Em
1758, segundo a descrição que o pároco de S. Clemente de Sande
escreveu na respectiva memória paroquial, no monte de São
Bartolomeu havia uma capela que invocava o santo com o mesmo nome, “fundada num
rochedo do dito monte, para a parte do meio dia”, onde concorria
“muito povo de várias partes, no dia do mesmo santo”. Em 1885,
Francisco Martins Sarmento registou nos seus apontamentos: “houve
uma capela no alto; mas nem vestígios restam hoje dela”. Quando
por lá passou, o arqueólogo não ouviu contar tradições de
mouros, mas verificou que “houve
efectivamente ali uma fortaleza e não pequena, seguindo-se
facilmente em muita parte a linha onde foram as muralhas, e cuja
pedra foi quase na totalidade arrancada, mas nada mais que chame a
atenção”.
São
Clemente de Sande
Notícia
ou declaração lacónica aos interrogatórios expressados no papel
junto e escrita em observância do que se me determinou na ordem do
senhor ordinário que com o mesmo papel vinha e, na forma dela, torno
a remeter.
Esta
freguesia de São Clemente de Sande está situada num vale ameno,
cercado, pela parte do Norte, com um monte em algumas partes
bastantemente alto, denominado o monte de São Bartolomeu, talvez
porque num rochedo dele está uma capela do mesmo santo, de cuja
primeira fundação não há memória, motivo por que se conjectura
ser antiquíssima, e no território ou termo da sempre notável vila
de Guimarães, primeiro berço dos fidelíssimos monarcas lusitanos.
E estão sujeitos os moradores da mesma freguesia às justiças
seculares da mesma vila, que constam dos doutores juiz de fora,
corregedor e provisor. E dela dista légua e meia, e o mesmo da
cidade de Braga, capital do Arcebispado, e sessenta léguas da de
Lisboa, capital do Reino.
A igreja
é dedicada ao invictíssimo mártir São Clemente, seu orago e
padroeiro, cuja sagrada imagem está colocada no altar da capela-mor.
Ao seu lado direito está a imagem de Deus Menino e a do Príncipe
dos Apóstolos, São Pedro; ao lado esquerdo, está a imagem de Santo
Amaro. A capela-mor é de pequena estrutura. A igreja tem uma só
nave, estreita, sim, mas comprida. Tem dois altares colaterais com
proporção na grandeza à estreiteza da mesma igreja. No do lado
direito está a sagrada imagem de Maria Santíssima, com a invocação
ou título das Candeias. É de roca e tem nas mãos o seu dulcíssimo
filho. Está continuamente ornada com vestidos de seda, coroa de
prata, e, no dia da sua festividade, a dois de Fevereiro, e nas
festas mais principais do ano, lhe vestem vestido e manto de seda
mais preciosa. No altar do lado esquerdo, está a imagem da
gloriosíssima Santa Ana, com sua santíssima filha, e querido neto
no colo, tudo de vulto, perfeitamente encarnados os rostos e
estofadas as roupas. A imagem da santa está na postura de sentada e,
ao seu lado direito, está a imagem de Maria Santíssima, tudo
fabricado na mesma peça e posta sobre sua peanha. Ao lado esquerdo
de Santa Ana, está colocada a imagem de São Sebastião, também de
vulto. Em todos os três altares estão pintadas algumas imagens com
bela perfeição, ainda que antigas as pinturas, e os mesmos altares
dourados. Não há irmandades nem confrarias algumas nesta igreja,
mais do que a confraria do Santo Nome de Deus, que se festeja no dia
da Circuncisão. No altar-mor, ao lado esquerdo do santo padroeiro,
está a imagem de Santo António.
O pároco
desta igreja é vigário colado e, quando sucede vagar, pertence a
sua apresentação ao reverendo reitor do Mosteiro de São Martinho
de Sande, a quem é anexa. Tem de côngrua anual catorze mil réis em
dinheiro, duas libras de cera, dois almudes de vinho, dois alqueires
de trigo e trezentos réis para a lavagem da roupa, pago tudo pelos
frutos da comenda. E terá de rendimento, por tudo, cento e vinte mil
réis cada um ano.
No alto
do monte chamado de São Bartolomeu, para a parte do Norte, está uma
planície e, no fim dela, o lugar chamado de Outinho cujos moradores
vivem gostosos com a protecção soberana de Maria Santíssima que,
junto ao mesmo lugar, se venera numa capela de grandeza bastante para
o sítio e com seu pórtico, com o título ou invocação de Senhora
da Saúde, cuja sagrada imagem ornam os seus devotos com vestidos de
seda, por ser de roca. E, no dia da sua festividade, que é na
segunda oitava da Páscoa, lhe vestem o mais precioso. Nesse dia,
concorre inumerável povo em romaria a venerar a mesma Senhora e
também pelo decurso do ano, pois obra a senhora muitos milagres. Não
há notícia do tempo em que se fundasse a dita capela e, por isso,
se faz presumível que os primeiros habitadores daquele sítio tão
solitário a fabricariam e nela colocariam a sagrada imagem. O
fabriqueiro da comenda tem a obrigação da sua reedificação, sendo
necessário conservá-la e paramentá-la. Os moradores daquele lugar
têm grandes matas de lenhas de carvalho, castanheiros e outras
árvores. Lavram muito pão e, já hoje, algum vinho. Criam muitos
gados e distarão da igreja meia légua, pouco mais ou menos e do fim
da freguesia, que finaliza no rio Ave, uma légua. É todo o monte
povoado de árvores e matos e tem bastante caça de perdizes, coelhos
e algumas lebres.
A capela
de São Bartolomeu está fundada num rochedo do dito monte, para a
parte do meio dia. A ela concorre muito povo de várias partes, no
dia do mesmo santo. Também se ignora a sua fundação e pertence aos
moradores da freguesia o consertá-la de tudo o necessário. A imagem
do santo é de vulto e está colocada num altar de madeira pintado. A
aspereza do sítio não permite o estar com a decência devida.
Subindo
para o mesmo monte, também pela parte do meio dia e já no princípio
do vale, está a capela de São Miguel, cuja capela é do morgado que
na mesma quinta instituiu Gil Lourenço Gomide, mantieiro-mor do
Senhor Rei Dom João primeiro, alcaide-mor de Miranda e irmão de
Gonçalo Lourenço, escrivão da puridade, em quatro de Agosto do ano
de mil quatrocentos e trinta, como se lê numa pedra metida na parede
que faz entrada e portal para as casas da mesma quinta, ao lado
esquerdo do portal, entrando de fora. E, noutra pedra metida na mesma
parede, ao lado direito, entrando, se lêem os privilégios
antigamente concedidos ao mesmo instituidor e seus sucessores, que
hoje não logram, por deixarem perder o uso e posse de uma torre que
tinham na vila de Guimarães. E, para lembrança deles, o
administrador que foi do mesmo morgado, Francisco Pereira de Miranda,
mandou pôr duas colunas na entrada do mesmo portal e, de uma para a
outra, uma cadeia de ferro por cima da porta e, sobre a do lado
direito, saindo para fora, uma coroa, sem dúvida de ferro
sobredourado, sustentada numa vareta, também de ferro. Como este
administrador faleceu sem sucessão, lhe sucedeu seu irmão Manuel
Félix de Miranda, assistente na cidade de Braga. A capela está
decentemente ornada.
Logo
abaixo da sobredita quinta, no lugar chamado de Ruivós, se vê
arruinada a capela de São Pedro, cuja sagrada imagem é a que se
venera na igreja. Era capela pequena, mas é tradição constante
que, algum dia, fora igreja matriz e abadia e não há muitos anos
que a teima ou incúria dos fabriqueiros da comenda, a quem pertencia
o fábrica-la, motivou o estrago em que hoje se vê, pois os
moradores desta freguesia, e não os mais velhos, se lembram de se
festejar o santo na mesma capela.
A terra
desta freguesia é muito frutífera, pelas muitas águas com que se
rega, e, por isso, é abundante de milhão, centeio, feijão e linho,
mas pouco trigo, bastante azeite, muito vinho de uveiras, a que
chamam de enforcado, muitas frutas de várias castas. E os lavradores
criam muitos gados, grandes e miúdos.
Não há
nesta freguesia coisa digna de memória mais do que o expressado,
para dar reposta aos interrogatórios separadamente, nem nos montes
que a circundam pelos mais dos lados, excepto para a parte da vila de
Guimarães, nem no mesmo vale de que consta. Não tem rio algum mais
do que um pequeno regato, que nela entra pouco acima do lugar chamado
o Tapado. Este, no tempo do Inverno, se ensoberbece com as muitas
águas que dos montes descem para ele. Tem seu princípio numa fonte
na serra chamada Falperra e, unindo-se aquelas águas com outras na
freguesia de São Salvador de Balazar, o vão aumentando. Cria
bastantes trutas, escalos e bogas. Logo a pouca distância do seu
princípio, se vê povoado de moinhos e nesta freguesia tem muita
quantidade deles, depois que nela entra até desaguar no rio Ave. Das
suas águas usam livremente os moradores desta freguesia para a
cultura das terras e o mesmo fazem os das mais freguesias por onde
passa. Quase todas as suas margens se cultivam e são povoadas de
arvoredo silvestre, algum, e outro frutífero. Do seu nascimento até
ao rio Ave, onde fenece, terá de comprido mais de uma légua, não
atendendo aos âmbitos que faz, mas sim atendendo à distância da
terra em direitura. Nesta freguesia, depois que nela entra, o
denominam o rio de Febras e, querendo indagar a etimologia deste
nome, não achei quem dela me desse notícia e só me disseram que se
chamava assim pela frialdade das suas águas.
Dos
últimos fins do lugar de Outinho até ao rio Ave, terá esta
freguesia uma légua de comprimento. Os seus lugares são
bastantemente dispersos e, ainda que não mereçam rigorosamente o
nome de lugares, por terem poucos vizinhos ou moradores, e muitos
deles não têm mais que um só morador, contudo vão expressados
pela ordem seguinte e como estão descritos no rol da igreja: lugar
do Assento, Pinheiro, Cachada, Mão, Marnel, Madroa, Paçô,
Carvalho, Ventozela, Bacelo, Barroca, Bouça, Casa Nova, Bouça do
Monte, Devesa, Cabreira, Barroco, São Miguel, Outeiros, Montezelo,
Ruivós, Seixido, Lamas, Bieite, Pombal, Souto Novo, Moinhos, azenha
de Bargas, Vila Fria, Tapado, Dussumarães, Azenha, Panco, Souto,
Trás-do-Rio, Quintãs, Mogada, Outinho.
Todos os
sobreditos lugares constam, ao presente, entre pessoas maiores e
menores, de um e outro sexo, quase de quinhentas pessoas, computando
também as que aos peitos de suas mães se vão criando. E, porque
umas nascem e outras morrem, se não pode verificar cômputo certo na
sua existência.
Os
moradores desta freguesia, quanto a ocorrência dos seus negócios ou
dependências o pede, se servem do correio da vila de Guimarães.
É
tradição constante que esta igreja fora antigamente abadia, mas não
consta o tempo em que se anexou à igreja do Mosteiro de São
Martinho de Sande, para se saber se foi depois de reduzido à comenda
da Ordem de Cristo ou quando era de monges Beneditinos, em cujo
tempo, talvez, estaria mais bem ornada a sua pequena capela-mor e
paramentada do preciso para o culto divino, do que hoje se acha, pois
se acha em suma pobreza de ornatos e mais coisas necessárias, sem
dúvida porque a sua miséria se não tem manifestado a quem percebe
os frutos da mesma comenda pois, sendo os desta freguesia uma das
grandes porções de que se compõe o todo do seu rendimento, crível
é que o ilustríssimo comendador, se o soubesse, não deixaria de
facultar zelosa e catolicamente ao seu fabriqueiro a liberdade de
ornar e paramentar a capela-mor de uma igreja tão pingue no
rendimento para a mesma comenda.
Esta, em
suma, é a sincera resposta que se pode dar à maior parte dos
interrogatórios, em razão de não haver no distrito desta
freguesia, montes e vales, coisa memorável, na forma dos mesmos
interrogatórios, para responder a cada um especificamente. Toda a
expressão feita é verdade notória, e por ser assim o escrevi e
assinei, juntamente com os dois reverendos párocos vizinhos desta
freguesia. São Clemente de Sande, 8 de Maio de 1758.
O
vigário, Duarte Correia de Lacerda.
O vigário
de São Tomé de Caldelas, Domingos Fernandes.
O vigário
de São Lourenço de Sande, Miguel de Abreu Pereira.
“Sande,
São Clemente de”, Dicionário Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo,
Vol. 33, n.º
49, p. 337 a 343.
[A
seguir: Vila Nova de Sande]
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