A Vila Velha (S. Miguel do Castelo) de Guimarães. Reconstituição de Alexandre Reis. |
Correspondendo
ao aviso de 18 de Janeiro de 1758, do Secretário de Estado dos
Negócios Interiores do Reino, o futuro Marquês de Pombal, as
autoridades eclesiásticas fizeram circular por todas as freguesias
do reino os respectivos questionários impressos. No arcebispado de
Braga, o responsável pelo envio dos questionários e pela recepção
das respostas foi o provisor da relação, Francisco Fernandes
Coelho. Os inquéritos começaram a ser distribuídos em meados de
Fevereiro e as respostas começaram a chegar no mês seguinte.
Observamos
84 freguesias que então integravam o concelho de Guimarães (as que
hoje compreende o seu território e as que constituem o concelho de
Vizela, a que se somam as de Cunha e Ruilhe, que então ficavam no
meio do território de Barcelos).
São,
ao todo, 84 freguesias, de que chegaram até nós 69 as respostas aos
interrogatórios de 1758. Suspeitamos
que as
quinze que estão
em falta
poderão
fazer parte de um volume que poderá andar extraviado, já que são
aquelas cujas iniciais se situam, em
perfeita sequência,
entres as letras M e P, a saber, Marinha da Costa (Santa), Mascotelos (S. Vicente de), Matamá
(Santa Maria), Mesão
Frio (S. Romão), Moreira de Cónegos (São Paio), Nespereira (Santa
Eulália), Oleiros (São Vicente), Paio de Vizela (São), Paraíso (São Miguel do), Pencelo
(São João Baptista), Pentieiros (Santa Eulália), Pinheiro (São
Salvador), Polvoreira (São Pedro), Ponte (São João), Prazins
(Santa Eufémia) e Prazins (Santo Tirso).
As respostas conhecidas
estão datadas entre 7
de Março (O Salvador de Briteiros) e 2 de Junho (S. João das Caldas
de Vizela).
Começaremos
esta digressão pelo antigo concelho de Guimarães com aquela que se
apresentou como “a
verdadeira vila de Guimarães”, a pequena paróquia de S. Miguel ou
Santa Margarida do Castelo, que coincidia com a Vila Velha de
Guimarães e se situava no topo da colina onde está levantado o
castelo da Fundação.
Esta
paróquia foi anexada à de Santa Maria da Oliveira
(eclesiasticamente em 16 de Dezembro de 1872, civilmente no início
de 1896).
S.
MIGUEL DO CASTELO
Extracto
e verdadeira notícia da sempre régia e antiga freguesia de São
Miguel do Castelo, vulgo de Santa Margarida, intramuros da vila de
Guimarães, Arcebispado Primaz de Braga.
1.º
Fica esta freguesia na amena e aprazível Província de
Entre-Douro-e-Minho, no Arcebispado de Braga e, por se achar dentro
dos muros da nobre e sempre leal vila de Guimarães, pertence ao
termo e comarca dela.
2.º
O domínio desta freguesia, ainda que em algum tempo foi da Casa de
Bragança, hoje o tem a Casa Real, a quem toda a vila pertence.
3.º
Tem esta freguesia muito poucos vizinhos, que, por todos, fazem o
número de dezassete fogos, e pessoas de sacramento, entre homens e
mulheres, cinquenta e duas, menores quatro, que, por todas, fazem o
número de cinquenta e seis.
4.º
Está situada num vale ao pé do muro da dita vila, no meio de um
olival pertencente ao abade dela.
5.º
Não tem lugares, nem compreende aldeias, pois a diminuta quantidade
de seus moradores bem indica a sua pequena extensão e
circunferência.
6.º
Está esta freguesia situada dentro dos muros da dita vila. É
suposto fosse ela a verdadeira vila de Guimarães pois, antes de
experimentar a sua última ruína, tinha jurisdição dividida da que
hoje existe, governando-se uma e outra por diversos ministros. Hoje
só conserva o nome de Vila Velha, na qual não há mais do que uma
rua, chamada do Castelo ou de Santa Bárbara, cujo nome ainda
conserva uma porta da muralha, a qual fica para a parte do Nascente,
e, todas as mais que havia, se acham demolidas e repartidas em
quintais particulares.
7.º
É o titular, ou orago, desta freguesia o Arcanjo São Miguel e se
denomina com o título de abadia primaz, como descreve o padre
António Carvalho na sua Corografia
Portuguesa,
tomo primeiro, livro primeiro, página terceira e sequente, na qual
se acha a sua descrição, com verdade e clareza.
Na
arquitectura desta igreja se vê a sua grande antiguidade e, na
capela-mor dela, no meio do altar, está colocada a imagem de um
Santo Cristo e junta ao pé da Cruz a imagem da Senhora Santa Ana, a
qual deixou Jerónimo Vieira de Lima, professo na Ordem de Cristo,
com vinte e uma medidas de pão meado, para os abades dela lhe
cantarem uma missa com música e sermão, no dia da sua festa. E,
como destas lhe não pagam ao presente mais do que oito, também se
lhe não satisfaz o legado, senão com uma missa cantada, por ele
assim o determinar em seu testamento.
Divide
esta capela-mor do corpo da igreja um arco de pedra, sobre o qual
encostam dois altares, um de cada parte. O do Evangelho é de Nossa
Senhora da Graça, ao qual se acha anexo o morgado que instituiu Dom
Martinho Pais, chantre de Coimbra, que jaz sepultado ao pé do mesmo
altar. E, por falta de descendência, se acha hoje na Coroa e são
seus administradores obrigados a mandarem dizer nesta igreja,
anualmente, duas missas cantadas e quatro rezadas, conforme a
intenção do instituidor.
O
da parte da Epístola é de Santa Margarida, por quem esta igreja é
hoje mais nomeada e conhecida, do que pelo seu orago São Miguel, que
existe colocado na capela-mor, da parte do Evangelho, a qual Santa
festejam com grandeza todos os anos as fidalgas e mais mulheres
casadas da terra, por a haverem tomada por advogada em seus partos. E
no dia vinte de Julho se lhe faz a sua festa, onde concorre muito
povo até às dez horas da noite e, nos mais dias do ano, a buscam
com seus novenários todas as mulheres pejadas, por ser esta uma
santa que em todos os partos obra especialíssimos milagres. Neste
mesmo dia da sua festa, vai o ilustríssimo e reverendíssimo Cabido
da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira a esta igreja, onde, por
legado, cantam um nocturno com sua missa rezada, pelas almas de
Afonso Enes do Castelo e sua mulher.
Tem
bastante grandeza o corpo da igreja, a qual foi sagrada pelo
Excelentíssimo e Reverendíssimo Arcebispo de Braga Dom Silvestre,
no ano de mil duzentos e trinta e seis e, no de mil cento e oito, foi
baptizado por São Geraldo, Arcebispo de Braga, o nosso primeiro Rei
o venerável Dom Afonso Henriques. E a pia em que se lhe administrou
este sacramento se acha hoje depositada e metida na parede da igreja
da Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira desta vila, da parte
da Epístola, junto à capela de Nossa Senhora da Conceição.
Os
pórticos são de arquitectura lisa e antiquíssima. No pavimento se
acham muitas sepulturas com diversas armas e algumas figuras. Na
parede, pela parte de fora, tem antigos monumentos e, no exterior da
porta travessa, se conserva, ainda hoje, uma pia de pedra grossa, que
era a medida por onde se aferiam todas as desta província e de
presente o é desta vila, termo e comarca.
8.º
O pároco dela é abade, cuja apresentação e colação, depois de
feito o exame sinodal em Braga, pertence ao ilustríssimo e
reverendíssimo Dom prior e cabido desta vila, simultaneamente. E
terá de renda, entre certo e incerto, cem mil réis –
diminuta renda para uma igreja tão régia.
11.º
Tem um hospital antiquíssimo e de pobre arquitectura, com a
invocação de São Miguel Arcanjo, para nele se recolherem cinco
pobres e necessitadas mulheres, com cinco quartos ou cubículos em
que se acha repartido. São administradores dele os abades da dita
igreja, aos quais se paga anualmente, por diversos caseiros, dez mil
trezentos e dez réis, para satisfação de cinco missas cantadas e
reedificação do dito hospital, sendo necessário, e, não o sendo,
se satisfaz o produto da dita quantia em missas rezadas pelas almas
dos que deixaram os ditos foros.
Cobrava
estes foros uma confraria do Arcanjo São Miguel, a qual se acha hoje
extinta e fazem as suas vezes os abades administradores dela. Na
véspera de Natal, se lhe paga de renda um carro de lenha para os
pobres dele repartirem entre si.
13.º
Tem uma capela dentro de um castelo (cuja descrição se fará em seu
lugar), com a invocação de São João Baptista, para ouvirem missa
os presos que nele se acham encarcerados e dela se lhes administram
os sacramentos. Tem obrigação, por legado a comunidade da coraria
que existe na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, a mandar-lhe
dizer missa todos os Domingos e dias Santos do ano. E pertence a dita
capela ao alcaide-mor desta vila.
15.º
Os frutos que dos quintais em que se acha dividida esta freguesia se
colhem são algum milho grosso, pouco vinho e algum azeite do olival
pertencente ao abade dela.
21.º
Dista esta freguesia da cidade de Braga, capital deste arcebispado,
três léguas, e de Lisboa, capital do reino, sessenta.
22.º
Os privilégios ou antiguidade que ainda hoje conserva esta paróquia
e freguesia são os seguintes:
Todos
os anos, na terceira dominga de Julho, em que neste Reino se soleniza
o Anjo Custódio dele, costuma a câmara desta vila fazer-lhe uma
procissão, saindo da colegiada com o ilustríssimo e reverendíssimo
cabido, na qual vão os vereadores em corpo de câmara, acompanhados
do juiz de fora, procurador, escrivão e misteres. E assim entram na
dita freguesia ou Vila Velha e sua paróquia, na qual o ilustríssimo
e reverendíssimo Cabido reza certas orações com a circunstância,
porém, que, quando sai a procissão, leva o juiz de fora um pendão
de damasco encarnado, em que se divisa a imagem do Arcanjo São
Miguel, e, quando volta, o traz o vereador mais velho, para mostrar
que, como diz o padre António Carvalho na sua Corografia
Portuguesa,
não podia entrar um ministro com vara em lugar onde não tinha
jurisdição, pois, como fica dito, era a desta Vila Velha distinta
da que hoje existe, antes de se unirem.
Por
concessão do Ilustríssimo e Reverendíssimo Dom Lobo da Silveira,
Dom Prior da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira desta vila, e do
abade Francisco de Sousa, habitaram nesta igreja os reverendos padres
capuchos da Província da Piedade e dela usaram enquanto se lhes não
acabou o seu convento, que em muito pouca distância dos muros desta
freguesia está fundado e erecto. Entraram nela em doze de Novembro
do ano de mil e seiscentos e sessenta e quatro e saíram, com uma
procissão solene, acompanhados do Ilustríssimo e Reverendíssimo
Cabido, comunidades, Câmara e mais povo da terra, aos vinte e nove
de Julho do ano de mil e seiscentos e sessenta e oito.
25.º
É esta Vila Velha cercada de uma muralha bruta, pouco alta e sem
ameias, a qual se comunicou e uniu aos muros da nova vila, vindo a
fazer ambas uma só. Tem, entre o Norte e Nascente, sobre uma
fortíssima penha, um castelo, o qual mandou fazer a Condessa
Mumadona, para defesa do convento que mandou edificar no burgo junto
a esta vila, de religiosos e religiosas de São Bento, que hoje é a
Insigne e Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira. Está servindo
de contra-muralha a este castelo, pela parte do Norte, a muralha
velha, ficando entre uma e outra um terreno com bastante largura. E,
pela parte do Sul, não tem contra-muralha, por lhe ficar servindo de
defesa e guarda a mesma vila.
No
meio deste castelo lhe está servindo de penhasco a torre da Vila
Velha que, pela sua grande altura e fortaleza, se faz inconquistável,
vindo a ficar este castelo com três torres e só com duas portas,
uma para o Norte e outra para o Sul, cada uma delas guardadas com
dois baluartes fortíssimos. E, suposto fosse este castelo edificado
para defesa daquele convento, hoje serve de cadeia para os presos que
forem da vila e termo.
Tem,
da parte do Poente, um palácio. Porém, dele não existem ao
presente mais que as paredes, o qual foi morada do conde Dom
Henrique, quando em Guimarães assentou sua corte e berço do nosso
primeiro rei de Portugal, o venerável Dom Afonso Henriques.
Em
pouca distância deste castelo e casa onde nasceu o primeiro Rei
deste Reino, mandou fabricar um sumptuoso palácio Dom Afonso, filho
natural de el-rei Dom João o primeiro, o qual casou com Dona Brites
Pereira, filha única e herdeira do grande Conde Dom Nuno Álvares
Pereira e sua mulher Dona Leonor de Alvim, Conde de Arraiolos, Ourém,
Barcelos e outras muitas terras.
A
arquitectura desta obra é regular, dividida em quatro quartos de
sumptuosa grandeza, tendo no meio deles um claustro de quatro naves
feito de arcarias, com varandas por cima, que fazem entrada para a
capela, da qual, como de todo o mais palácio, não existem hoje mais
que as paredes. No pórtico desta capela se admiram seis colunas de
excelente jaspe,
divisando-se em cada quarto uma multiplicidade de casas, que muitas
delas sobem a demasiada altura. A fachada que fica ao Sul tem
bastante comprimento, com onze janelas de excessiva grandeza,
partidas cada uma com cruzes de pedra.
Aos
lados desta fachada se levanta o edifício noutro andar, a modo de
torreões, tendo cada um três janelas da mesma sorte, e, subindo-se
por escadas entre as paredes, tem por cima vistosas varandas, de onde
se descobre uma dilatada e aprazível vista. Não se chegou acabar
esta máquina, por faltar a vida ao seu fundador.
Para
a parte do Norte, porém, se cobriram algumas casas onde assistiu até
à morte a venerável Dona Constância de Noronha, filha de Dom
Afonso de Gijón e de Noronha, filho natural de el-rei Dom Henrique,
o segundo de Castela, casado com Dona Isabel, filha natural de el-rei
Dom Fernando.
Foi
esta venerável senhora segunda mulher de Dom Afonso, fundador deste
palácio, e jaz sepultada na capela-mor do convento de São Francisco
desta vila. E algumas destas casas que ainda hoje existem cobertas,
servem para recolher as rendas que as sereníssimas rainhas de
Portugal têm no almoxarifado desta vila.
26.
Nenhum destes sumptuosos palácios padeceu ruína no terramoto que
houve no ano de mil e setecentos e cinquenta e cinco, somente o corpo
da igreja paroquial que se acha da parte do Evangelho, junto à porta
travessa, fendido por duas partes até ao meio, ameaçando bastante
ruína. Porém, como a renda é diminuta e os fregueses limitados e
muito pobres, não há com que se possa reparar.
Enquanto
aos mais interrogatórios, não há, nem tenho de que dar satisfação,
pois o referido é o que pude averiguar, por não haver nesta
freguesia monte, serra, nem rio, como na ordem se procura saber.
Guimarães, de Abril 10 de 1758.
O
abade António Machado de Oliveira
O
pároco José Luís Ferreira.
O
pároco Francisco Dantas Coelho.
“São
Miguel do Castelo, Guimarães”, Dicionário
Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, vol. 18, nº
134b, p. 763 a 774.
[A seguir: Santa Maria da Oliveira]
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