Fachada da igreja da Oliveira (pormenor), numa estereoscópia de Antero Frederico de Seabra (1858). |
Na conclusão das Breves considerações arqueológicas que dedicou
à Igreja da Colegiada, Jerónimo de Almeida trata, essencialmente, do pórtico e
do janelão que o encima, onde, segundo sustenta, faltaria uma “rosácea central
de coloridos vitrais, que foi despedaçada e substituída por uma parede de
cantaria com quatro óculos de tamanho desigual”. Sobre tal rosácea e os seus vitrais,
já muito se escreveu. Ramalho Ortigão, por exemplo, que, tal como Herculano,
desancou o restauro da década de 1830, fala numa “flamante
janela gótica, que por cima da porta, na fachada do templo, fazia explodir em
apoteose a policromia do espelho, emoldurado na sua larga cercadura esculpida
de silvados, historiada de estatuetas de santos em fantasiosos ressaltos de
mísulas, sob rendilhados baldaquinos”. Ora, até hoje, ainda não tenho nenhuma
evidência de que essa “flamante janela gótica”, com “coloridos vitrais”, tenha
algum dia existido.
Breves considerações arqueológicas — IV (Conclusão)
Nossa Senhora da Oliveira
Existe num dos lados
da porta lateral da esquerda um túmulo antigo assente em dois leões de pedra,
com uma inscrição na caixa, como também um outro se oculta atrás do órgão,
servindo de base à janela sobre a porta principal, e que representa uma figura
deitada sobre almofadas (parecendo esculpido em pedra Ançã) com vestígios muito
apagados de incrustações de tinta e ouro, e uma inscrição.
Abandonando, consequentemente,
o interior do corpo da igreja, sob cujas guarnições e relevos correctamente
dourados não imaginaríamos sequer, se o não soubéssemos de antemão, que se ocultam
tantos primorosos lavores arquitectónicos, apenas nos resta analisar a fachada
da mesma igreja, que nem essa! escapou à vandálica reforma.
Num relance de vista
geral notar-se-á logo a deformação do cunhal do lado sul, que fora rematado com
uma pilastra jónica, modificando assim exteriormente a estrutura primitiva
dessa fachada.
O pórtico é composto
de esbeltas colunas fechadas em arcos ogivais, coroado por uma grande e delicadíssima
janela toda rendilhada, com esculturas, mísulas e baldaquinos, servindo de
caixilho à rosácea central de coloridos vitrais, que foi despedaçada e substituída
por uma parede de cantaria com quatro óculos de tamanho desigual. Eis um dos
maiores crimes praticados naquele monumento, sendo o primeiro que resulta aos
olhos de quem vê, e um dos que cava
mais fundo desgosto. Dessas janelas, que são um dos primores ornamentais da
arte gótica, tínhamos ali um raro exemplar que se poderia equiparar aos dos
templos portugueses, nesse estilo (como alguns que nomeei), ou ainda às
formosíssimas rosáceas de Notre Dame, de Amiens, de Chartres e de Reims
(França), de Estrasburgo, de Colónia (Alemanha), e outras mais. Interiormente
foi atrancada com o pesado órgão.
As portas laterais
são encimadas por janelas de sacada, que igualmente não são da restauração de
D. João I, sendo as do sul as mais modernas.
Adulterada
completamente a antiga construção na harmonia subtil das suas linhas de
conjunto, ficou unicamente para a... decepção de vindouros a desastrosa e nunca
assaz deplorada reconstrução do século XVIII [aliás, século XIX - AAN].
Resta, somente,
falar da torre que se ergue a noroeste da igreja e que fora mandada edificar
por Pedro Esteves Cogominho e sua mulher (1513), não sendo a do tempo de D.
João, pois que essa caíra em ruínas. É nos baixos dela que sob uma abóboda de
pedra se encontram os túmulos de seus fundadores, lavrados em pedra de Ançã,
com duas características estátuas jacentes, em trajes de gala, no costume da
época, tendo à cabeceira um altar. Hoje acha-se escorada a abobada desta
capela, que já se desmoronou em grande parte, destruindo os preciosos mausoléus!
Ao ilustre cabido da
Colegiada, a quem certamente cabe velar pela conservação destas relíquias
antigas, aproveito o ensejo de dirigir aqui as minhas palavras de magoado
protesto pelo irreparável desleixo cometido, causa de que dentro em pouco não
reste mais dessa capela do que um montão de entulho! É necessário que nem todos
os olhos sejam cegos diante deste solene desprezo por obras de arte de valor histórico,
chegadas ao mais adiantado estado de ruina.
Não é a minha
erudição, sem dúvida, (seria desvanecimento), que vem lamentar este enorme
desastre, mas a minha veneração por essas interessantes jóias do passado.
E para terminar este
sucinto e ligeiro trabalho de tão minguado préstimo, exclusivamente inspirado
no amor à minha terra, devo repetir e de novo esclarecer que não foi meu
intento mais que despertar o sentimento de apreço e dedicação por estas relíquias
antigas, como são as de que vim tratando, e que um crime e condená-las ao
esquecimento e abandono de que resulta a ruína.
O meu desejo seria
poder antever, ainda que num futuro distante, o ressurgimento artístico de
Nossa Senhora da Oliveira; mas em vez de palavras de entusiasmo eu não encontro
senão palavras de descrença e desilusão, e amarguradamente penso que isso — era
uma verdadeira utopia...
Jerónimo
de Almeida.
Alvorada,
18 de Março de 1911
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