Papa-Açúcar |
Parte de manhã para Famalicão o "Papa Açúcar", devendo depois
recolher à Relação do Porto. Ontem, depois das 10 horas da noite, da prisão
enxovia donde ele estava com outros criminosos foram arremessadas algumas pedras
aos transeuntes que passavam pelas imediações, tendo de se por a coberto os
cabos de polícia que guardavam a cadeia, porque também foram contemplados com
pedras. O administrador foi à cadeia dar as precisas providências. Este apedrejamento
foi o preso António Manuel Gonçalves, "O Catarino", acusado de fazer
parte duma quadrilha de ladrões, arrancou um degrau duma sentina e reduzindo-o
a fragmentos lançando-o ao ar, apedrejou depois com eles os transeuntes, sendo
o seu comportamento péssimo, pois já diversa vezes fora repreendido pelo
delegado do procurador régio.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 184 v.)
João Brandão, Zé do Telhado
e Papa-Açúcar, na classe dos ladrões são ladrões honrados e dignos. Apresentam-se
na estrada, de peito descoberto, fronte erguida, expondo a vida e arriscando a
liberdade.
Limão, Ridendo – Sinapismos, Valença do
Minho, 1889
– Estou habituado a toda a espécie de encontros. Na minha mocidade
fiz muitas vezes o caminho, de noite, de Braga para Lanhoso, e era no tempo do Papa-Açúcar...
Sá d'Albergaria, Os filhos do padre Anselmo, Porto, 1904
Tem nome de passarinho. A sua memória pode estar hoje coberta por um
manto de esquecimento mas, no último quartel do século XIX, o Papa-Açúcar era uma das personagens mais
conhecidas em terras de Guimarães e adjacentes. O seu nome figurava, em lugar
de destaque, na lista portuguesa de malfeitores, ao lado de Diogo Alves, José
do Telhado ou João Brandão. Chamava-se Bernardo José Dinis e era natural de Joane,
onde nasceu por volta de 1863, mas fez
carreira nas aldeias de Guimarães. Em 1882 ainda não tinha 20 anos, mas nos
jornais, o seu nome já era decantado e célebre. Audacioso, matreiro, sinistro, afoito
e insolente, assim era o Papa-Açúcar.
Aqui fica parte da crónica das suas façanhas, tal como está narrada na imprensa
vimaranense do seu tempo.
Audiências gerais
Começaram efectivamente no dia 28 de Novembro próximo as audiências
gerais nesta comarca, sob a presidência do digno e ilustrado juiz de direito o
snr. dr. José Teixeira de Queiroz Pimentel e Vasconcelos, sendo agente do
ministério público o snr. dr. Artur
Alberto de Campos Henriques.
(…)
Na segunda audiência, que teve lugar no dia 29, entraram em julgamento os
réus Bernardo José Dinis (o Papa-Açúcar),
António José de Abreu e Inácio da Silva, acusados pelo crime de roubo, e Manoel
de Carvalho Baptista, acusado de receptador.
O júri deu o crime por provado quanto aos primeiros, sendo o Papa-Açúcar condenado em dois anos de
prisão correcional e o outro réu em um ano.
A acusação e a defesa foram brilhantes.
Imparcial, 5 de Dezembro de
1882
Fuga de preso e furto
Na noite de anteontem evadiu-se das cadeias desta cidade o preso Bernardo
José Dinis, o célebre Papa-Açúcar,
que estava a cumprir a pena de 2
anos de prisão correccional, em que fora condenado no dia 17 de Novembro último
por diferentes crimes de furto e resistência no acto da prisão.
O Papa-Açúcar, porque há pouco
tempo se achasse incomodado de saúde, foi removido das enxovias por conselhos
do clínico assistente, para mo quarto de malta, não muito longe daquele em que
dorme o carcereiro, homem de bons costumes, com mais de 60 anos de idade e um
tanto surdo.
O carcereiro, depois de fechar todas as janelas e portas da cadeia, saiu
com tenções de cear em casa de um seu amigo que lhe dá de comer todos os dias,
e recolheu se cerca das 10 horas da noite para deitar-se, e antes de o fazer
dirigiu-se ao quarto do Papa-Açúcar,
e chegando ao limiar da porta, olhando para a cama do preso, supos que este
estava de deitado, pelo volume que se apresentava sob a roupa.
Em seguida recolheu-se ao seu quarto e fechando a porta com uma aldrava,
tratou de deitar-se muito sossegadamente, colocando todas as chaves da cadeia,
como de costume, próximo da cabeceira do leito.
De manhã levantou-se, e dirigindo-se ao sítio aonde colocara as chaves,
não encontrou a que dá ingresso para a cadeia, achando-se lambem a porta quarto
aberta.
Um triste pressentimento assaltou logo o espírito do carcereiro, que
conhecendo mui de perto a audácia e artimanha do fugitivo, há já muito tempo
redobrava de vigilância acerca do modo de proceder do célebre Papa-Açúcar. Dirigiu se, pois,
imediatamente ao quarto deste, e longe de encontrar na cama e debaixo da roupa
um indivíduo de carne e osso, deparou unicamente com alguns cabos de vassoura
amarrados ao travesseiro, simulando assim, pelo volume um ente humano.
Era inegável: o decantado Papa-Açúcar
havia dado às de Vila Diogo.
Narremos agora o modo porque o mesmo, secundo se supõe, realizou a sua
audaciosa fuga.
Ao anoitecer o carcereiro, segundo o seu habitual costume, como já
dissemos, fechara as portas, e janelas das prisões aonde se acham os
encarcerados, e para isso tinha de atravessar o corredor fronteiro ao quarto de
malta habitado pelo fugitivo, e este, revestido da maior audácia acompanhada de toda a serenidade de espírito, saiu
furtivamente do seu quarto e, introduzindo-se no do carcereiro, meteu-se
debaixo da cama deste.
Altas horas da noite, conhecendo o sono profundo que se havia apoderado do
carcereiro, saiu cautelosamente de baixo da cama, e lançando vistas ávidas em redor
do quarto, notou que aí, além dom relógio e corrente de prata, se achavam também
dentro de uma bolsa algumas libras reunidas a outras moedas de prata, o que
todo perfazia a quantia de cinquenta e dois mil e tantos réis.
Bem! disse de si para si o decantado Papa-Açúcar,
corre tudo às mil maravilhas: tenho relógio para regular a jornada e dinheiro para
satisfazer as despesas.
Foi então obra de um momento. Lançou mão das chaves de que necessitava
para realizar a fuga, abriu seguidamente as portas que o impediam de aspirar a
brisa amena que então cá fora deslizava e... minutos depois ei-lo no meio da
rua.
O itinerário de sua jornada não o declarou ele a ninguém, e por isso nada
podemos dizer aos nossos leitores a semelhante respeito.
O poder judicial procedeu com a maior actividade às necessárias
averiguações acerca deste facto, e é para nós, que conhecemos de perto a
dignidade e bom proceder do carcereiro, que este nenhuma culpa teve no facto
que vimos de narrar, asserção esta que é confirmada pela opinião pública desta
cidade.
As autoridades competentes fizeram expedir telegramas para diferentes
localidades e a polícia envida todos os esforços para capturar o criminoso,
havendo por isso as mais fundadas esperanças de que em breve o bom filho à sua
casa torne.
Imparcial, 19 de Junho de 1883
Apesar das diligências das autoridades, ainda não foi capturado o célebre
Papa-Açúcar, que se evadiu ultimamente
das cadeias desta cidade.
Segundo se afirma, em algumas freguesias deste concelho têm-se praticado
alguns furtos depois da evasão do Papa-Açúcar,
e é voz pública que este é o autor de tais partidos.
Seja ou não seja, quem não quer ser
lobo não lhe veste a pele.
Imparcial, 26 de Junho de 1883
Segundo é voz, pública, o já agora célebre Papa-Açúcar, fugido da cadeia desta cidade, onde estava cumprindo a
pena de dois anos de prisão pelo crime de roubo e resistência à autoridade, tem
percorrido diversas freguesias deste concelho, tendo assaltado algumas pessoas.
Diz-se que foi visto há dias nas proximidades de S. Torcato, e sendo
reconhecido por uns homens que trabalhavam numa pedreira, estes o perseguiram, mas
não o puderam agarrar, por que ele fugiu apontando um revólver, e parece que
anda bem armado.
Muitas pessoas que costumam andar desta cidade para as aldeias,
especialmente mulheres, estão atemorizadas.
Religião e Pátria, 4 de Agosto
de 1883
Este foragido tem percorrido algumas freguesias do concelho.
A sua presença causa terror aos povos, que, como a um cão danado, berram:
— “Aí vai o Papa-Açúcar, fujam, fujam!”
Alguns furtos se têm praticado, ainda que de pequena importância nas
freguesias aludidas, e estas proezas são
atribuídas àquele criminoso.
A nossa polícia já por diferentes vezes tem tentado apanhar o melro, mas este, fino como uma raposa,
ainda não caiu no laço.
Ultimamente, os polícias e guardas da fiscalização aduaneira deram-lhe
caça na freguesia de Ruivães, concelho de Famalicão, mas também foi inútil.
É questão de tempo.
Imparcial, 21 de Agosto de 1882
Consta que o já agora célebre Papa-Açúcar embarcara em Vigo com direcção ao Brasil.
Está pois terminado o medo que dele tinham os povos das aldeias. Ele
metia-lhes tão grande terror, que não havia em todo o concelho de Guimarães
quem não tivesse ouvido falar nele, todos o viam ao mesmo tempo em diversas partes!
Religião e Pátria, 28 de Novembro de 1883
Consta-nos por alguém que se diz bem informado que o famigerado Papa-Açúcar vive entre nós manso e ledo, apesar da balela que o fizera embarcado em Vigo e a caminho
do Brasil.
Confiamos que o zelo e actividade da autoridade, não deixará de indagar a
verdade.
Espectador, 3 de Janeiro de
1884
Apesar de se haver propalado que o célebre Papa-Açúcar há tempo fugido da cadeia desta cidade, havia embarcado
para o Brasil, afiança pessoa que o conhece bem, tê-lo visto um destes dias próximo
à ponte de Brito, e que não o prendeu por recear sair-se mal da empresa, porque
ele dá fogo a quem o quiser prender, como já o fez à polícia.
Contudo, quando o Papa-Açúcar viu
o sujeito caminhar para perto dele, foi-se safando.
Religião e Pátria, 14 de Maio de 1884
O Papa-Açúcar — Diz o nosso
estimado colega Jornal de Santo Tirso,
que este célebre criminoso tem sido visto por diversas freguesias daquele concelho
assim como do de Famalicão, e há dias esteve em S. Miguel das Aves.
Religião e Pátria, 24 de Maio de 1884
O Papa-Açúcar — Este indivíduo,
há tempos fugido da cadeia desta cidade, e que se havia tornado célebre, pois
que, apesar de se ter espalhado que partira para o Brasil, parecia que se
transformara nuns poucos porque aparecia em toda a parte, toda a gente o via,
tal era o medo que lhe tinham, foi ontem de tarde preso por os soldados de
guarda na ponte de Brito, dentro duma taberna, e conduzido à cadeia desta cidade.
Foram-lhe encontradas três gazuas, uma navalha e um revólver.
Religião e Pátria, 18 de Junho de 1884
Foi hoje a perguntas perante o digno juiz de direito desta comarca, ao
tribunal judicial, o já agora célebre Papa-Açúcar.
Informam-nos que vai ser enviado para a Relação do Porto.
Religião e Pátria, 21 de Junho de 1884
Escoltado por seis soldados, partiu boje para Vila Nova de Famalicão o
célebre Papa-Açúcar, dizem que para
responder por um crime que cometeu naquela comarca.
Quando foi intimado para sair da cadeia, exasperou-se muito, gritando que
lhe pusessem um carro para ir, sem o que não sairia. Colocado o carro à porta, não
o achou bom, dizendo que o queria envidraçado; afinal sempre se resolveu a sair
mas o pior foi que o cocheiro, assim que o viu na rua, deu a fugir com o carro,
e os soldados acercando-se do preso atrevido, disseram-lhe: — “Ande lá para a
frente. E que remédio teve ele senão andar...”
Religião e Pátria, 18 de Outubro de 1884
O Papa-Açúcar — Este benfeitor
foi visto um destes dias no lugar de Castelães, freguesia de S. João da Ponte.
Acompanhado por um outro indivíduo, atravessou a estrada e entrou num
campo de milho onde desapareceu.
O Comércio de Guimarães, 4 de
Outubro de 1888
Consta que foi preso nas imediações das Taipas pela polícia bracarense, o
célebre O Papa-Açúcar, terror dos habitantes
das freguesias circunvizinhas
Estará ou não preso?
Tantas vezes se tem julgado entre ferros, e ele sempre em liberdade.
O Comércio de Guimarães, 18 de Agosto
de 1890
Prisão do Papa-Açúcar
Até que enfim, foi preso o lendário Papa-Açúcar,
Bernardo José Dinis, solteiro, de 27 anos, natural da freguesia de Joane,
concelho de Famalicão.
Uma força de polícia civil de Braga deu busca, domingo, às 10 horas da noite,
à casa da Bicha Brava”, em Sande, amásia
do gatuno, e lá o encontrou, levando-o em seguida para a cadeia de Braga, e ontem
de tarde removido para a desta cidade. Veio em carro escoltado por 8 polícias
civis a um chefe de esquadra.
Religião e Pátria, 20 de Agosto
de 1890
Chegou na terça-feira a esta cidade, em um carro e acompanhado de 7
polícias, com procedência de Braga, o famigerado Papa-Açúcar, dando entrada imediatamente na cadeia.
Como era natural, a curiosidade de ver o Papa-Açúcar era grande, reunindo-se bastante povo em frente à
prisão.
Como não há força militar, o digno administrador do concelho mandou
guardar a cadeia por 4 cabos do polícia da freguesia da Oliveira, convenientemente
armados.
Aplaudimos a resolução do snr. administrador, não só por causa do Papa-Açúcar, como de outros criminosos
de certa importância que ali existem, uns condenados, e outros que têm de ser
julgados nas próximas audiências gerais.
É certo que a polícia alguma despesa trará à exma. Câmara, mas são casos anormais
em que é forçoso providenciar.
O Comércio de Guimarães, 21 de Agosto
de 1890
Partiu hoje de manhã para Famalicão o Papa
Açúcar, devendo depois recolher à Relação.
Ontem, depois das dez horas da noite, da prisão onde ele estava com
outros criminosos, foram arremessadas algumas pedras aos transeuntes que
passavam pelas imediações.
Ainda mal tinha sido prevenido o snr. administrador do concelho, e já um indivíduo
desta cidade fazia as suas reclamações, por ter sido vítima duma pedrada.
Então o snr. dr. Meireles dirigiu-se à cadeia, tomando as providências
que o caso requeria.
Os cabos do polícia, que rondavam a cadeia, também foram apedrejados, tendo
de se pôr a coberto das pedradas.
Tirariam algumas pedras do ladrilho? Forneceriam de fora para dentro as
pedras?
Por enquanto ainda nada está averiguado, por motivos que não podemos já
indicar.
Havia receio do que o Papa Açúcar
oferecesse resistência no acto de sair da enxovia, mas o homem portou-se muito
bem.
O Comércio de Guimarães, 28 de Agosto
de 1890
À hora em que escrevemos, dá entrada nas cadeias desta cidade Bernardo
José Dinis, o célebre O Papa Açúcar,
que tem de responder nas próximas audiências gerais desta comarca.
Veio das cadeias da Relação do Porto, e era escoltado por uma força de
infantaria 18.
Vimaranense, 3 de Março de 1891
Escoltado por 3 soldados, um oficial de diligências e devidamente algemado,
chegou anteontem a esta cidade, vindo das cadeias da Relação do Porto, onde se
achava há tempos, o famigerado Papa
Açúcar que tem de ser julgado nas próximas audiências gerais desta comarca,
em consequência de ser chefe de uma quadrilha de salteadores que infestava as
freguesias deste concelho.
O Comércio de Guimarães, 5 de Março
de 1891
Audiências gerais
Começam no dia 20 do corrente mês as audiências gerais no tribunal
judicial desta comarca, sob a presidência do meritíssimo juiz do direito dr. António
Duarte Marques Barreiros, representando o ministério público o digno delegado
do procurador régio sr. dr. Eduardo José da Silva Carvalho.
Eis os réus a julgar:
No dia 20 de manhã — -Bernardo José Dinis (o Papa Açúcar), residente em Caldelas, acusado pelo crime de
associação de malfeitores e furto. Escrivão o snr. José de Oliveira; defensor o
snr. dr. António Coelho da Mota Prego.
(…)
Vimaranense, 13 de Março de 1891
Principiaram na sexta-feira as audiências gerais nesta comarca
Foi julgado o célebre Papa Açúcar acusado
de ser chefe duma quadrilha de malfeitores, e de ler praticado diferentes roubos.
Não se tendo provado que o réu era chefe da referida quadrilha, mas sim
associado; e que não tinha praticado o roubo feito ao negociante desta praça
snr. Monteiro, mas provando-se-lhe outros crimes, o Papa Açúcar foi condenado em 4 anos de prisão celular ou 8 do
degredo em África.
O Comércio de Guimarães, 5 de Março
de 1891
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