O espaço onde está a (re)nascer a Praça de Donães (fotografia da Câmara Municipal de Guimarães) |
Iniciaram-se, finalmente, as obras de
requalificação do espaço da rua de Donães e da antiga rua de Estrepão (actual
rua João de Melo), que fará nascer no centro histórico de Guimarães uma nova praça,
com dimensões muito razoáveis.
Da história da rua de Donães sabemos muito
pouco. Sobre o seu nome escreveu Maria Adelaide Morais, num texto sobre a
toponímia vimaranense:
“Donães... Alguém invocou Dona Nais remota e
vaga dama, o tempo a corromper-lhe o nome.”
Quem seria esta Dona Nais que deu o nome à
rua? Não sabemos. Há um par de anos, vi contada como “muito antiga” uma
história em que a D. Nais seria uma fidalga caridosa que fornecia a luz que
iluminava o trabalho dos ferreiros que por ali teriam as suas oficinas com e
forjas. Num
texto sobre toponímia, publicado há alguns anos em O Comércio de Guimarães por Domingos
Ferreira, lemos:
“Pelas
informações recolhidas essa designação resulta da influência que uma antiga
dama e fidalga exercia sobre os artífices, sendo uma espécie de modelo por
dedicar parte do seu tempo a alumiar os ferreiros para assim efectuarem os
trabalhos da forja. Segundo a tradição oral, essa nobre mulher inspirava
os artífices com a sua beleza e virtuosidade, na criação de peças forjadas que
hoje enriquecem alguns museus e casas brasonadas deste País e no estrangeiro.”
A ser verdade, aquele lugar teria sido, já na
Idade Média, um bairro de ferreiros, de que o hábil e muito imaginativo artesão
Gaspar Carreira seria hoje o último mestre, uma vez que um documento de 1282 se
refere à “platea
de dona Nays”, isto é, à Praça de Dona Nais.
Ora, na sua
dissertação de doutoramento sobre Guimarães (“Guimarães: duas vilas, um só povo”),
a medievalista Maria da Conceição Falcão Ferreira demonstrou, a partir da
análise dos documentos disponíveis, que na praça de Dona Nais prevaleciam os mercadores
e os mesteres do vestir (alfaiates, com os seus oficiais costureiros), havendo
também registo de que ali também teriam tido residência mestres de outros ofícios
(um pedreiro/calceteiro, um ourives e um tecelão), para além de clérigos, de um
escudeiro e de um tabelião. Não era, manifestamente, espaço para os celebrados mestres
das artes do ferro de Guimarães, burgo onde já existiam, na Idade Média, a rua
da Forja e a rua Ferreira ou Ferraria. Estou em crer que a associação da rua de
Donães ao ofício do ferreiro é muito mais recente do que do que o que a suposta
tradição da fidalga que alumiava os ferreiros nos sugere.
Mas, se não
sabemos quem era Dona Nais, ou Nays, ou Anaïs (segundo João de Meira, este
seria o seu nome original), algo sabemos do espaço a que deu nome. No século
XIII era uma praça, cujo miolo foi ocupado, nos séculos que se seguiram, por
novas edificações que acabaram por a reduzir a uma rua que ligava a rua dos
Mercadores, actual rua da Rainha, à rua Nova do Muro, hoje simplesmente rua
Nova, onde, no último quartel do século XX plantaram um edifício contemporâneo,
completamente desligado do espaço envolvente, que agora vai abaixo, para abrir o
espaço que permitirá devolver Donães à sua condição original de praça.
Guimarães livra-se de um mono e ganha uma nova praça (não lhe chamem largo, que
é coisa diferente) com uma dimensão que não suspeitávamos. Uma intervenção que
se saúda, pela sua inteligência e pelo seu baixo custo.
*
Uma última nota,
que hesitei em partilhar: não negando a razoabilidade e a necessidade da
remoção do quisto urbano que representava o edifício da casa dita dos pobres,
confesso que tenho tido alguma dificuldade em assimilar a opção que foi tomada na
deslocalização do serviço que ali se prestava. O pensamento que me ocorreu
quando, há alguns meses, soube da intenção de transferência desse serviço para
um edifício isolado, situado junto a um canto do recinto da feira municipal e restaurado para o efeito foi o de que poderíamos estar a afastar das vistas, das nossas
e das dos que nos visitam, uma realidade humana que não será muito glamorosa nem
especialmente interessante para figurar num cartaz turístico. Confesso que revivi
essa sensação quando tomei conhecimento das obras na Casa de Donães e do
destino que lhe vai ser dado.
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