Memórias Paroquiais de 1758: S. Sebastião

A antiga igreja de S. Sebastião (pormenor de uma fotografia da segunda metade do século XIX). à direita, o chafariz do Toural no seu local original de implantação (o mesmo onde hoje se encontra).

Prosseguindo com a publicação das Memórias Paroquias de 1758 referentes ao concelho de Guimarães, terminámos a deambulação pela quatro freguesias que formavam a vila, atravessando a muralha e passando à que fica totalmente fora de muros: S. Sebastião. Tal como em S. Paio, a matriz da paróquia que o pároco descreve na sua resposta ao questionário também desapareceu do mapa, ainda antes do século XIX terminar (salvou-se a torre sineira, que foi implantada na igreja de Creixomil).
Nesta memória, o pároco estende-se numa interessante descrição dos jardins do Palacete de Vila Flor, estendendo a descrição para o que a vista alcança(va) a partir daquele magnífico miradouro.

São Sebastião
Descrição da freguesia de S. Sebastião da vila de Guimarães, aos interrogatórios por ordem do Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor, Francisco Fernandes Coelho.
Ano de 1758.
1.º Esta vila de Guimarães fica situada na Província de Entre-Douro-e-Minho, num vale que, da parte do Nascente, lhe impede o vento uma alta serra, vistosa e amena. É do Arcebispado de Braga Primaz, cabeça de comarca e tem quatro freguesias, que se computam por distrito desta vila, a saber, a Real Colegiada da Nossa Senhora da Oliveira, São Miguel do Castelo, São Paio e esta de São Sebastião.
2.º É el-rei Nosso Senhor Fidelíssimo Dom José Primeiro, que Deus guarde, o senhor desta vila e seus predecessores o foram sempre.
3.º Tem esta freguesia quatrocentas e vinte e duas moradas de casas. Em casados, viúvos e solteiros, mil quinhentas sessenta e três pessoas de sacramento, sessenta e três pessoas menores, que ainda não comungam pela sua menoridade, e, além destas, outras tantas, pouco mais ou menos, menores de sete anos.
4.º Está esta freguesia situada em terra plana, exceptuando algumas ruas dela, porém são muito fáceis em subir e descer. Não se descobre povoação alguma que seja memorável. Só, sim, a casa e jardim de Vila Flor, que dista pouco, a qual é de Tadeu Luís António Lopes de Carvalho e Camões, fidalgo da Casa Real e senhor dos coutos de Abadim e Negrelos. É esta admirável na sua arquitectura e na grandeza e fábrica do jardim, que se compõe de dilatadas ruas, cobertas algumas de latas ou parreiras. Com engenhos fabricados, tem o primeiro jardim um vistoso chafariz, do qual se comunica a água para os mais, onde estão dois de virrafos1 de várias qualidades, além destes, mais, debaixo de duas vistosas escadas de pedra, se acham duas fontes emanando água por figuras de pedra. E, da parte de fora, nas primeiras escadas da entrada deste jardim, que estão com grandeza, vem a referida água ter seu fim pela boca de dois agigantados leões, que em pé sustentam nas mãos umas conchas, de onde pela boca apanham a água. São estes de pedra, feitos com primor, contêm o âmbito deste muitas escadas apilaradas de bilros de pedra e com suas pirâmides lavradas ao moderno. Tem muitas varandas de pedra com a mesma perfeição. Tem, da parte do Nascente, um forte a que chamam de Santo António onde estão umas torres pequenas a que chamam vigias de guerra, cuja fábrica toda está com o melhor primor da arte e tem vistosa recreação. Faz este a melhor vista para esta freguesia e vila, que é à parte do Norte, como se esteja avistando de um dos principais campos ou terreiros desta freguesia e, em pouca distância, fica sendo a sua vista muito deliciosa. Avista-se mais o régio convento de Santa Marinha da Costa, de monges de São Jerónimo, muito sumptuoso pela sua grandeza e perfeição e melhor no presente tempo, pela nova obra da fronteira da igreja, no meio de duas altas e novas torres, com primor lavradas de pedra fina, diante de cuja obra se anda edificando um magnífico pátio, composto de diversas ruas e trânsitos em grandeza e distância. Item se descobre uma alta serra que está na parte do Nascente, a que chamam de Santa Catarina ou do Guilherme, nome este que tomou do fundador moderno de uma capela que se acha no alto dele, debaixo de penedos, chamada a Senhora da Penha, o padre Guilherme, ermitão de nação estrangeira, o qual fez doação dela às religiosas de Nossa Senhora do Carmo desta vila e estas a deram a um religioso seu, leigo, chamado Frei Joaquim, que é o que a administra. Item, quase no princípio desta serra, num alto, se avista a antiga capela de S. Roque e em distância de poucos passos desta se acha uma capela do Senhor da Cana Verde ou Ecce Homo, imagem de muita devoção, e mais duas capelinhas em pouca distância, com imagens de Cristo com cruzes às costas. Sítio é este excelente, tanto por dele se avistar toda esta vila e redondeza, como ser mais favorável que o referido da Senhora da Penha. Pagam-se a esta capela várias medidas, foros que lhe deixou o seu fundador, o venerável padre Manuel Ferreira e outro companheiro que jaz enterrado na dita capela. Item, descendo deste sítio, se acha o lugar de Fonte Santa, no qual esteve São Gualter, companheiro de São Francisco, onde se acha principiando o alicerce de uma capela e deste estão manando três copiosas fontes de água bastantemente milagrosas e, por cima desta, num nicho, está a imagem do dito São Gualter, onde vai bastante povo visitar o Santo e água das fontes, para várias moléstias. A dita primeira capela da Senhora da Penha dista desta freguesia meia légua, sempre de subida, e a segunda, de São Roque, menos de um quarto, e a de São Gualter, menos de meio quarto.
5.º Tem esta vila termo seu que se compõem de cento e três freguesias, e esta tem os campos e ruas seguintes: o Campo ou Terreiro do Toural, que é o de melhor vista e praça desta vila, onde está um chafariz do povo, de vistosa grandeza, cercado de assentos para recreação do povo, junto a este um tanque, para alimento de água dos animais. O Campo do Pelourinho, é onde este se acha, de grandeza e boa vista para a referida casa e jardim do interrogatório quarto. O Campo da Feira, de igual grandeza e vista deliciosa e ameno. Rua Nova das Oliveiras, Rua das Molianas, Rua de Caldeiroa, Rua Nova de São Sebastião, Rua do Guardal, Rua de Couros, Rua de Além do Rio, Rua das Pretas, Rua da Ramada do Campo da Feira, Soalhães, Rua de São Dâmaso, Rua de São Francisco.
6.º Está esta paroquial igreja logo da parte de fora dos muros desta vila, defronte da alfândega dela e se compõe das ruas supra ditas.
7.º É o seu orago São Sebastião. Tem cinco altares. O maior onde está o dito Santo e, no sacrário, o Santíssimo Sacramento, que administra e fabrica a sua confraria e freguesia. Da parte do Evangelho está o dito São Sebastião e da Epístola São João Baptista. No corpo da igreja, da parte do Evangelho, junto ao arco cruzeiro, está o altar de São José fazendo peregrinação para o Egipto, pegando na mão ao Menino Deus, que está entre ele e sua Mãe Santíssima. Desta parte, no meio da igreja junto à porta travessa, está o altar da Senhora do Socorro, com a sua imagem. Da parte da Epístola, em correspondência dos referidos, estão os altares do Senhor Jesus Crucificado, com São João de uma parte e Nossa Senhora da outra, e outro do Amor Divino com a sua imagem dentro numa vidraça e São Filipe Néri, Santo Agostinho e Santo Ambrósio, cujos altares todos têm irmandades que os fabricam e veneram das mesmas invocações de seus Santos.
8.º É o pároco desta igreja cura anual ad nutum, apresentação do Reverendíssimo Senhor Dom Prior e simul do reverendo Cabido da Insigne e Real Colegiada desta vila, cujo curato rende, um ano por outro, cem mil réis, razão de não ter de côngrua mais de oito mil réis, dois alqueires de trigo, dois almudes de vinho e duas libras de cera e o mais é o que chamam pé de altar.
9.º A este não tenho que dizer, por não haver beneficiados.
10.º Tem o distrito desta freguesia os conventos seguintes.
O dos religiosos de São Francisco observantes, que é de padrão real, onde vivem em religião melhor de oitenta frades de missa e leigos. Governa este o seu provincial e prelados menores ou conventuais. É de extensa grandeza, com uma igreja muito ampla com dez altares e num destes se acha colocada a imagem do milagroso Santo António, que venera a sua irmandade do mesmo nome composta de muitas pessoas principais que fazem a sua festividade com veneração e culto de novena de treze dias, com missa solene e sermão de manhã e o senhor manifesto nas treze tardes.
Junto a esta igreja estão a capela e casas da venerável Ordem Terceira do patriarca São Francisco e, não obstante a pequenez de sua capela, por não terem âmbito para mais, se acha edificada de novo, por se demolir de todo a antiga, com perfeição e lavores de primor, tanto no interior dela, como no exterior e frontispício. Governa esta a mesma Ordem Terceira, composta da maior parte da nobreza e povo desta vila e seu termo, onde satisfazem muitos legados que lhe deixaram. E frequentam os actos de sua regra e estatutos com muita devoção, que edifica e compunge a todo o povo desta vila, e um nacional desta, chamado Diogo de Torres, deixou à mesa um legado de vinte e quatro mil cruzados, que esta administra.
Item, o convento de Santa Rosa, de religiosas da Ordem de São Domingos, ainda que não tem clausura, porém vivem como regulares e, conforme ao seu instituto, são estas da jurisdição do Arcebispo Primaz de Braga e têm uma boa igreja, de novo edificada, e toda a mais obra de casas interiores e dormitórios com grandeza, e sua torre de sinos e, além da cerca, que se acha com muro alto bem acautelado, tem um grande campo junto a este, que compraram, o qual desfrutam para seu sustento, não obstante a mais renda que têm de dinheiro, que trazem à razão de juros, e não tem padroeiro.
Item, o convento de religiosas muito reformadas da Madre de Deus das Capuchas, que se acha situado num dos fins desta freguesia e arrabalde desta vila, acima do Campo da Feira, que acima relatei, que não tem padroeiro. São religiosas professas, em clausura muito rigorosa, tiveram por fundadora uma irmã do ilustríssimo Senhor Dom Rodrigo de Moura Teles, de gloriosa memória, arcebispo deste Arcebispado de Braga. São estas da jurisdição do padre provincial da Ordem de São Francisco e por ele visitadas. Têm dois religiosos da mesma ordem por capelão e confessor. Têm a sua clausura muito bem fortalecida de muros e também um grande campo da parte de fora, junto a este, para seu sustento. Vivem estas sem rendas algumas e só de esmolas. Têm uma boa igreja, muito frequentada de povo, por devoção à Senhora Madre de Deus, que se acha colocada num altar lateral da parte da Epístola com o Menino Jesus no berço e São José, tudo a imitação da Madre de Deus da cidade de Lisboa, cujas imagens na dita cidade foram edificadas por ordem do beneficiado Luís António da Costa Rego de Barbosa, natural desta vila e assistente na secretaria de Sua Majestade, o qual as conduziu para esta vila fazendo, antes da colocação na dita igreja do dito convento, na Colegiada desta vila, uma novena de nove dias com toda a solenidade, com o sacramento patente em todo e cada um dia da novena, sendo oradores os melhores desta vila, no fim da qual foram levadas com procissão soleníssima ao dito convento e altar onde se acham, culto e veneração que muito mais fez adquirir a devoção do povo, além da perfeição das referidas imagens.
11.º Há, no distrito desta freguesia, um hospital para os clérigos, peregrinos e pobres desta vila como também os pobres da freguesia de Santa Comba de Regilde, distante légua e meia, pois, sendo o instituidor deste o abade da dita freguesia, Lucas Rebelo, foi sua vontade assim o instituir, e lhe deixou de renda anual duzentos e vinte mil réis e obrigação de, em cada ano, darem dois dotes a duas órfãs para casarem, a vinte mil réis cada uma, e que num ano escolheriam as desta vila e em outro as da dita freguesia, havendo-as. É administradora desta a irmandade do Cordão, de homens leigos, onde tem sua capela, da qual abaixo em seu lugar farei menção.
Item, o hospital de São Roque, que administram agora as religiosas de Santa Rosa, declaradas no interrogatório décimo, cujo hospital é tão somente para passageiros. E, se neste falece algum, têm estas obrigação do seu enterro, há poucos anos a esta parte. Eram administradores os mesmos caseiros que, pelos bens que tinham pensionistas, ao hospital pagavam. E, como as ditas religiosas precisavam das casas do dito hospital para as suas obras da igreja e mirante, alcançaram da Majestade provirão para serem administradoras, a contento dos caseiros, para o que lhes deixaram os bens sem a pensão que de antes tinham e ficaram de herdade, motivo porque estes largaram de mão a sua administração, por cuja razão não tem este renda, mas sim têm as ditas religiosas obrigação da sua fábrica, conservando-se neste a caridade do recolhimento dos pobres peregrinos e satisfação de alguns legados, como é o de em todos os Sábados do ano mandarem um homem a quatro cruzeiros que se acham no âmbito ou trânsito de quatro ruas vizinhas, encomendar com uma campainha as almas à noite.
12.º Não há no distrito desta freguesia casa da Misericórdia, mas sim no distrito da de São Paio, a quem pertence a resposta deste interrogatório.
13.º Estão neste distrito as capelas seguintes.
A basílica de São Pedro, que administra a antiga irmandade de clérigos do hábito de São Pedro e também tem alguns irmãos seculares para o serviço dela. Está esta situada no Terreiro ou Campo do Toural, do qual no interrogatório quinto fiz menção, sítio este o melhor desta vila, cuja basílica se acha por agora feita em limitado âmbito, no enquanto se não faz a nova obra, que se acha já principiada por planta de notável grandeza e primorosa perfeição. É padroeiro desta o reverendo beneficiado já mencionado no interrogatório décimo, Luís António da Costa Rego de Barbosa, e à sua custa se vai edificando a capela-mor. E este tem dado de esmolas muitos e vários ornamentos preciosos, peças de prata e mais ornatos de igreja. É esta irmandade muito ilustre, não só pela qualidade de seus irmãos eclesiásticos, mas também pelo decoro, gravidade e solenidade com que fazem os seus actos e enterros de seus irmãos. Tem três altares. No maior, o Apóstolo São Pedro, no lateral, da parte do Evangelho, o Senhor da Agonia e, da Epístola, a Senhora da Assunção e Mãe dos homens.
Na rua de São Dâmaso se acha uma capela chamada de São Dâmaso, que é das melhores igrejas desta vila, toda esta de abóbada. Tem cinco altares, o maior em que está o seu titular, São Dâmaso Pontífice, e, nos mais, várias imagens de Santos. Junto a esta capela está o hospital de que no interrogatório undécimo fiz menção. E desta foi instituidor o mesmo do dito hospital, o abade Luís Rebelo. Administra esta uma irmandade secular chamada do Cordão. Tem esta, de renda, um padrão real de cento e sessenta mil réis, tem mais a renda de duas casas que estão por baixo do hospital, tem mais umas medidas sabidas que, um ano por outro, rendem cinquenta mil réis, tudo isto além do capital, casco de dinheiro que trazem a juros para os funerais de seus irmãos e, por cada um destes, mandam dizer duzentas missas. Tem esta capela legado de missa quotidiana. Esta irmandade administradora tem nesta capela e hospital o domínio, porém a sua colocação é no convento dos religiosos de São Francisco, em altar a que chamam do Cordão.
Tem mais a capela do Senhor dos Passos, situada no Campo da Feira, da parte de fora dos muros, no fim de um grande campo ou terreiro. Nesta se venera a muito milagrosa imagem do Senhor dos Passos, que fabrica a sua irmandade, que se compõe de muitos irmãos nobres e do povo desta vila. Em cuja capela, no tempo da Quaresma, se veneram os Santos Passos, com sermão em todas as sextas-feiras, havendo Passo diferente em cada uma destas, que fica patente de uma a outra sexta-feira, em cujos dias vai o povo desta vila em grande número fazer suas orações. Na Dominga da Paixão se dá desta princípio à procissão dos Santos Passos, por conta desta irmandade, a cuja procissão assiste esta irmandade, composta de muitos irmãos e as comunidades de São Domingos e São Francisco e o reverendo Cabido desta vila. Continua esta pelas principais ruas onde, em distância, se acham sete capelas de Passos do Senhor primorosamente, feitas e com as imagens e figuras conducentes a cada Passo, tudo obra que a dita irmandade mandou fazer. E se recolhe esta procissão ao convento de São Francisco, onde há dois sermões do Calvário. Também esta irmandade faz a procissão do enterro em Sexta-Feira Santa, de tarde, junto à noite, que é a melhor e mais devota procissão que se faz nesta vila, a qual acompanha a irmandade da Misericórdia e os ditos religiosos de São Francisco, de cuja igreja tem seu princípio, e se recolhe à dita capela da irmandade, levando esta vários coros de música cantando as heus2 e outras motetos do dia. Nela vai a imagem de Cristo morto, num esquife com toda a decência que levam seis sacerdotes, os melhores cantores desta vila que pelo seu canto movem os corações a dor e compungem os católicos. Vai este debaixo do pálio, que levam seis capitulares, atrás deste se seguem os soldados, centurião e Profetas São João, Madalena e Marcelo, tudo vestido com primor. E, por fim desta procissão, vai num andor a Senhora do Pé da Cruz. Tudo isto faz uma procissão muito extensa e admirável. É padroeiro desta Dona Luísa de Sá, mulher de Alexandre de Palhares, da vila de Monção, e nela tem obrigação de duas missas semanárias, cuja capela pertence ao morgado dos Sodrés.
14.º A esta vila acode bastante gente à romagem do milagroso Santo António do dito convento de São Francisco, não só no tempo de sua festividade, mas no mais tempo do ano.
15.º Os frutos do distrito desta freguesia são milhão, milho miúdo, centeio, vinho, frutas e hortaliças. Isto se entende em alguns arrabaldes dela, que no centro da freguesia são homens graves que vivem de suas rendas, homens de negócio e oficiais de vários ofícios.
16.º Esta vila tem Senado de Câmara, cabeça de comarca, nomeados por Sua Majestade nas pautas. Tem juiz de fora, corregedor, provedor, superintendente dos tabacos, mamposteiro dos cativos, todos de vara branca, juiz dos órfãos, almoxarife do reguengo da Rainha Nossa Senhora, almotacés e mais justiças menores respectivas a todos os ditos ministros, todos por ordem de Sua Majestade e neste se responde ao interrogatório décimo sétimo.
18.º É patrão ou padroeiro desta vila o senhor São Dâmaso, o primeiro Pontífice e claramente consta da lenda do mesmo Santo no Rito Bracarense ser de nação espanhol, sua pátria Guimarães, da Província Bracarense, seu pai chamado António. É tradição comum ser este natural nesta freguesia, na Rua de Caldeiroa, dela onde hoje se acha um oratório e uma fonte a que chamam de São Dâmaso. E nesta vila é venerado em todas as igrejas, coros e religiões, como seu verdadeiro padroeiro e com todas as dignidades que lhe são devidas conforme o rito da Igreja.
Natural desta freguesia é o padre mestre doutor Bento da Expectação, da Ordem de Santo Elói, e desta vila também são o padre mestre frei António Cardote, da Ordem dos Pregadores, e o padre mestre doutor Frei Bernardino, da mesma ordem.
19.º Nesta vila há feira em todos os Sábados do ano, não sendo dia santo, porque então se antecipa, e se faz esta no âmbito desta freguesia, no Terreiro do Toural e Campo da Feira. Item, se faz uma anual, na primeira sexta-feira de Quaresma, esta de muito concurso de povo, outra no primeiro domingo de Agosto, até ao outro dia, porém esta é só de bestas. Todas são cativas, excepto esta última.
20.º Tem correio próprio, que daqui parte à sexta-feira de cada semana, leva as cartas à cidade do Porto, e se recolhe no domingo, trazendo as cartas e encomendas pertencentes a esta vila, seu termo e parte da comarca.
21.º Dista desta vila a cidade de Lisboa sessenta léguas e dista a capital do Bispado, que é a cidade de Braga, três léguas.
22.º Tem esta vila muitos privilégios, como são os das Tábuas Vermelhas de Nossa Senhora da Oliveira, porém a relação destes e de outros mais pertence à freguesia da Real Colegiada desta vila.
23.º Não há no distrito desta freguesia lagoa ou fonte que se possa nomear por célebre. É, sim, abundante de fontes ordinárias, água de poços e ribeiros. Tem, sim, uma ponte no sítio ou do terreiro do Campo da Feira, em bastante grande comprimento e de uma grande largura. Porém, a água que por baixo dela passa pouca é, porém na grandeza da ponte se mostra o ânimo dos antigos desta vila na edificação dela e, como está dos lados encostada, as guardas dela tem seus assentos. Serve tudo isto para recreação e alívio de seus moradores. Alguns chamam a esta ponte do Senhor de Campo da Feira, por no cimo dela se achar a sua capela, que declarei no interrogatório décimo terceiro.
24.º Não tem porto de mar, nem embarcação, esta vila.
25.º É esta vila murada de fortes muros, com suas torres, em distância. Compreende esta freguesia alguma partes destes no sítio do Toural, onde se acham duas torres. Das mais escreverão os das freguesias a quem pertencem, por cujo motivo o não descrevo.
27.º No terramoto de 1755 não houve nesta vila e freguesia ruína alguma mais do que no convento de São Francisco algum balanço nas paredes. Porém, contudo, estão com a segurança necessária e não precisam de reedificação e só de uma pirâmide da fronteira da igreja caiu a bola de pedra dela.
Dos mais interrogatórios não posso dar razão, por no distrito desta freguesia se não compreender o que neles se pede. Isto é o que posso informar e passa na verdade. São Sebastião de Guimarães, vinte e três de Maio de mil setecentos cinquenta e oito anos.
De Vossa Mercê, menor súbdito,
O pároco José Luís Ferreira.
O cónego cura Francisco José Vieira de Pina.
O pároco Francisco Fernandes Cruz.


“São Sebastião, Guimarães” Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 18, n.º 134a, p. 753 a 762.
[A seguir: Azurém]
1 Sic. Palavra que não se encontra nos dicionários, provavelmente relacionada com repuxos.

2 Cânticos dedicados às personagens bíblicas popularmente conhecidas como as “Três Marias” as “heus”. (Maria Madalena, Maria Salomé e Maria de Cleofas).

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