A cidade de Guimarães em 1859 - II



Na segunda, e última parte, do artigo sobre a cidade de Guimarães que publicou em 1859 na revista A Ilustração Luso-Brasileira, Inácio Vilhena Barbosa faz uma breve descrição de Guimarães e dos seus monumentos. Nota que as ruas pela maior parte são estreitas, tortuosas, mal calçadas e pouco limpas”, vendo-se nelas “muitas casas nobres de boa aparência”, e que Guimarães não tinha “passeio público propriamente dito”, mas que “o jardim dos terceiros de S. Domingos e o Campo da Feira são dois lugares de recreio muito aprazíveis”. Em seguida, estende o olhar pelo horizonte em volta da cidade e declara:
Os subúrbios são encantadores. Em nossa opinião, nenhuma outra cidade de Portugal os possui mais belos.
Vale a pena ler.

A cidade de Guimarães (conclusão)
O templo da condessa Mumadona durou com poucas alterações, até ao reinado de el-rei D. João I, que o fez demolir pelo seu estado de ruína, mandando construir o que hoje existe, o qual os cónegos modernamente deturparam, mascarando-lhe com estuques e doiraduras suas venerandas e góticas feições.
Todavia anda conserva muitas antigualhas de alto apreço histórico o artístico. Em frente das primeiras poremos a pia em que S. Geraldo, arcebispo de Braga, baptizou a D. Afonso Henriques, e o oratório de prata de D. João I de Castela, tomado na batalha de Aljubarrota por D. João I de Portugal. que logo o ofereceu com outros despojos de tão grande vitória a Nossa Senhora da Oliveira. Entre as segundas figuram muitos e riquíssimos vasos e alfaias, que compõem o precioso tesouro daquela insigne colegiada.
A imagem de Nossa Senhora da Oliveira é muito antiga, e conforme a tradição trouxe-a à Lusitânia o apostolo Santiago.
Em frente da igreja ergue-se um curioso monumento, obra do reinado de Afonso IV. É um cruzeiro de pedra com várias imagens e ornatos de alto e baixo relevo, e colocado no centro de quatro arcos góticos, que sustentam a abóbada que o cobre, tudo de pedra. Próximo vê-se uma oliveira, cercada de grades de ferro, que recorda o milagre , de Nossa Senhora, e que consistiu, segundo a lenda, em que uma oliveira, que para ali se transplantara em tempos remotos, secando-se logo depois, reverdeceu assim que por ela passou a dita imagem da Virgem.
A igreja de S. Miguel do Castelo era a matriz da vila velha. Está edificada perto do castelo. É um pequeno templo de mesquinha arquitectura, que mostra mui grande antiguidade. Nele é que foi baptizado o nosso primeiro rei. A pia que serviu nesta solenidade foi transportada para a igreja de Nossa Senhora da Oliveira em 1664.
A igreja de Santiago, reconstruida em tempos modernos, dizem que fora outrora um templo gentílico dedicado a Ceres. Os antiquários fundamentam esta opinião com uma inscrição que aí se achou, quando se procedeu à reedificação da igreja.
Guimarães posse muitos outros templos, capelas, conventos, e estabelecimentos de caridade. Mencionaremos apenas os mais importantes. A igreja da misericórdia foi fundada em 1585. Nossa Senhora da Consolação, templo moderno de boa arquitectura, está edificado em um sítio aprazível, cercado de árvores, num extremo da cidade. A igreja de S. Dâmaso foi erigida em 1641 em memória deste santo pontífice, natural de Guimarães. O convento de S. Domingos, da extinta ordem dos pregadores, foi fundado em 1397, e depois reedificado. O convento de S. Francisco, de religiosos franciscanos, teve começo em 1290. O convento de Santo António, de frades capuchos, foi construido em 1644. Os templos destes conventos acham-se em bom estado, e consagrados ao culto. Os conventos de freiras de Santa Clara, feito em 1561; de Santa Rosa, fundado em 1680; de Capuchas, erigido em 1681; o de Santa Teresa, construído em 1685, ainda estão ao presente habitados. Os hospitais da misericórdia, de Santo António dos Capuchos, e dos terceiros de S. Domingos e de S. Francisco são bem administrados. Os dois últimos podem-se contar entre os melhores estabelecimentos deste género, que há no país. Contíguos aos seus edifícios têm os terceiros dois templos, em que se fazem as festas com bastante luzimento.
Guimarães tem vários terreiros e praças, das quais a principal por sua extensão e corta regularidade é a praça do Toural. É ornada uns extremidades com um esbelto chafariz feito em 1588, e com um bonito cruzeiro, levantado em 1650. As ruas pela maior parte são estreitas, tortuosas, mal calçadas e pouco limpas, mas vêem-se nelas muitas casas nobres de boa aparência. A casa da câmara, situada na praça em que está o templo de Nossa Senhora da Oliveira, é obra dr el-rei D. Manuel, cujas armas e esfera armilar avultam na frente do edifício.
Possui esta cidade um teatro construído regularmente, denominado de D. Afonso Henriques.
Além dos monumentos de antiguidade já referidos, encerra os seguintes também apreciáveis: várias torres e alguns lanços da sua cerca de muralhas, estes fabricados por el-rei D. Dinis e por D. Afonso IV, e aquelas por D. João I: o vasto palácio dos duques de Bragança, principiado no século XV por D. Afonso primeiro duque de Bragança, onde se admiram duas grandes e formosas janelas góticas, que pertenciam à capela. Neste paço residiram por vezes alguns príncipes e princesas desta família. Hoje está parte em ruínas, e parte servindo de quartel ao batalhão de caçadores n.° 6. Infelizmente o vandalismo, que tantos monumentos históricos tem destruído em o nosso país, arrasou até aos alicerces as mais belas torres, que o mestre de Avis edificou para defesa das portas de Guimarães.
Abastecem a cidade muitas fontes de excelente água, e de todos os géneros necessários à vida fornece-a um mercado todos os sábados, que é sem dúvida o mais importante mercado semanal de todo o reino, ao qual concorrem de muitas léguas em redor muitos gados, aves, cereais, frutas, louças, diversas qualidades de tecidos de lã, seda, linho, e algodão, ferragens etc. Nos primeiros dias de Agosto tem uma feira anual, porém insignificante.
Guimarães não tem passeio público propriamente dito; porém o jardim dos terceiros de S. Domingos e o Campo da Feira são dois lugares de recreio muito aprazíveis. Este último tem a primazia pela sua pitoresca situação, que é uma das saídas da cidade; pelo ribeiro que o corta; pela sua formosa ponte, guarnecida de estátuas, assentos, e árvores; e pela colina arborizada em que se ergue a esbelta igreja de Nossa Senhora da Consolação.
Os subúrbios são encantadores. Em nossa opinião, nenhuma outra cidade de Portugal os possui mais belos. Os palácios dos senhores condes de Arrochela e de Vila Pouca com os seus jardins em terrados, dispostos como em trono; o castelo do conde D. Henrique, vestido de heras, e cercado de árvores; o mosteiro da Costa, da extinta ordem de S. Jerónimo, rico de memórias da rainha D. Mafalda, e de D. António, prior do Crato, sentado majestosamente a meia encosta de um monte, todo coberto de arvoredos, entre os quais se admira um carvalho colossal, que conta mais de sete séculos; a serra de Santa Catarina com seus bosques frondosos, cascatas e grutas; o ribeiro Selho junto à cidade, e o Ave um pouco mais distante, com suas viçosas e sombreadas margens, formam variadíssimos quadros, qual deles mais delicioso.
O termo é de grande fertilidade pela muita abundância de águas, que por todo ele rebentam e se cruzam. Produz muitos cereais, especialmente milho, boa quantidade de legumes, de vinho, linho, algum azeite etc. Tem óptimas pastagens em que se cria muito gado.
A população de Guimarães ascende a sete mil e trezentos habitantes, grande parte dos quais se empregam no fabrico das ferragens, e dos tecidos de linho, e nos curtumes de couros.
Guimarães finalmente conta entre os seus filhos muitos santos que honram o martirológio, e muitos homens ilustres nas armas, nas ciências, e nas artes.
I. de Vilhena Barbosa.
A Ilustração Luso Brasileira, n.º 39, vol III, 1 de Outubro de 1859, pp 305-306.

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