Monografias regionais portuguesas
A mulher minhota (3)
AS
HABITAÇÕES — VIDA FAMILIAR — O NATAL
Como
acontece com a gente, os caracteres do terreno actuam sobre a disposição das
habitações. Falando-se da mulher, tem de falar-se da casa, onde ela reina. É
claro. Ora nos solos graníticos, onde as nascentes abundam, embora frouxas, as
casas estão espalhadas e separadas, ocupando grande extensão; nos solos calcários,
onde as nascentes rareiam, as casas aglomeram-se e aninham se por onde a água
existe; e, consoante a cal escasseia ou sobra, assim as casas das povoações rurais
nos aparecem à vista negras e encolhidas, a confundirem-se com as pedras e as
brenhas, ou alvas e altaneiras, a sobressaírem do solo fecundo. Nas serras que
no Inverno o vento açoita e a neve cobre, fiadas de pedras seguram as telhas ou
o colmo das habitações; e lograres há, como Castro Laboreiro, em que no cume do
Inverno os serranos mudam de residência para as inverneiras, que são casas abrigadas
nos recôncavos das encostas ou mesmo no fundo do vale. A cobertura das habitações
é, conforme as posses e as condições locais, de xisto, feno seco, giesta, colmo
ou telha-vã. Nas casas pobres não há divisões, vivendo promiscuamente a família
com os animas domésticos: o fumo se pelos interstícios da cobertura e as crianças
dormem na mesma canastra, com os cães. Nas povoações ribeirinhas, mais fartas,
já a casa se divide em cozinha e mais quartos, e ao pé dela ficam as outras construções
agrícolas: corte de gado, celeiro, coberto, eira e espigueiro. Quando a
habitação, por ser mais rica, tem mais outro andar, o gado fica nas lojas térreas,
e o acesso ao andar habitado e feito por uma escada externa de pedra, sobre
cujo patamar superior se abre um alpendre. É frequente ver-se ainda, ao longo
de toda a fachada da casa, uma varanda saliente.
Nas
longas noites de Inverno toda a família se reúne na cozinha, peça principal da
habitação rural do Minho, e aí, à ténue luz da candeia ou à crepitante
palpitação do lume do ar, as mulheres fiam nas rocas ou dobam nas dobadouras o
linho ou a lã das maçarocas e meadas, enquanto as crianças escutam, de boca
aberta, as histórias tradicionais que a avó desfia, como desfia a estopa, ou as
confusas dissertações de algum patranheiro
da casa: no período que decorre de Santa Luzia ao Natal, vai alguém, de quando
em quando, à porta observar o tempo, porque já começaram as quendas. Isto quer dizer que os 12 dias que
vão de 14 a 24 de Dezembro condensam, no seu aspecto, os 12 meses do ano que
vem. Chega a véspera do Natal e toda a família se movimenta num desusado
alvoroço. É a verdadeira festa do lar minhota. É a consoada.
Ceia
íntima, a que os ausentes do resto do ano, se podem, vêm assistir. Come-se e
bebe-se. Toda a festa caseira no Minho se concretiza em uma boa refeição.
Come-se e bebe-se alarvemente. É rara a casa onde não há uma indigestão. Arde no
lar o cepo do Natal. Joga-se o rapa, digerem-se as rabanadas, bebe-se o vinho
quente: e todos têm, no meio da sua alegria, um gesto de saudade para os mortos
queridos “que Deus levou”.
João da Rocha, Ilustração Portuguesa, n. 216, Lisboa, 11 de Abril de 1910
Fotografias de Emílio Biel C.ª
[continua]
0 Comentários