Nas suas deambulações arqueológicas por estas terras e estes montes, Francisco
Martins Sarmento ouviu contar, a duas mulheres de S. João de Airão:
Moura. Numa agra mais distante havia, disse uma rapariga, uma “cobra que se mudaria em moura, se lhe dessem um beijo”. A cobra - acrescentou outra mulher - tinha ela visto e era de duas cores. Fala-se também numa pedra, que costumava pôr-se numa grade de lavrar, pedra muito linda que desapareceu, sem se saber como. Mas com esta história misturava-se outra “duma pedra que fora lançada ao rio, saindo dela uma moura; que se pôs a cantar, indo pelo rio abaixo”.Desta tradição mourisca não fala a memória paroquial de 1758 de S. João de Airão, onde se lê que nesta freguesia “há uma capela particular com porta para o caminho público, da invocação de Nossa Senhora do Presépio, na Quinta do Paço, que é do vínculo e morgado muito antigo de que hoje é administrador o Conde Avintes, por óbito da Condessa de Alcudia e Marquesa de Fonte em Sol, do reino de Castela, cujo morgado possui com título de coutada, que conserva demarcada com marcos autênticos toda esta freguesia, na qual aforam seus procuradores os montes dela”.
São
João de Airão
Ilustríssimo
Reverendo Senhor Doutor Provisor.
Na forma
das ordens que recebi de Vossa Mercê, envio a informação que posso
dar sobre os interrogatórios que Sua Majestade Fidelíssima mandou
remeter a Vossa Mercê, a qual vai segundo a ordem dos mesmos.
1.º Esta
freguesia de S. João de Airão fica na província de
Entre-Douro-e-Minho, na comarca e termo da vila de Guimarães, do
Arcebispado de Braga.
2.º É
terra de el-rei Nosso Senhor e não de donatário.
3.º Tem
cinquenta e sete vizinhos, ou fogos, e cento e sessenta e uma
pessoas, maiores e menores.
4.º Está
situada na costa de um monte chamado a Curviã, de cujos altos se
descobrem, para a parte do Nascente, a vila de Guimarães e muitas
terras até à serra do Marão, que é já na Província de
Trás-os-Montes. E, para o Sul, se não descobre povoação alguma
notável, posto que muitas terras deste Arcebispado e da comarca da
Maia do Bispado do Porto. E, para o Poente e Norte, lhe impede a
vista o dito monte de Curviã em cuja costa está.
5.º Não
tem termo próprio, porque é do da vila de Guimarães.
6.º A
paróquia está conjunta às casas dos moradores dela, que não vivem
arruados em lugares, mas em quintas dispersas, uns dos outros com
pouca distância, de sorte que toda ela, se pode dizer, é um lugar,
posto que se denominam como lugares distintos os chamados do Assento,
Foz, Pomarinho, Roupeire, Pereira, Carvalhal, Prado, Airão, Cabo,
Corvaceiras, Frei, Paço, Barreiros, Penelas e Curviã, sem embargo
de, na maior parte destes, não haver mais que um ou dois moradores,
vulgarmente chamados fogos.
7.º É o
orago desta freguesia S. João Baptista. Tem a igreja três altares.
O maior, em que está colocado em sacrário o Santíssimo Sacramento
per
modum viatici, a
imagem de S. João Baptista e, nos lados dele, as de Santa Ana e
Santa Quitéria. E mais tem dois altares colaterais, um deles é de
Nossa Senhora da Purificação e o outro do Santo Nome de Deus, em
que se venera a imagem de Cristo e Senhor Nosso Crucificado. Não tem
naves, nem irmandade alguma.
8.º O
pároco é nas Bulas Pontifícias chamado abade. É benefício da
colação ordinária, que se provê por concurso, vagando. Rende
trezentos mil réis e pouco mais.
9.º Não
há nesta igreja beneficiados alguns.
10.º Não
tem convento, nem religião alguma de homens ou mulheres.
11.º Não
tem hospital.
12.º Não
tem casa da Misericórdia.
13.º Há
uma capela particular com porta para o caminho público, da invocação
de Nossa Senhora do Presépio, na Quinta do Paço, que é do vínculo
e morgado muito antigo de que hoje é administrador o Conde Avintes,
por óbito da Condessa de Alcudia e Marquesa de Fonte em Sol, do
reino de Castela, cujo morgado possui com título de coutada, que
conserva demarcada com marcos autênticos toda esta freguesia, na
qual aforam seus procuradores os montes dela. E a mesma coutada em
seu âmbito ocupa parte da freguesia do Salvador de Joane, da de
Santa Maria de Airão, da de S. Vicente de Oleiros e da de S.
Martinho de Leitões. Hoje são nela livres as caças e ainda não há
muitos anos havia nela couteiro.
14.º Não
acode à dita capela romagem alguma, posto que a ela vêm em clamor
ou preces algumas freguesias, por voto antigo, em certos dias do ano,
com cruz levantada.
15.º Os
frutos que em maior abundância colhem nela os moradores são
centeio, milhão ou milho maís, milho alvo, feijão, vinho muito
verde e, em alguns anos, muito pouco.
16.º Não
tem juiz ordinário, nem câmara, mas é sujeita às justiças da
vila de Guimarães.
17.º Não
é couto, honra, nem beetria.
18.º Não
há memória de que nela florescesse homem algum assinalado em
virtude, letras ou armas.
19.º Não
há nela feira alguma.
20.º Não
há aqui correio, servem-se os moradores dela comummente do de
Guimarães ou Braga que, qual destes, dista duas léguas desta
freguesia, o de Braga ao Norte e o de Guimarães ao Nascente.
21.º
Dista esta freguesia da cidade de Braga, capital do Arcebispado, duas
léguas e de Lisboa, capital do Reino, cinquenta e oito, segundo a
vulgar computação, pois vulgarmente se contam, daqui à cidade do
Porto, seis léguas.
22.º Não
tem privilégios alguns, antiguidades, nem coisa memorável.
23.º Não
tem lagoa, nem fonte alguma célebre, só é bastantemente provida de
fontes de águas saudáveis para o hausto quotidiano, sem outra
alguma qualidade especial.
24.º Não
há que informar sobre este, por não ser porto de mar esta terra.
25.º Não
é praça de armas.
26.º Não
padeceu a mais leve ruína no terramoto de 1755.
27.º Não
há, enfim, coisa alguma mais digna de memória e que mereça
particular expressão.
Quanto
à serra.
1.º A
serra em cuja costa, para a parte de entre Nascente e Sul, faz frente
esta freguesia chama-se a Curviã.
2.º
Dizem que esta serra é braço da do Gerês donde vem continuando até
à do Carvalho de Este, uma légua distante da cidade de Braga, ao
Nascente desta dita cidade, e daí à do Bom Jesus, Sameiro e Santa
Marta e, fazendo volta mais para o Sul, se vem comunicar à de
Outinho e daí por esta freguesia vai fazendo outra volta inclinada
mais para o Sul e vai ter ao Castelo de Vermoim e, finalmente, fenece
este braço da serra na freguesia de S. Martinho do Vale. E só com o
nome de Curviã é denominada na parte que decorre por esta minha
freguesia até ao dito castelo de Vermoim. Não é serra desde o dito
Gerês continuada, porque em várias partes é cortada de ribeiras e
desde a do Gerês, donde dizem é nascida ou derivada, até onde
fenece, de comprimento são seis ou sete léguas. No distrito desta
minha freguesia, para as partes de Braga e Norte, terá, de largura,
meia légua.
3.º Não
se derivam dela braços alguns no distrito desta freguesia.
4.º Não
nasce rio algum nela neste mesmo meu distrito.
5.º Não
há vilas, nem lugares ao longo dela, enquanto discorre por este
mesmo meu distrito.
6.º
Também não tem fonte alguma de propriedades raras no mesmo
distrito, somente no alto dela e, nos limites desta freguesia, no
sítio da Lagoa, nasce um olho de água de que se forma um pequeno
regato que, formando corrente para o Poente e Sul pela freguesia do
Salvador de Joane, rega e fertiliza as terras dos moradores que se
servem das suas águas as quais, se sobejam, se metem num pequeno
riozinho que é chamado o rio de Pele, que discorre por entre a dita
freguesia do Salvador de Joane e Santa Marinha de Mogege, em cujo
sítio se metem as águas sobejas do dito regato, e em alguma parte
na freguesia de Joane, no sítio de Cortinhas, tem moinhos que só
moem com as águas dele de Inverno.
7.º Não
há na dita serra minas de metais ou canteiras de pedras ou de outros
materiais de estimação, somente em muitas partes desta minha
freguesia e de outras vizinhas há abundância de pedra vulgar para
os edifícios e igrejas que dela, nestas partes, se costumam fazer,
porem é de grão mais fino e cor mais alva que a de outros sítios
e, por isso, aqui a mandam buscar, ainda da cidade de Braga, para
edifícios e templos.
8.º A
dita serra neste meu distrito, a usual e comum planta que há nela
são devesas de carvalhos, de que se colhe lenha para o fogo, e não
consta haja nela ervas medicinais de especial nota. E, no alto dela,
se semeiam algumas chãs de milho alvo, milhão e feijão galego, que
produz em mediana abundância, pois são nela bastantemente frios os
ares, pelo que não produz vinho. E da mesma qualidade são as terras
dela e muito secas, no mesmo alto dela.
9.º Não
há na dita serra neste meu distrito mosteiros, igrejas de romagem,
nem imagens milagrosas.
10.º A
qualidade da dita serra, no alto dela, como já disse, é seca por
falta de águas, pois se não rega, e fria, principalmente dos ares.
Nas costas, porém, que fazem frente para as ribeiras dela, de um e
outro lado se acham águas, que se tiram e fazem mais férteis as
terras que com as ditas águas são regadas, mas sempre a qualidade
das terras da mesma serra é fria.
11.º Na
dita serra não há criações de gados neste distrito e, para os que
são criados nesta ribeira, apenas chegam pastos para o sustento
deles, que não são comummente mais dos necessários para as
lavouras dos moradores desta freguesia.
12.º Não
tem a dita serra neste distrito lagoa alguma ou fojos notáveis. 13.º
Não há, enfim, coisa alguma mais a respeito desta serra de que deva
fazer-se individual expressão.
Quanto
é ao rio.
Por esta
freguesia não decorre rio algum, nem no distrito dela nasce, e por
isso não há que informar coisa alguma a este respeito sobre os
interrogatórios pertencentes a esta classe.
É esta a
informação que nesta matéria posso dar na verdade, a qual, na
forma das ordens de Vossa Mercê, vai assinada pelos dois párocos
vizinhos desta freguesia e sempre fico pronto para todas as mais que
Vossa Mercê me der como
De Vossa
Mercê, mais reverente súbdito.
Por
impedimento do reverendo abade de S. Vicente de Oleiros fazendo suas
vezes, o padre João de Faria dos Guimarães.
O abade
João Correia de Oliveira.
Gonçalo
de Almeida Pontes.
“Airão, São
João”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais),
Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 5, n.º 90, p. 1113 a 1118.
[A
seguir: Santa Maria de Airão]
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