Domingos leite de Castro (1846-1916) |
Junto ao túmulo onde foi sepultado João de
Meira, um dos fundadores da Sociedade Martins Sarmento, Domingos Leite de
Castro, usou da palavra em nome daquela instituição, onde o futuro professor da Faculdade de Medicina do Porto formara o
seu amor ao estudo e ao saber. Disse:
Não é costume os doridos virem a este lugar.
A Sociedade Martins Sarmento, perante a urna que encerra os restos de João de
Meira, assiste ao desfolhar da sua última esperança. Se ela pode, no seu mais
remoto passado, ser mais ou menos propriamente representada por quem lê (ou
devia ler) estas linhas se foi levada ao seu mais alto esplendor da hora
presente, pelo pai desolado deste pobre rapaz morto, no futuro devia ser ele, o
nosso João Meira, o seu representante, o seu orgulho, o seu mais firme esteio.
A Sociedade Martins Sarmento não morre porque
é um corpo coletivo, porque desde o seu principio ela congrega em si e vive dos
mais elevados e puros sentimentos, a gratidão àqueles que enobrecem a nossa
terra pelo seu trabalho honesto, o culto dedicado e puro da boa ciência; mas,
depois que a terra, a mãe de nós todos, receber no seu seio o corpo gelado e
frio desta flor humana, nós ficamos com firmeza, sim, mas ficamos à
espera que se revele aquele que há-de substituí-lo.
João Meira, nos seus 32 anos, era já um
erudito, além do seu saber profissional, e ao mesmo tempo que dava o fruto
saboroso e são, dava também a flor fina e perfumada, era um artista. Era também
um patriota, tinha um verdadeiro amor à sua pequena pátria, e o seu livro
perfeito — O concelho de Guimarães — em que lançou as bases da renovação da
nossa história, é a prova do tudo isso. Mas o que a nós mais nos comovia era a
sua dedicação incansável, a sua ingénua gratidão à nossa Sociedade, onde se
formara o seu amor ao estudo e ao saber, como ainda há poucos meses, quando o
mal que o havia de levar dera já o golpe fatal, nos contava, recordando os
primeiros passos da sua infância na senda gloriosa que deveria ser a sua, como
se o seu amor à Sociedade fosse ainda uma projecção do seu amor de filho
amantíssimo como se quisesse deixar-nos no coração, aos antigos, antes de
morrer, a impressão terna o suave de se ter sido útil um dia, como se nos
quisesse dizer adeus com carinho. Por isso nos também, em nome da Sociedade, um
nosso nome, vimos deixar o nosso adeus ao corpo que encerrou tão formoso
espírito, com um pesar extremo, com uma saudade infinita.
O Comércio de Guimarães, 30 de Setembro de
1913
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