Domingos Leite de Castro |
Num artigo publicado em
1886, na Revista de Guimarães, em que reflecte sobre a problemática dos Distritos
e Concelhos, Domingos Leite de Castro escrevia:
A nossa história administrativa
desconhece inteiramente de facto até ao ano de 1834 entidades
colectivas intermediárias entre os concelhos e o estado. Na Idade Média a coroa
fazia-se representar directamente nos concelhos e, passado o século XV, com a
ampliação do poder real, uniformizado já todo o país administrativamente, o juiz
de fora de nomeação régia, presidente nato das corporações municipais,
continuou as mesmas tradições. As províncias, expressão geográfica e militar,
não chegaram a mudar de índole com algumas atribuições civis dadas aos generais
das armas. Da mesma maneira as comarcas não modificaram esta situação, porque
os corregedores eram igualmente meros representantes da coroa. Ao lado do
corregedor, ao lado do governador de província nenhuma corporação electiva. A
vida local era unicamente representada pelas câmaras municipais, que, no mesmo
atrofiamento em que vegetavam, representavam genuinamente e ao mesmo tempo a
vida das localidades respectivas e a vida real da nação.
(Domingos
leite Castro, “Distritos e Concelhos”, Revista
de Guimarães, III, 1886, p.
30)
Nos primeiros anos após
a Revolução Liberal de 1820, houve vários projectos de reforma administrativa
do território, que nunca se concretizaram, em larga medida devido à instabilidade
política daqueles tempos agitados por lutas entre os liberais e defensores da
restauração da monarquia absoluta. Em 1832, ainda nos Açores, Mousinho da
Silveira preparou o decreto que introduzirá uma reforma administrativa, de
carácter centralizador e inspirada no modelo da França napoleónica, dividindo o
reino em províncias, comarcas e concelhos, todos eles governados por
representantes do rei, prefeitos, sub-prefeitos e provedores, respectivamente.
Portugal continental foi então repartido em oito províncias. A província do
Minho, tinha o seu território composto por cinco comarcas (Ponte de Lima,
Monção, Braga, Barcelos e Guimarães).
No dia 18 de Julho de
1835, a rainha D. Maria II assinou um decreto que estabelecia a reorganização
administrativa de Portugal, cuja principal novidade foi a introdução dos
distritos. Portugal foi dividido em distritos administrativos, compostos por
concelhos que, por sua vez, se subdividiam em freguesias. Estas três divisões
territoriais estavam organizadas hierarquicamente. As províncias permanecem
como agregados de distritos, mas sem órgãos próprios. As restantes unidades
territoriais, eram dirigidas por magistrados administrativos nomeados pelo rei:
governador civil do distrito, administrador do concelho, comissário da
paróquia. Junto de cada um destes magistrados, funcionava um corpo de “cidadãos
eleitos pelos povos”: Junta
Geral do Distrito, Câmara Municipal e Junta de Paróquia. A província do Minho
foi dividida em dois distritos, Viana do Castelo e Braga, integrando-se o
concelho e Guimarães no segundo. Foi a partir desta altura que se estabeleceu
uma relação de dependência administrativa de Guimarães em relação a Braga.
Em 1867, foi aprovada
uma nova reforma administrativa, que manteria o mesmo modelo organizativo
(distritos, concelhos e paróquias civis ou freguesias). A principal alteração
situava-se no patamar distrital. A reforma de 1835 instalara 16 distritos no
território de Portugal continental. Agora, passariam a ser 11, o que implicaria
a extinção de várias destas unidades administrativas. Desapareciam,
nomeadamente, os distritos de Viana do Castelo e de Braga, que se fundiriam no
distrito do Minho, com capital em Braga. Esta reforma administrativa nunca
seria aplicada, tendo sido objecto de forte contestação e, a par do imposto do
consumo, um dos motivos do levantamento popular da Janeirinha, que levou ao
derrube do Governo de coligação de regeneradores e históricos (Joaquim António
de Aguiar e Fontes Pereira de Melo), em Janeiro de 1868.
Não faltaram vozes que acentuaram o carácter artificial
dos distritos, criações do poder central para facilitar o exercício do seu
poder, mas que, em vez de serem associações de concelhos, estabeleciam uma
relação de sujeição, em que um concelho, elevado à condição de cabeça do
distrito, assumia o direito de tutela sobre todos os outros. Como Domingos
Leite de Castro notava, no artigo acima citado, a sociedade portuguesa não produziu nunca além da própria nacionalidade, outras agremiações colectivas que não fossem os concelhos.
Oliveira Martins comungava da ideia da
artificialidade das circunscrições territoriais. Referindo-se ao território
português, escreveu:
A sua antiga divisão em províncias obedecia mais a estas condições
naturais do que a moderna divisão em distritos: as causas determinantes de uma
e de outra são o motivo desta diferença. As províncias formaram-se
historicamente em obediência às condições naturais; os distritos actuais foram
criados administrativamente de um modo até certo ponto artificial.
(Oliveira Martins, História de Portugal, tomo I, 7.ª
edição, Parceria A. M. Pereira, Lisboa, 1906, p. 14)
A divisão administrativa
de Portugal iria manter-se, com poucas alterações, até aos nossos dias,
mantendo-se a relação hierárquica entre distritos, concelhos e freguesias
estabelecida em 1835. Guimarães ficaria em posição de subordinação a Braga, nunca deixando de dar mostras do seu desconforto e da sua
insatisfação por perceber que contribuía para o orçamento distrital do que
aquilo que recebia do distrito.
[continua]
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