"Os Quatro Irmãos" |
Em
S. Martinho de Sande existe um misterioso conjunto de pedras
lavradas que, segundo a tradição, serão os túmulos de quatro
irmãos desavindos. O pároco que escreveu as memórias paroquiais
desta freguesia não dava crédito a essa tradição, mas diz-nos
sabia que “o monte ou serra da cidade Citânia”, que se avista
dali, “foi habitação dos mouros”.
A
torre da igreja paroquial só foi acabada em 1791 (antes disso, o
sino estava preso em paus). Segundo o Abade de Tagilde, recebeu um
sino novo, “cujas vozes muito sonoras o fizeram conhecido a tal
ponto que o capitão-mor de Guimarães o quis usurpar para aquela
vila. Com o pretexto de servir nuns festejos que ali haviam, tocando
no Campo da Feira, conseguiu dos mesários do senhor que eles o
emprestassem. As
mulheres,
homens
e rapazes da freguesia, armados de paus, foices, forcados, etc,
levantaram-se para o defender, apresentando-se no adro e não
consentiram que os encarregados de o desmontar e levar para Guimarães
cumprissem sua missão”. Foi a revolta do sino.
Quando,
meio século mais tarde, rebentou a Revolução da Maria da Fonte,
foi em S. Martinho de Sande que começou a lavrar em terras de Guimarães.
Gente brava, a desta terra.
São
Martinho de Sande
Li com
toda atenção os itens do papel que me foi entregue no dia 26 de
Abril deste presente ano e de todos eles achei o seguinte.
Está
situada esta freguesia de São Martinho de Sande num delicioso
terreno, no meio de seus moradores, na fértil Província de
Entre-Douro-e-Minho, Arcebispado de Braga, termo e comarca da sempre
leal, notável e régia vila de Guimarães, berço do primeiro Rei de
Portugal, o venerável Senhor Dom Afonso Henriques, de que Sua
Majestade Fidelíssima foi sempre absoluto Senhor e pelas justiças
da mesma vila se governa.
Consta
ser antigamente mosteiro de cónegos de Santo Agostinho que fundou na
melhor opinião o ilustríssimo Senhor São Profuturo, Arcebispo
Primaz de Braga, no ano de 392, e depois passou a ordem Beneditina e
o extinguiu o ilustríssimo Senhor Dom Fernando da Guerra, Primaz da
mesma Diocese, e hoje é rendosa comenda da Ordem de Cristo, de que é
comendador o ilustríssimo Marquês de Valença, ao qual pertencem os
dízimos dela e das suas anexas São Clemente de Sande e São
Lourenço de Sande. E a igreja é da colação ordinária e se provê
por concurso. Tem de rendimento o reitor dela cento e sessenta mil
réis, conforme os anos, e a este pertence apresentar os vigários
das ditas anexas, quando sucede vagarem.
É esta
igreja uma das mais preciosas do termo da vila de Guimarães, por ser
muito grande, de uma só nave, toda azulejada ao antigo e pelo tecto
se admiram excelentes pinturas. Tem cinco altares, o principal de São
Martinho, orago dela, onde se venera o Santíssimo Sacramento, que
tem confraria de bastante rendimento. Os mais são de Nossa Senhora
do Rosário, que também tem confraria, o grande patriarca São José,
o Senhor Crucificado e, o último, a Ressurreição do mesmo Senhor.
Na parede da sacristia desta igreja se acham, da parte de fora, umas
pedras com letras que dizem, setribus
abundantior,
e as mais que continuam não se podem ler, pelo discurso de muitos
anos quase as consumir.
Tem esta
freguesia duas capelas, uma de Santa Maria, sita no lugar de Sever,
que, afirmam os antigos, fora abadia, hoje se acha unida a esta
igreja e o pároco lhe administra os sacramentos dos seus moradores;
outra no lugar de Cima de Vila, com a invocação de São Gonçalo
dos Mártires, a qual se acha demolida e só existe parte das
paredes, por não ter fábrica nem padroeiro, e o santo se colocou
nesta igreja, onde ao presente se venera.
Consta do
rol dos confessados ter esta freguesia 187 fogos, pessoas de
sacramento, 524, menores, 37.
Recolhem
seus moradores abundância de milho, centeio, vinho e azeite, quando
os anos são favoráveis, e usam estes livremente das águas que
fertilizam as suas terras.
Os seus
lugares são 37 e se nomeiam pelos nomes seguintes: Assento,
Couvidos, Rocha de Baixo, Rocha de Cima, Vilarinho, Antigas no
Vergão, Bacelo, Soutinho, Cima de Vila, Couto, Foio, Carreira,
Pontes, Cachadinha, Pedregais, Cachada, Gaias, Escampado, Cutuluda,
Montes, Boavista, Taburno, Tarrio de Baixo, Tarrio de cima, Casa
Nova, Paraíso, Alvite, Ribeira, Ribeira de Além, Campos, Lama,
Vergão, Paço, Sever, Quintãs, Souto, finalmente Quatro Irmãos.
Neste
lugar dos Quatro Irmãos se vêem, para a parte do Norte, na estrada
que discorre de Guimarães para Braga, quatro sepulturas de pedra
fina, que se não sabe memória certa das pessoas que nelas existem,
porque uns dizem serem de quatro irmãos que tiveram pendências e
que neste lugar se mataram uns aos outros. A mim me parece ser
manifesto engano, pela razão de se verem as mesmas sepulturas com
decência para aqueles tempos, pois se admiram nas suas cabeceiras
esculpidas cruzes da Ordem de Cristo e com especialidade, em três
delas, delineadas espadas e, à vista disto, me persuado ser isto do
tempo dos Templários e não dos quatro irmãos que o vulgo afirma se
mataram naquele sítio.
Servem-se
os seus moradores do correio de Guimarães que parte na sexta-feira
de manhã e chega no domingo à noite.
Fica esta
freguesia distante da Augusta Braga, Metrópole deste Arcebispado,
légua e meia e da Corte de Lisboa, sessenta e uma e meia.
Não
experimentou ruína alguma no formidável terramoto do ano de mil e
setecentos e cinquenta e cinco, que Deus Senhor Nosso pela sua
infinita piedade permita não nos castigar segunda vez com o flagelo
da sua justiça.
Admira-se
nesta freguesia o celebrado monte chamado o Coto de Outinho, com
várias devesas de carvalhos, e produz matos para sustento dos gados
e cultura das terras, onde também se acham coelhos e perdizes para
recreio dos caçadores. Da sua planície se descobrem várias serras
e, em distância de meia légua, a temida serra da Falperra, a serra
de Santa Catarina, distante duas léguas, o monte ou serra da cidade
Citânia, que foi habitação dos mouros, e outras muitas que os
párocos do seu distrito darão plena notícia pela longitude em que
se descobrem, por não o poder indagar com mais clareza.
Fertilizam
esta freguesia dez fontes de gostosa água e algumas delas, no Estio,
se secam. Vê-se uma ponte no meio da estrada que vai de Guimarães
para Braga, por onde passa o cristalino rio chamado Febras, que nasce
na serra da Falperra, discorre pelo meio da freguesia e vai morrer no
rio intitulado Ave. Tem de comprido meia légua, corre do Norte ao
Sul, produz em todo o ano excelentes trutas de especial gosto e, no
âmbito dele, se acham onze moinhos, que cortam pão de segunda para
sustento de seus moradores e algumas freguesias circunvizinhas.
Isto é o
que pude descobrir e pessoalmente entreguei esta informação ao
escrivão da câmara deste Arcebispado, com o mesmo mandado
ambulatório e recibos de todos os párocos desta visita, e como,
assim o executei na forma que me foi mandado, me assino com os
párocos mais vizinhos desta igreja de São Martinho de Sande, aos
sete de Maio de 1758.
O pároco
Jerónimo Pereira da Silva e Oliveira.
O vigário
de São Lourenço, Miguel de Abreu.
O vigário
do Salvador de Balazar, Francisco José Soares.
“Sande,
São Martinho de”, Dicionário Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo,
Vol. 33, n.º
48, p. 333 a 335.
[A seguir: São Clemente de Sande]
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