Memórias Paroquiais de 1758: Santa Maria de Airão



Diz o dicionário que airão é um arranjo de flores artificiais em que entram pedras finas, antigamente usado para enfeitar toucados de mulher. Também poderia designar os grandes penachos que enfeitavam capacetes ou chapéus de homem (como o que se vê na estátua do Guimarães das duas caras).
Ao que parece, a freguesia de Santa Maria de Airão absorveu uma outra, que se chamava S. Paio de Lanhas.
Segundo o Abade de Tagilde, nesta freguesia existia, em finais do século XIX, um pinheiro que media cinco metros de circunferência e quarenta e quatro de altura, que se mantinha de pé, apesar de “algum dano” que lhe provocou a queda de um raio.

Santa Maria de Airão
Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor.
O que posso informar a Vossa Mercê a respeito dos interrogatórios que por ordem de Vossa Mercê me foram entregues é o seguinte.
1.º Ao primeiro artigo respondo: fica esta freguesia de Santa Maria de Airão na Província de Entre-Douro-e-Minho, do Arcebispado de Braga, termo de Guimarães e comarca.
2.º Não é terra de donatário, mas sim de el-rei Nosso Senhor D. José, o primeiro.
3.º Tem esta freguesia noventa e seis vizinhos ou fogos, pessoas trezentas e cinquenta e quatro.
4.º Está situada num vale do qual se não descobre povoação alguma.
5.º Não tem termo seu, mas sim, como já fica dito, é do da vila de Guimarães.
6. A igreja paroquial se acha a um lado da freguesia que tem dez lugares como são: Monaco, Treslaje, Ferreiros, Lanhas, Agrelo, Cazermo, Moinhos, Santa Luzia, Penedo, Assento e algumas casas mais separadas como são as da Bouça, Agros e Fonte de Goda.
7. O orago é Nossa Senhora da Misericórdia, cuja igreja tem três altares. O maior, em que se acha o Santíssimo per modum viatici, que sustenta o pároco por sua devoção. Tem as imagens da dita Senhora, de Santa Ana, de Santa Quitéria, de São Domingos e de São Francisco, e dois colaterais, num dos quais está Nossa Senhora do Rosário e, no outro, que é do Menino Deus, se acha a mesma imagem do Menino, de São Sebastião e Santo António. É esta igreja de uma só nave e nela não há irmandade.
8.º É o pároco desta freguesia abade. Tem de renda trezentos e noventa mil réis.
9.º e 10.º, 11.º e 12.º Não há nesta igreja e freguesia beneficiados, conventos, hospital, nem Misericórdia.
13.º Há nesta freguesia uma só capela da invocação de Santa Luzia em que se acha, além da imagem desta santa, a de São Silvestre, a qual capela está situada no meio do lugar de Santa Luzia. Não pertence a pessoa alguma e se sustenta de uma ténue fábrica que antigamente se lhe deixou.
14.º A dita capela de Santa Luzia tem duas romagens, uma no dia desta Santa, outra no de S. Silvestre, o último de Dezembro.
15.º Os frutos que se granjeiam nesta freguesia são milho grosso, a que chamam milhão, milho miúdo, painço, centeio, feijão e vinho verde; porém, só de milhão se recolhe com maior abundância.
16.º Não há nesta freguesia câmara, nem juiz porquanto está sujeita, como retro fica, dito às justiças da vila de Guimarães.
17.º Não há aqui couto, nem é esta terra cabeça de concelho, nem é honra, nem beetria.
18.º Não há memória que daqui saísse homem por virtude, letras ou armas insigne.
19.º Não há nesta freguesia feira alguma.
20.º Serve-se esta freguesia do correio da vila de Guimarães ou do da cidade de Braga, que ambas distam duas léguas.
21.º Fica esta freguesia distante da cidade de Braga, que é a capital deste Arcebispado, duas léguas e da de Lisboa cinquenta e oito.
22.º Não há aqui privilégios, antiguidades, nem coisa digna de memória.
23.º Não há aqui nem nas vizinhanças de que eu tenha notícia fonte ou lagoa digna de memória.
24.º Fica esta terra distante do mar seis léguas e assim me não fica lugar que diga a este artigo.
25.º Não é esta terra murada, nem torre ou castelo tem. Só sim na freguesia de São Mamede de Vermil, imediata a esta, se acha uma torre quase arruinada, que por tradição dizem fora de uma Dona Loba. Fica no couto de Ronfe.
26.º Nesta freguesia, só no arco cruzeiro fez efeito o terramoto do ano de mil setecentos e cinquenta e cinco, porém sem dano.
27.º Não há coisa alguma mais que possa advertir.
No que respeita a serras, não as há nesta freguesia, só sim dois pequenos outeiros, chamados da Barca e São João, indignos, por diminutos, de memória alguma e de neles se poderem verificar algumas circunstâncias ou qualidade dos interrogatórios a este respeito.


Descrição de um regato que corre por esta freguesia.
1.º Passa por esta freguesia um ribeiro chamado na mesma de Truta, sem dúvida por noutro tempo dar muito deste peixe. Nasce na freguesia de S. Martinho de Leitões, um quarto de légua desviada desta para a parte de entre o Norte e Nascente, ou, ad melius, ao Nordeste.
2.º Não nasce caudaloso mas sim de uma fonte ou charco e em alguns anos, ao menos nesta minha freguesia, seca pelo Verão.
3.º Não entra nele rio algum, ao menos nestas freguesias imediatas, e só a ele se juntam algumas águas que nascem no monte da Curviã que fica por cima das freguesias do Salvador de Joane, Pousada e Vermoim ao Noroeste.
4.º Não é navegável, por não ter para esse efeito águas.
5.º Não tem curso arrebatado, principalmente nestas freguesias vizinhas, porquanto corre por terra quase plana, prescindindo de alguns lugares onde tem moinhos.
6.º Corre de Nordeste para entre Sul e Poente ou para o Sudoeste.
7.º Cria algumas trutas e escalos e, em distância desta freguesia uma légua, por levar já bastante água, com abundância. É a água muito fria e por isso o peixe muito gostoso. Junto ao rio Ave, onde fenece, traz também barbos.
8.º Pesca-se nele à mão e com redes, pelo tempo do Verão.
9.º São livres as pescarias, menos quando passa pelo couto de Landim, que é dos cónegos regrantes, que aí ouvi o coutavam os religiosos mesmos.
10.º Cultiva-se nas suas margens, em partes, e também são abundantes de árvores como de castanheiros, amieiros e uveiras.
11.º Não sei tenham as águas deste regato virtude alguma particular.
12.º Na freguesia do Salvador de Joane, imediata a esta, para a parte do Poente, perde este regato o nome da Truta e toma o do rio de Pele, por passar por um lugar assim chamado, o qual conserva, segundo o meu parecer, até se meter no rio Ave e não sei que tenha ou tivesse outro nome.
13.º Morre este regato no rio Ave, junto à ponte de Lagoncinha. Não sei se na freguesia da Palmeira, duas léguas e meia desviada desta minha.
14.º Tem muitas levadas e presas ou poças em ordem a se aproveitarem os lavradores das suas águas para regarem os campos, por cuja razão, ainda que tivesse águas, se faria inavegável.
15.º Não sei que tenha mais que uma ponte, que é em Landim, junto ao convento dos religiosos Crúzios, e é de cantaria.
16.º Tem muitos moinhos e alguns lagares de azeite e pisões em todo o seu progresso.
17.º Não tenho notícia que deste regato se tenha tirado ouro, ainda que todo ele o é, pelo benefício que faz aos campos com as suas águas, das quais se aproveitam os lavradores em limas e regas.
18º. Como já disse, usam os povos das águas deste regato para limarem e regarem os campos e não sei dêem para esse efeito pensão alguma.
19. Tem este regato três léguas ou pouco menos, da freguesia de São Martinho de Leitões, onde nasce, até à ponte da Lagoncinha ou junto a ela, onde se mete no rio Ave, perdendo neste rio, por ser muito grande, respectivé, o seu nome de Pele.
20.º Não há coisa mais de que possa informar.
Esta a notícia, que tenho por ciência particular e própria, como também por informações que tirei. Em verdade do que me assino com o reverendo abade de S. João de Airão, Gonçalo de Almeida Pontes, e o padre João de Faria dos Guimarães, por impedimento que tinha o seu reverendo pároco, o abade de São Vicente de Oleiros, que são os párocos mais meus vizinhos. Santa Maria de Airão, de Maio 23 de 1758.
Aos pés de Vossa Mercê.
Por impedimento do reverendo abade de S. Vicente de Oleiros, o padre João de Faria dos Guimarães.
O abade Gonçalo de Almeida Pontes.
O abade João Correia de Oliveira.
Airão, Santa Maria”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 5, n.º 89, p. 1105 a 1112.

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