmandades, uma chamada confraria do Santíssimo Sacramento e outra chamada irmandade de Santo António.
O pároco é reitor e tem um cura. É esta igreja apresentação da câmara eclesiástica de Braga, com alternativa de Roma. Tem renda para o Excelentíssimo Marquês, setecentos e cinquenta mil réis e, para o reitor, cento e cinquenta mil réis e, para o cura, vinte mil réis.
Tem esta freguesia quatro ermidas ou capelas, que são a do Bom Jesus do Calvário, perto da igreja, com quatro rasas de pão cada ano de fábrica. A de São Bartolomeu de Nisca, que fica no fim da freguesia, à parte do Poente, não tem fábrica, vai a ela de romaria alguma gente no dia do mesmo santo e pertence ao pároco desta igreja. A de São Pedro do Monte, que fica junto do fim desta freguesia, à parte do Nascente, tem uma irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que venera e fabrica esta capela e a festeja em dia de São Pedro, vinte e nove de Junho de cada um ano. Pertence ao pároco. E a de Nossa Senhora do Monte, situada no mais alto do monte que desta freguesia fica à parte do Nascente e no fim dele, à qual capela vai de romagem muita gente em dia da Ascensão do Senhor e, em dia de São João Baptista, vai a ela uma procissão da freguesia de Santa Maria de Infias, distância de meia légua, populosa e bem ornada. Este monte é alto e dele se vê o mar, que dista cinco léguas. Esta capela não tem fábrica e pertence ao pároco desta igreja.
Os frutos que em maior abundância se recolhem nesta freguesia são milho grosso, centeio, milho alvo, algum painço e feijão e vinho verde.
Esta freguesia está sujeita ao governo das justiças da vila de Barcelos. E nela nasceu Simão Coelho Peixoto, de presente governador da praça de Vila Nova de Cerveira do Minho.
Serve-se esta freguesia do correio da vila de Guimarães, que dista uma légua.
Esta freguesia dista três léguas de Braga, capital deste Arcebispado, e de Lisboa, capital do Reino, cinquenta e oito léguas.
O rio Ave corre por junto desta freguesia, pela parte do Norte, e corre de Nascente ao Poente. Nasce na serra da Cabreira, que dista desta freguesia oito léguas. Corre em todo ano e nele entra o rio chamado Selho junto ao lugar da Várzea, o qual corre de Nascente a Poente, junto desta freguesia, mas também da parte do Norte, o qual nasce entre os montes de São Torcato e Gonça, distante desta freguesia duas léguas, e, entrando no rio Ave, perde o nome e no Verão seca alguns anos.
O rio Ave cria peixes chamados barbos, bogas, escalos e enguias e alguma truta e deste sobe o mesmo género de peixes pelo dito rio Selho. Pesca-se em ambos os rios livremente, com chumbeiras, mingachos, redes de varrer, nassas e com anzóis, quando o tempo o permite. Também alguns caçam com troviscadas, cal e coca que, onde chega, mata tudo, sendo os pequenos os primeiros que morrem e por mui pequenos se não aproveitam. Parte das margens deste rio se cultivam. Tem árvores com videiras, que dão vinho, e várias árvores sem fruto.
O rio Ave conserva sempre o mesmo nome e morre no mar, junto de Vila do Conde, distante desta freguesia cinco léguas, e tem uma açudes no sítio chamado Rego, com uma azenha e moinho no Verão.
O rio Selho tem dois açudes. Um deles serve para encaminhar a água a três moinhos chamados do Passo e, o outro, a água de dois moinhos chamados do Gronho e nele, entre esta freguesia e a de São João de Gondar, está uma ponte de cantaria, chamada a ponte de Soeiro.
E do conteúdo nos mais interrogatórios não há coisa alguma de que possa informar. Passa na verdade, em fé do que abaixo me assino, com os dois reverendos párocos mais vizinhos. Santa Cristina de Serzedelo e de Maio 23 de 1758 anos.
O reitor Francisco Xavier da Cunha Osório.
O abade Rodrigo Leite Pacheco.
O vigário de S. Cristóvão de Cima de Selho, Bento Fernandes.
Serzedelo”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 10, n.º 279, p. 1901 a 1905.
[A seguir: Gandarela]

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