Daqui a dois dias, Guimarães vai eleger os seus órgãos de governo
municipal, o que acontece pela décima primeira vez desde a instauração do
regime democrático. No entanto, para além do entusiasmo dos mais envolvidos e
empenhados, a campanha eleitoral não tem sido particularmente palpitante,
porventura por há muito se perceber que tudo estará resolvido. No entanto, nem
tudo está resolvido.
Ao fim de mais de 30 anos, António Magalhães deixa a Câmara de Guimarães.
Independentemente de diferenças políticas, julgo que ninguém deixará de
reconhecer a obra que deixa. Basta lembrar que foi nos seus mandatos que o
centro Histórico foi consagrado pela UNESCO como Património Mundial e que
Guimarães foi Capital Europeia da Cultura. É um lugar comum dizer-se que não há
homens insubstituíveis, mas estou certo de que a sua ausência se vai fazer
notar.
Há uma constante nas dez eleições autárquicas que já aconteceram desde
1976: quatro partidos que sempre se apresentaram às urnas, isolados ou em
coligações (PS, PSD, PCP e CDS), dos quais três elegeram sempre vereadores (PS,
PSD, PCP). Quanto ao CDS, partido que, teve nas eleições de 1976 uma
votação muito próxima do PPD de então (22,9% contra 24,7%), foi perdendo
influência ao longo do tempo, passando a ter votações quase residuais. Há 24
anos que não tem qualquer eleito na vereação vimaranense. Quanto às coligações
que o PCP tem protagonizado, tiveram sempre um eleito na autarquia, com
excepção do mandato de 1997 a 2001, em que foram dois os seus representantes. Pelo
que se vai vendo, não se espera que dos votos que serão contados no próximo
domingo saia um resultado substancialmente diferente daqueles que têm
acontecido desde 1997, oscilando os resultados de cada partido entre um
vereador a mais ou um vereador a menos, sendo certo que o CDS regressará à
vereação, à boleia do PSD. Onde falta o sal da incerteza dos resultados,
sobrevem o desinteresse, o que pode potenciar a abstenção. A ver vamos.
O Partido Socialista apresenta-se a estas eleições num contexto especialmente
favorável, depois da Capital Europeia da Cultura e do manifesto sucesso da
política de reabilitação do centro urbano que liderou. Está à frente dos
destinos de Guimarães há 24 anos, sempre com maioria absoluta e tem um caderno
eleitoral que supera quaisquer promessas que possam ser apresentadas: tem obra
feita para mostrar. Neste contexto, qualquer votação que seja inferior à obtida
nas últimas eleições, que tiveram lugar em contexto nacional menos propício,
não será um bom resultado. Para a presidência, aposta num candidato com 20 anos
de Santa Clara, Domingos Bragança, o
eterno delfim de António Magalhães, que muitos duvidavam que algum dia desse o
passo em frente que agora deu. A sua competência técnica é geralmente reconhecida.
Terá agora a oportunidade de a demonstrar enquanto líder da autarquia. Em
relação à primeira eleição de António Magalhães o actual candidato socialista tem
uma vantagem, uma maior experiência em funções executivas autárquicas, e um
possível handicap, a falta de
tirocínio na política nacional, sempre útil para ajudar a abrir portas que às
vezes se encontram fechadas.
Quanto à campanha para estas eleições, que não deverá ter grande efeito na
definição dos resultados, parece-me que a escolha do slogan do PS não terá sido a mais feliz. Num contexto de mudança de
protagonistas, em que a opção seguida foi a de uma renovação quase total e algo
surpreendente da lista candidata à Câmara, com a saída de rostos que eram
imagens de marca da governação da autarquia, faria muito mais sentido a aposta
num lema que apontasse para a continuidade da obra que já foi feita. “Guimarães
tem futuro” ajusta-se mais a uma candidatura da oposição, de quem não se revê
no legado que deixa quem até aqui esteve à frente dos destinos da Câmara. Não é
muito feliz porque parece sugerir que “Guimarães tem futuro, apesar de tudo”…
Quanto à candidatura da Coligação PSD/CDS, tem como primeira figura André Coelho de Lima, um candidato que
se mostra bem preparado e que tem qualidades essenciais a um político: paixão,
convicção e capacidade argumentativa. Nota-se que tem feito o seu caminho e
que, se tiver paciência e o seu partido não persistir na sua rotina autofágica
de, ao primeiro insucesso, atirar borda fora os seus líderes, será um dos
protagonistas da vida política de Guimarães nas próximas décadas.
Não obstante o cuidado que colocaram no trabalho de casa, julgo que aos responsáveis do PSD vimaranense
faltou uma leitura sociológica do histórico dos resultados das eleições
autárquicas em Guimarães, o que poderá ter sido um erro fatal para as suas
aspirações a voltar a liderar a Câmara a curto prazo. Parece-me claro que o PSD
já não tem votos para ganhar à sua direita, porque há muito que aí ganhou o que
havia a ganhar. Em eleições autárquicas, o CDS tem tido em Guimarães votações
diminutas, não valendo mais do que 3% a 5%. Ou seja, pouco acrescenta ao que o
PSD precisa de acrescentar para se poder bater pela presidência da Câmara.
Num concelho onde, em eleições autárquicas, dois terços dos eleitores votam,
persistentemente, há mais de vinte anos, à esquerda, não há por onde crescer há
direita. No meu entender, apesar de levar na sua lista uma figura que é
inegavelmente uma mais-valia, Monteiro e Castro - como, aliás, o teria sido
para o Partido Socialista no último mandato, caso se tivesse concretizado a
candidatura de que se falou aquando das eleições de 2009 -, o PSD não ganha
grande coisa com a coligação com o CDS. Já do CDS não direi o mesmo quanto ao
que ganhará com a sua coligação com o PSD.
Da campanha que tem vindo a fazer, percebe-se que tem sido pensada e
cuidada, jogando cirurgicamente os trunfos que tem na mão. Um exemplo: por
estes dias, foi posta a circular uma fotografia em que o cabeça de lista da
coligação PSD/CDS aparece a caminhar ao lado do actual presidente do Vitória
Sport Club. Só um ingénuo poderá supor que aquilo terá sido o resultado de um
encontro fortuito e ocasional. É óbvio que foi pensado, preparado e que tem uma
intenção que facilmente se percebe. É evidente que se pode discutir o apoio
implícito do antigo vereador do Partido Socialista ao candidato do PSD,
recordando, nomeadamente, diferenças do passado. Mas custa-me a perceber certas
reacções que fui lendo, que questionam a legitimidade de um apoio, mesmo que
não expresso de modo explícito. Tanto quanto sei, o cidadão Júlio Mendes não
está inibido nos seus direitos de, enquanto homem livre, fazer as suas escolhas.
Em sentido contrário, também me custa perceber que pessoas com
responsabilidades na candidatura PSD/CDS amplifiquem uma tomada de posição de
uma lista folclórica em que se
alegava a suposta ilegalidade da candidatura pelo Partido Socialista de três cidadãos
que exercem funções na Câmara Municipal, sem primeiro verificar os fundamentos
de tal alegação. Também não foi por acaso, mas não é bonito.
Numa democracia adulta, não faz sentido avançar com promessas que podem
corresponder a desejos genuínos, mas que não estará nas mãos de quem
promete a capacidade de as cumprir ou fazer cumprir. Refiro-me em especial ao
desígnio de fazer de Guimarães, ao fim de uma década, um concelho com 200.000
habitantes. Se tal acontecesse, seria um caso único em toda a história de
Guimarães e arredores, por implicar um crescimento de mais de 26% em dez anos,
o que, sendo inverosímil, o é ainda mais num tempo de acentuada contracção da natalidade.
Do ponto de vista da demografia, o que é possível prever, a prazo, será a
diminuição da população. Com uma taxa bruta de natalidade de 7,8 nascimentos por
cada mil habitantes em 2012 (em 1981 era de 20,6), Guimarães seria um interessantíssimo
caso de estudo para os demógrafos, caso se concretizasse o desígnio avançado
pelo candidato da coligação Juntos por Guimarães. Bem sei que o crescimento
poderia ser consequência da criação de condições susceptíveis de atraírem novos
habitantes para o concelho, que passariam, necessariamente, pela oferta de
empregos. Com uma taxa de desemprego com a dimensão da que persiste entre os
nativos de Guimarães, não se percebe como seria possível concretizar tal
desígnio.
A coligação liderada pelo PCP tem estado representada na Câmara Municipal
de Guimarães desde 1976, devendo ser um caso único a norte do rio Douro. Parece
seguro que assim continuará a ser nos próximos quatro anos. A presença dos seus
representantes na vereação tem sido importante por diferentes razões,
nomeadamente por demonstrar que existem outras escolhas possíveis, para além
dos dois partidos do bloco central. Apresenta como primeiro candidato à Câmara
Municipal o seu vereador ainda em funções, José
Torcato Ribeiro, que encarna um modo diferente de encarar a acção política,
com profundas preocupações sociais e uma visão das necessidades de
desenvolvimento do concelho centrada na defesa do interesse público.
Quanto às outras candidaturas tenderão a ser o que sempre foram todas
aquelas que, nas dez eleições anteriores, se apresentaram fora dos partidos que
tradicionalmente têm repartido entre si os lugares na vereação, mesmo quando se
tratavam de epifenómenos nacionais (caso do PRD, a seu tempo, e mesmo do Bloco
de Esquerda, em tempos mais recentes).
Guimarães é uma cidade com uma dimensão humana interessante. Esta é uma
terra onde subsiste um cosmopolitismo maneirinho, onde a gente se vai
conhecendo. Pela parte que me toca, posso dizer que conheço e estimo Domingos
Bragança, André Coelho de Lima, José Torcato Ribeiro e o jovem cabeça de lista
do BE, José Fonseca, que um dia foi
meu aluno. Conheço-lhes as qualidades e reconheço-lhes competência para assumirem
funções no governo da cidade.
Mas, tendo que fazer escolhas, não tenho dúvidas quanto ao sentido do meu
voto. Votarei no Torcato. Porque é consequentemente de esquerda, porque coloca
o interesse colectivo acima dos interesses particulares, porque tem uma visão de
Guimarães com a qual me identifico, porque olha a cidade e a sociedade por uma
perspectiva que faz falta na Câmara. Porque é generoso e solidário. E porque é
meu amigo há tanto tempo que já esqueci quando o conheci.
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