Papa-Açúcar |
A fama de que gozava Bernardo José Dinis, o célebre facínora que dava pela
doce alcunha de Papa-Açúcar de que tratamos na efeméride de ontem, não
lhe vinha só do seu lado perverso. Como acontecia com outros fora-da-lei do seu
tempo, a sua fama tinha lado de romântico, alimentado por histórias que dele se
contavam. Uma dela, que revela que o Papa-Açúcar
tinha também seus rasgos de filantropia,
passou-se numa freguesia de Braga e foi contada pelo jornal Universal, daquela terra, e recontada
pelo Religião e Pátria, aquando da
sua prisão em Agosto de 1890.
Ei-la:
Uma anedota do Papa-Açúcar
O “Universal”, de Braga, conta a seguinte a propósito
da recente prisão daquele famigerado larápio, que, pelo que se vê, tem também seus
rasgos de filantropia:
“Há tempos vagueava ele, como de costume, por uma das freguesias
deste concelho, quando lhe sucedeu encontrar duas mulheres que clamavam indignadas
contra o pároco da freguesia, por este se ter recusado a baptizar uma criança
do tenra idade que uma delas conduzia.
Pela conversa que ouviu à- mulheres compreendeu ele que
o padre tal havia feito por falta de padrinho, e que os pais da criança eram
tão pobres e miseráveis que não tinham encontrado quem a isso se quisesse prestar.
Dirigiu-se então às mulheres dizendo lhes que por falta
de padrinho não havia a criança de ficar por baptizar; que voltassem para a igreja,
porque o padrinho havia ele de o ser.
As mulherzinhas agradeceram-lhe comovidas e foram novamente
apresentar-se ao pároco, que vendo o padrinho e reconhecendo-o, se prestou, sem
observações e sem delongas a ministrar o sacramento à criança.
Finda a cerimónia, e depois de feito o competente
registo, puxou o Papa-Açúcar pela bolsa
para pagar o que em tais ocasiões é de costume dar-se ao pároco, paga que este
se recusou a aceitar, dizendo que por ser ao sr. Pereirinha nada lhe custava.
Ele, porém, forçou o pároco a receber o dinheiro, depois
do que acompanhou até fora da igreja as duas mulheres, às quais ordenou que o
esperassem no mesmo lugar onde o tinham encontrado.
Feito isto, voltou à igreja e, chegando-se ao padre,
disse-lhe:
— Preciso já de dez libras e sei que o senhor mas pode
arranjar com facilidade.
O padre respondeu-lhe que sentia não poder
satisfazer-lhe tal pedido, por não ter em ser poder a quantia exigida.
Ele retrucou-lhe:
— Se não tem, mande-a pedir emprestada, porque sem ela
não sairei daqui.
O padre, vendo que não havia meio de se ver livra dele,
chegou-se então à porta da sacristia e chamou por um criado a quem encarregou
de ir buscar cinco libras que tinha em casa e de pedir emprestadas outras cinco
a um vizinho.
Pouco depois, voltou o criado com o dinheiro.
Recebeu o Papa-Açúcar as dez
libras, e depois de as ter examinado uma por uma, disse ao padre:
— Desnecessário é dizer-lhe que o que entre nós se acaba de passar de
ninguém deve ser conhecido. Não se esqueça deste aviso. Passe muito bem, snr.
abade.
Saiu, o encontrando-se novamente com as mulheres no local que lhes tinha
aprazado, disse- lhes:
— Aqui estão dez libras. Cinco são para a minha comadre se tratar; as outras
cinco são para o enxoval do meu afilhado. Vão com Deus”
Religião e Pátria, 23 de Agosto de 1890
0 Comentários