Na noite de 25 deste Outubro, a TSF instalou o seu estúdio na sede do Convívio,
de onde emitiu a primeira edição do programa Serões Inquietos, dos jornalistas
Pedro Pinheiro e Fernando Alves, dedicado aos 150 anos do nascimento de
Raul Brandão. Uma conversa em busca do
"Húmus" do Ser, em que tive o privilégio de participar e em que,
logo no princípio, a propósito do nome deste blogue, ficou no ar uma dúvida sobre
a possível ausência de um c cedilhado na palavra Araduca, passando a Araduça.
A
dúvida surgia a propósito de um dos raros e breves textos em que Raul Brandão
fala expressamente de Guimarães, em que escreveu Araduça. Será Araduca ou
Araduça? Ambas podem ser, e também Araduza. Nos textos dos historiadores e geógrafos
antigos, o nome da cidade misteriosa a que se refere Ptolomeu na sua Geografia,
e que muitos têm insistido em colocar no sítio onde hoje está Guimarães, surge
indiferentemente como Araduca, Araduça ou, mais raramente, Araduza. A nossa opção
por Araduca pode ser explicada com vários argumentos e um deles é bem singelo: tem a ver com o
não poder usar a cedilha no endereço do blogue. Raul Brandão seguiu a grafia usada
pelo padre António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portuguesa (1706), Araduça,
mas poderia ter seguido a lição do padre Torcato Peixoto de Azevedo, nas suas
Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães (que o padre Costa plagiou descaradamente em quase tudo, menos aí),
que escreveu Araduza, uma vez, e Araduca, dezenas de vezes.
A existência de uma cidade Araduca, 500 anos antes de Cristo,
segundo uns autores, 1500 segundo outros, no sítio onde depois cresceu
Guimarães, foi muito discutida pelos escritores antigos, não estando demonstrada,
nem à luz dos documentos, nem à luz das descobertas arqueológicas. Foi negada
por Gaspar Estaço, no primeiro quartel do século XVII, e afirmada por Torcato Peixoto
de Azevedo que, escrevendo em finais do mesmo século, narra a história de
Guimarães, soterrando as raízes desta terra até ao tempo de um tal Gomar, bisneto de Noé (o da
Arca):
Gomar, filho
de Lamet, neto de Noé, que veio ter à Galiza, dele tomaram os da terra o nome
de Gemaristas e Gomaranes, de que resultou chamarem-se muitas mulheres
Guimares, como diz Mauro na história de S. Tiago L. 2. C. 6. E assim a nossa
leal vila de Guimarães tão antiga, como ilustre, teve tantos nomes, como foram
as nações que a ocuparam: foi a sua fundação dos galo-celtas, porque ficaram
estes tão desbaratados, que compadecidos os gregos de suas desventuras os
receberam entre si, e com afabilidade lhe deram lugares e terras, onde
vivessem, e de tal maneira os trataram como seus filhos, que desta sorte
ficaram naturais e moradores de Entre-Douro-e-Minho, cultivando a terra que
fica entre Lima e Minho. Aos tudertanos que entre os galo-celtas eram gente
mais nobre, e que haviam escapado da derrota que entre si tiveram na passagem do
rio Lima e que, ficando atrás, se foram aposentar na antiga morada dos
príncipes da Lusitânia, ali fizeram uma povoação a que chamaram Araduca, da
qual Ptolomeu faz menção L. 2. C. 5 no ano de 339 antes de Cristo, onde agora
está situada a vila de Guimarães. Mariana na história geral da Espanha T. 1. C.
19, e C. 13. Araduca: Gandarra C. 17 diz, que quer dizer Araduca, no nosso
idioma, lugar de letras. Outros lhe chamam Leobriga, que quer dizer cidade
forte. Outros Latica, cidade escondida, ou Lactis pela relíquia que teve do
leite de Nossa Senhora. Alguns a nomeiam Columbina, ou Catheleucus, como
Jerónimo Rozel, Italiano. Muitos lhe chamam cidade de Santa Maria, não porque
fosse conquistada dos Gascões, mas por respeito da sagrada imagem de Nossa
Senhora da Oliveira. Também lhe deram o nome de Vimarães, não porque fosse seu
fundador Vuimaro, se não por um letreiro que está na torre antiga do seu
castelo, que diz Via Maris.
Torcato Peixoto de Azevedo (1624-1705),
Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães
(em 1692), Porto, Oficina da revista, 1845, pp.152-153
Sobre a discussão
acerca da localização da Araduca de Ptolomeu escreveram diversos autores, mas por ora basta o que está dito pelo
Padre João Baptista de Castro, no seu Mapa
de Portugal:
Araduca. Convêm
alguns dos Geógrafos que estivesse esta Cidade colocada onde hoje vemos a nobre
Vila de Guimarães. E seguindo esta opinião Manuel de Faria, falando da sobredita
Vila de Guimarães, diz:
Na aldeia de Araduca celebrada
Pela rara beleza das pastoras.
O mesmo diz Filipe
de la Gandara nas Armas e Triunfos de
Galiza cap. 17. num. 3. Porém Gaspar Estaço segue o contrário, e o intenta
provar com a arrumação que lhe dá Ptolomeu na altura de 41 graus e 57 minutos,
e com 17 léguas e meia da boca do Douro, distância mui diferente da que tem
Guimarães, pois dista da boca do Douro 8 léguas somente. Fr. Bernardo de Brito diz
que, o que antigamente foi Araduca, é hoje Amarante. E já houve quem disse
que era Aljubarrota. Eu pudera dizer muito mais, sobre ser Guimarães a antiga
Araduca, mas por ora basta o que está dito. […]
João Baptista de Castro (1700-1755),
Mappa de Portugal, antigo e moderno, Tomo
I, Lisboa, Na officina patriarchal de Francisco Luiz Ameno, 1762, p.p. 7-8.
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